texto por Luciano Ferreira
Junto ao Teenage Jesus & The Jerks (de Lydia Lunch), DNA (de Arto Lindsay) e Mars (de China Burg a.k.a. Lucy Hamilton), o Contortions foi uma das bandas da cena vanguardista nova-iorquina do final da década de 70 que entrou na coletânea “No New York’ (1978), organizada por Brian Eno. Idealizada para contar com dez das bandas integrantes da fervilhante cena musical, no fim, apenas as quatro citadas entraram no disco, cada uma com quatro faixas.
A celeuma com a coletânea e o rótulo de No Wave dado ao movimento (formado tanto por músicos quanto por cineastas) praticamente decretou o fim da cena. Natural para um “movimento” (nem mesmo esse termo eles aceitavam) que primava pela rejeição, rejeitar ser resumido por qualquer termo que seja. Tão rápido quanto surgiu, a No Wave “evaporou” sem nem mesmo dar chance para que algumas das bandas integrantes desenvolvessem sua sonoridade, embora isso não fosse o que eles também pretendiam.
O Contortions, liderado pelo vocalista e saxofonista James Chance, foi das poucas bandas daquele efêmero e inovador “movimento” que teve o privilégio de, na época, gravar um álbum de estúdio, “Buy” (1979). O disco foi lançado pelo selo independente ZE Records, de Michael Zilkha e Michel Esteban, responsável também por gravações de outras bandas No Wave.
As bandas No Wave (denominação cercada de dúvidas quanto ao seu surgimento) tinham o barulho – que seria levado adiante por bandas como Swans e Sonic Youth – como uma característica possível de encontrar em suas canções, mas, de forma geral, pouco ou nada além do tempo e lugar os unia, além do niilismo evidenciado nas letras. Influenciadas pela realidade dura do cotidiano, pelo cenário de caos de uma grande e problemática cidade como Nova Iorque, na época marcada principalmente por uma onda crescente de violência e abandono: totalmente decadente e esvaziadas após a mudança da classe média para os subúrbios. Especialmente bairros como o Lower East Side.
A música do The Contortions flerta primordialmente com o funk – com uma cozinha pulsante conduzida pelas linhas de baixo pronunciadas de David Hofstra – e o free-jazz, representado pela presença flutuante do saxofone de Chance. Ao mesmo tempo, há os riffs secos e esparsos de guitarra de Jody Harris, que utilizava inclusive de atonalidade e dissonâncias junto aos efeitos slides de Pat Place. Melodias e refrãos? Esqueça.
Chance não queria fazer jazz, queria uma banda com a estética rock, mas livre das amarras convencionais do gênero. Mais que isso, a base de tudo é o funk, elemento primordial. “Buy” é o resultado mais lapidado dessa experimentação. A abertura já é atraente com “Design to Kill”, trazendo de pronto o diálogo entre a guitarra de Harris e o sax de Chance, logo substituídos pelos slides de Place e os vocais berrados do vocalista sob uma letra que fala de alguém com uma vida sem propósitos senão matar: “You’re useless / Ain’t got no excuses / You’re designed to kill”. “My Infatuation” é quando a banda bota para fora o lado mais experimental, num arranjo cheio de espaços vazios e riffs dissonantes acompanhados de um sax que parece conversar numa linguagem diferente dos outros instrumentos.
O lado mais dançante do grupo surge em “Don’t Want to Be Happy”, com uma letra que soa como a antítese do que a música sugere: “I only live on the surface / I don’t think people are very pretty inside / And my idea of fun / Isn’t having a son / Or being whipped on the back of my thighs / I prefer the ridiculous to the sublime”. E aqui surgem e desaparecem uns tecladinhos fazendo mais gracinhas do que propriamente melodias. O arranjo é um verdadeiro entra-e-sai de elementos ao longo de seus pouco mais de três minutos, finalizando no que poderia ser uma sequência ensandecida de riffs em fadeout.
O disco tem apenas nove faixas e pouco mais de 30 minutos, com todo trabalho técnico creditado a James Chance, que também é autor das canções (uma reedição deluxe de 35 anos estende o tracking list para 19 canções e 67 minutos). Dentre os petardos sonoros, todos sem refrão, ressalte-se, há que se mencionar a abrasiva “Contort Yourself”, exemplo perfeito do convite à dança enquanto a desesperança cai sobre sua cabeça: “And once you take out all the garbage / That’s in your brain, forget about your future / Its just just just just too tame”.
O funk mais convencional em “Roving Eye”, com direito a um solo de guitarra, é dos momentos mais “acessíveis” do disco, que ainda tem a alucinada “Bedroom Athlete”, com uma linha de baixo inspirada no reggae, mas cheia de mudanças e variações sinuosas totalmente desconcertantes.
É possível afirmar que “Buy” atesta o quanto o pós-punk inglês e a No-Wave, do Contortions em específico, possuem em comum. É também um dos álbuns essenciais para entender a No Wave em seu lado musical. Muito se comenta e é sabido sobre a herança e influência do pós-punk na música feita a partir da década de 80, e ele é inegável. Resta um olhar mais amplo e apurado, que por certo esbarrará indubitavelmente nos rastros da No Wave no trabalho de muitas bandas atuais e antigas.
– Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.