entrevista por Luiz Mazetto
Nome essencial da cena de Portland, Sam Henry é um dos principais bateristas da história do punk/hardcore dos Estados Unidos. Com influências marcantes de jazz – Buddy Rich foi o seu primeiro grande herói na bateria, o músico possui um estilo muito próprio e marcante, que fica evidente em músicas já clássicas como “D7” e “Return of the Rat”, ambas do primeiro disco do Wipers, “Is This Real?” (1980), que foram regravadas no início dos anos 1990 pelo Nirvana (e podem ser ouvidas no box “With The Lights Out“, de 2005).
Além da banda liderada por Greg Sage, Sam também tocou em outros grupos marcantes de Portland, como o Rats, que depois deu origem ao Dead Moon, o Napalm Beach, em que formou uma parceria duradoura e extremamente criativa com o vocalista/guitarrista Chris Newman, e, mais recentemente, com o Jenny Don’t and the Spurs, que navega de forma bastante confortável e interessante pelo território do country.
Na entrevista abaixo, feita por telefone no final de setembro, o mais do que simpático e divertido Sam fala sobre o mais recente álbum com Jenny Don’t and the Spurs, “Fire on the Ridge” (2021), a amizade com Chris Newman, que faleceu em 2021, relembra o início sua trajetória com o Wipers, incluindo a temporada da banda em Nova York, entre muitas outras coisas. Confira abaixo!
O Jenny Don’t and the Spurs lançou no último mês de junho um disco chamado “Fire on the Ridge”. Como tem sido a recepção para o álbum?
Nós esgotamos o disco duas vezes na nossa turnê com o Charley Crockett, em que abrimos os shows dele no Texas, Novo México, Phoenix, Colorado, em diversos lugares. Também fizemos alguns shows como headliners e o disco se esgotou muito rápido. O que nos surpreendeu, porque esse álbum foi meio que uma maldição para a gente (risos). Foi um disco difícil de fazer. O Kelly (Halliburton, baixista da banda) está fora de serviço pelos próximos meses por um problema de saúde. O Kelly, eu e o Erick Olson, do Poison Idea, temos uma outra banda, que toca surf music, chamada Fathoms. Acabamos de lançar um single, que também estava à venda na tour do Jenny Don’t e também estava esgotando sempre. Apenas fiquei pensando “Uau, isso é legal”. Foi algo que fizemos durante a pandemia, quando não tínhamos o que fazer e pensamos que seria divertido ver o que aconteceria.
E os dois discos foram feitos durante a pandemia mesmo?
Sim, foi logo antes, bem na transição. Foi algo como “Pera aí, não temos mais nada para fazer” (risos). E apenas demorou tanto tempo porque muita gente não estava trabalhando na pandemia, por isso levou algum tempo (risos). Recentemente nós fizemos um memorial em homenagem ao Chris Newman (vocalista/guitarrista do Napalm Beach, que faleceu em maio de 2021), em que o Fathoms tocou – e eu também toquei com o Dave Dillinger (baixista), do Napalm Beach, e o meu amigo Howard G. Esse memorial está disponível online, foi transmitido ao vivo pela Internet, e acabou sendo muito legal. Tivemos de adiar o memorial, porque eu tinha que sair em turnê, e todo mundo ficou bravo comigo (risos). “Me desculpem, apenas preciso ir tocar” (risos). O Chris morreu em maio, no fim de maio. Ele foi meu amigo e companheiro de banda por 40 anos, por mais de 40 anos. Eu tenho 64 anos, o Chris morreu aos 67. Então é…
E como você vê o legado do Napalm Beach após todo esse tempo que você e o Chris tocaram juntos, lançando discos e tocando pelo mundo?
O Napalm não… Todas as bandas, como Nirvana, Soundgarden, e até o Dead Moon, todas elas abriram para o Napalm Beach em diferentes lugares. E quando o Napalm Beach foi para a Europa, um produtor de shows nos perguntou sobre quais outras bandas de Portland pensávamos que seriam legais para irem tocar na Europa. E nós falamos sobre o Poison Idea e o Dead Moon e eles decolaram loucamente. E, é claro, que na turnê seguinte que fizemos em 1990 – nossa primeira tour lá na Europa foi em 1989 quando o Muro de Berlim foi derrubado. E então nos perguntaram sobre quais bandas seriam legais para irem tocar lá. Na próxima vez que fomos para a Europa, de repente o Dead Moon e o Poison Idea estão indo. E, de repente, o Nirvana lançou a “Smells Like Teen Spirit” e todo mundo estava curtindo o Nirvana. E eu pensei “Ahh, esses caras abriram para nós, há um ano” (risos). E todo mundo ficou grande. O Napalm Beach nunca quis fazer parte da Sub Pop ou ser uma banda de Seattle, mesmo tocando muito na cidade. Chris apenas não queria ser uma banda de Seattle, nós vivíamos em Portland. Mas nós ainda abrimos para o Public Image Ltd, X, todas as bandas grandes que iam para Seattle. Porque Seattle fica a apenas duas horas e meia, três horas de Portland. Então nós sempre íamos para lá tocar, e todas as bandas de Seattle ficavam putas com a gente. “Por que estão putos com a gente? Apenas fiquem melhores” (risos). E elas ficaram (risos)!
E você pensa que a banda recebeu o reconhecimento que merecia durante a carreira?
Nós meio que nos perdemos, houve muitas drogas. Naquela época, houve muita cocaína, muita heroína. Muitas drogas com todo mundo, todas as bandas usavam. E isso cobrou um preço do Napalm Beach. Mas o Napalm Beach sobreviveu e ainda foi para a Europa até 1993 ou 1994. E ainda estávamos lançando discos, mas tudo ficou muito agitado com a Sub Pop e toda a cena de Seattle, do grunge. E o Kurt Cobain falou algo como: “Se não fosse pelo Napalm Beach e pelo Wipers, eu nem estaria fazendo o que faço”. Então nós tivemos bastante reconhecimento por isso. E a última coisa que o Chris (Newman) fez foi com o Mark Lanegan, do Screaming Trees. Ele regravou a música “Holy Ground”, e chamou o Chris para cantar e tocar. Essa foi basicamente uma das últimas coisas que ele gravou.” (Nota: Chris Newman também gravou um disco com produção de Lanegan, intitulado “Re-Revolution”, lançado em 2019)
Você sempre viveu no Oregon, certo? Nasceu em Oregon City, cresceu em Milwaulkie e depois se mudou para Portland. Por isso, queria saber qual o papel da cidade (Portland) e da região como um todo para a música que você fez para as suas bandas?
Portland sempre teve uma cena muito legal. A cidade ainda está lutando bastante por causa da pandemia. As casas de shows estão reabrindo, os shows finalmente estão voltando a acontecer – mas é claro que você precisa usar máscara, ter um teste negativo, levar o seu cartão de vacinação, coisas da pandemia. Mas Portland sempre foi muito legal. Passei a minha vida toda aqui. Mudei para cá com o Wipers. Naquela época você precisava mudar para uma cidade, se implantar lá e esperar que algo acontecesse. O Wipers foi para Los Angeles, Nova York. Na verdade, antes do Wipers eu estava na Flórida com o baixista Dave Koupal, e o Greg Sage veio nos encontrar e montou a banda. Foi assim que o Wipers começou. Mas eu já estava tocando com esses caras uns três ou quatro anos antes do Wipers, em uma banda chamada Sage – e antes disso a banda se chamava Hard Road. Mas não havia lugares para tocar em Portland, porque a disco music dominou tudo. Isso foi em 1977, 1978, quando comecei a tocar com eles. O Wipers não aconteceu até 1979, que foi quando voltamos de carro da Flórida, e começamos a montar as primeiras versões do “Is This Real?” (1980). O Greg teve de descascar todo o estúdio de novo e deixou todo mundo bravo. Nós tiramos o teto, as paredes e o chão do estúdio, apenas para conseguir o som que ele queria (risos). O pessoal ficou falando “Quem é esse cara? Tirem ele daqui!” Quando finalizamos o disco, ninguém ficou feliz com ele. Mas ele ainda se mantém até hoje. As pessoas ainda compram o “Is This Real?”, o que meio que deixa eu e o Dave nervosos, porque não ganhamos um centavo. Se for para a Europa, pode encontrar o disco sendo vendido a 100 euros (risos). É tipo “O que? E eu não ganho nada disso? É algo como: Quantas versões já foram feitas? Ai, meu deus”.
Vez ou outra, falo com o Greg, quando estou em Phoenix (cidade onde o músico vive há algum tempo), dou uma ligada para ele. Na última vez que falei com ele por telefone, ele me disse “Ah, estava pensando em você e no Dave, naquela época”. E perguntei “Por que?”, e ele explicou “O Gus Van Sant, o diretor de cinema, ia lançar um filme com o ‘Is This Real?’ como trilha-sonora”. E então falei “Oh, e você falou com ele?”, ao que o Greg respondeu “Não, ele ainda me deve 100 dólares do ‘Drugstore Cowboy’ (nota: filme de Gus Van Sant de 1989 filmado em Portland) (risos)”. Então essa foi a conversa que eu tive com o Greg. E ele também falou “Ahh, vocês vão tocar aqui? Que legal, adoraria ir ver vocês. Mas estamos com uma onda de frio aqui”. Então respondi “Como assim? Está mais de 40 graus. Do que você está falando?”. Estava fazendo uns 43 graus em Phoenix quando liguei para ele e íamos tocar com a Jenny Don´t and the Spurs. Ele perguntou onde íamos tocar e eu disse que era em um bar chamado Chopper Johns, e ele respondeu “Ah, eu gosto muito desse bar e adoraria ir ver vocês tocarem, mas, como eu disse, há uma onda de frio”. Apenas falei “Cara, está mais de 40 graus. Do que você está falando?”, e ele respondeu “Ah não, estava 48 graus há alguns dias, mas se você sair e a temperatura cair, então você fica doente. Estou me sentindo um pouco doente”. Apenas pensei “Ok, essa é uma ótima história. Estou parado no meio do estacionamento pegando fogo, falando ao telefone com você enquanto suo bicas, e você me diz que está com frio (risos)”. Mas é, o Wipers tornou-se algo grande em Portland em 1979, nós tocamos muito com bandas como Ramones e The Weirdos. Muitas bandas punks faziam shows por lá na época e nós tocávamos com elas. Nós conhecemos os Ramones em Portland e quando nos mudamos Nova York, os vimos na rua e eles se lembraram da gente. Eles eram caras legais, apenas caras tranquilos, pés no chão – o tipo de cara que você conheceria na escola e ficaria amigo.
Quando vocês estavam em Nova York, puderam conhecer/acompanhar as bandas da cidade na época?
O Greg meio que deixou eu o Dave, o baixista, comendo poeira e saiu por conta própria. Mas nós conseguimos ver o Suicide, foi de onde o Greg tirou os “Uhhh, uhh! Romeo, go Romeo”, esse lance (Nota: nesse momento, Sam faz gritos agudos em referência à música “Romeo”, do disco “Over the Edge”, de 1983, do Wipers). Ele realmente pegou muita coisa do Suicide. Eu, obviamente, saí da banda antes do segundo álbum (“Youth of America”, de 1981) e então o Dave voltou dizendo “Ele me fez trabalhar para consertar o estúdio. Tive que ensinar o novo baixista a tocar baixo. Fiquei muito irritado com o Greg”. E então eu disse “Mas vocês sempre estão irritados um com o outro desde que os conheço” (risos). E já fazia cinco anos que estava tocando com eles (risos). Mas eu saí da banda em Nova York e então voltei para Portland, que foi quando comecei a tocar com o Freddy e a Toody, do Dead Moon. Eles tinham uma banda chamada The Rats e comecei a tocar com eles. O Greg estava em um show e a banda do Chris, do Napalm Beach, estava tocando – ele tinha uma banda chamada The Untouchables na época. Eles estavam fazendo um show e o Greg estava assistindo e chegou para mim, quando estávamos só eu e ele na frente do palco assistindo a banda tocar, e ele falou “Você devia estar em uma banda com esse cara. Esse cara é um ótimo guitarrista”. Depois disso acho que fiquei anos sem ver o Greg (risos). (Nota: Greg Sage depois produziu e lançou os primeiros álbuns do Napalm Beach).
E foi assim que você conheceu o Chris?
Sim, basicamente foi isso. O Greg meio que o indicou para mim. E o Rats abriu para o Napalm Beach, eles tinham acabado de mudar o nome de Untouchables para Napalm Beach. Eles tocavam toda segunda à noite em um lugar chamado Euphoria e nós (Rats) sempre abríamos para eles. E também tocamos com eles em Seattle várias vezes. E sempre que os escutava, eu pensava “Quero tocar com eles, gosto da música desse cara”. Então o Freddy Cole, do Rats, me deu um ultimato, ele disse algo como “Em qual banda você quer tocar?” e eu falei “Bom, vou tocar nas duas bandas, eu toco bateria, esse é o meu trabalho”. E ele disse “Não, você precisa estar em uma banda ou na outra”. Então eu escolhi o Napalm Beach e o Freedy e a Toody formaram o Dead Moon uns três anos depois e então ficaram muito famosos (risos). E o Napalm Beach meio que secou.
Mas agora estou com a Jenny Don´t and the Spurs. Conheci a Jenny há 14 anos, ela tinha acabado de se mudar de Bellingham, Washington. Eu estava em um bar e ela chegou “Oi Sam, meu nome é Jenny”, ela era próxima do Andrew Loomis, do Dead Moon, antes de ele falecer. E aí começamos a conversar e então ela perguntou “Você quer tocar?” e respondi “Claro, não estou fazendo nada” – e realmente não estava. Na época eu trabalhava em um estúdio de ensaio, era um armazém com 42 salas de ensaio, gerenciei o local por cerca de 15 anos. Durante essa época comecei a tocar com a Jenny. Essa é uma história engraçada: eu entrei para o Napalm Beach porque queria tocar com o baixista deles, Dave Minick, que saiu da banda assim que eu entrei – foi algo como “O que? Essa era a razão pela qual queria tocar com vocês”, foi toda uma situação, mas então, finalmente, 20 anos depois, pude tocar com ele. Quando a Jenny perguntou quem iríamos chamar para tocar baixo, eu falei “Dave Minick, ele era do Napalm Beach e alguém com quem eu queria tocar há anos”. Ao mesmo tempo, na época eu estava tocando em uma outra banda com o Chris (Newman) chamada The Last Accolade, ou era algo diferente. Não me lembro, ele não conseguia se decidir sobre o nome da banda, ficava sempre mudando. Eu tocava teclado nessa banda e o Dave tocava baixo. Então falei para ele “Cara, você precisa vir tocar com essa vocalista que eu conheci”. E ela (Jenny) tinha um amigo de Bellingham que a ensinou a tocar guitarra, na época ela só sabia tocar uma corda. Lançamos um disco talvez cedo demais, o nosso primeiro, chamado “Away Away” (2010) – (Nota: nesta época, a banda se chamava apenas Don’t e fazia um som calcado no punk). E o Dave ficou conosco por cerca de cinco anos, tocamos na Europa cinco ou seis vezes. Então é, finalmente pude tocar com ele, só demorou uns 25 anos (risos). Mas então ele (Dave) saiu da banda e o Kelly (Halliburton, atual baixista da banda) começou a tocar com a gente – o Kelly e a Jenny são um casal. Mas então o Kelly começou a tocar baixo e ficamos sem guitarrista. Aí o Eric Olson, do Poison Idea, falou “Eu toco”. Então virou um supergrupo com a Jenny no vocal. Fizemos uma tour pela Europa que foi muito bem, mas fizemos apenas um single com essa formação e foi isso. A Jenny então falou “Então, eu não quero mais tocar rock, ninguém vem aos nossos shows, ninguém se importa, a cena punk está morta. Quero tocar country”. E aí ela começou a escrever todas essas músicas country, e como eu estava tocando com ela há tanto tempo, apenas disse “Claro, o que você quiser, Jenny”. Então ela começou a tocar: era apenas eu e ela, e eu estava tocando guitarra, mas então pensei “Ah não, eu deveria tocar bateria” e muitas vezes eu apenas tocava na caixa com “vassouras” e ela tocava violão. E então começamos uma banda, aí o Kelly entrou, porque ele estava com alguns problemas na época. Aí a Don´t deixou de existir e a Jenny apenas continuou compondo, ela escrevia algo como 10 músicas em dois dias, era algo como “O que? O que você está fazendo?” (risos). Então lançamos um single, o Freedy e a Toody foram nos ver e falaram “Vocês precisam fazer isso para sempre” e a Jenny continuou escrevendo músicas. E agora, 13 anos depois, continuo tocando com a Jenny Don’t and the Spurs, agora sou um baterista de country/western (risos).
E qual a diferença para você, enquanto baterista, entre tocar música country e os estilos mais rápidos e pesados que você estava acostumado a tocar antes?
Ah, é terrivelmente fácil, é muito melhor. Eu tenho 64 anos, então é muito mais fácil e relaxante. Quer dizer, comecei a tocar em casas de shows e bares quando tinha 10 anos de idade. Meu pai me colocou para tocar com bandas e de repente comecei a fazer shows. Ainda estava no ensino primário e ia fazer shows com bandas de country e western, então esses foram os meus primeiros shows quando comecei a tocar. E eles ficavam se virando e falando “Sammy, pare com isso!”, porque eu realmente estava curtindo Buddy Rich e jazz. Então eles ficavam falando “Toque algo mais country, pare com essa merda de jazz” (risos). Por isso, a Jenny Don´t and the Spurs é perfeito, porque posso tocar jazz e country ao mesmo tempo – e também um pouco de rock (risos). E a banda como um todo não é realmente country, nos encaixamos em um estilo estranho, algum tipo de música country. Eu não sei o que é, mas todo mundo parece gostar (risos).
Queria saber se houve algum tipo ponto de virada importante para a cena punk de Portland realmente começar a se consolidar? Li muitas pessoas falando sobre um show dos Ramones que acho que aconteceu em 1977 e que teve uma grande importância para essa consolidação. Você concorda com isso, foi isso mesmo?
Os Ramones em 1977 em Portand? Acho que foi em 1978, tenho quase certeza. O Wipers tinha que tocar toda segunda-feira à noite apenas para provar para os donos da casa de shows que o punk ia ficar bem. E naquela época nós podíamos fazer um show para todas as idades e um para maiores de 21 anos. O Greg conseguiu isso e era algo muito difícil de conseguir em Portland, uma permissão da OLCC, da Oregon Liquor Comission Control (atualmente chamada de Oregon Licor and Cannabis Comission). Então você não podia estar em uma banda com menos de 21 anos de idade e fazer shows, mas eu fiz isso quando tinha 10 anos – eu tinha de me esconder dentro do armário de bebidas entre os intervalos, e apenas pensava “Ah, nossa. Isso é ótimo” (risos). Mas sobre o show dos Ramones, os Ramones acabaram tocando…Eles (donos da casa de shows) trouxeram os Dictators, e era meio que um bar hippie, eles tinham muito medo do punk. Estamos falando de 1978 em Portland, então eles tinham muito medo do punk e de toda essa nova cena que estava acontecendo. Por isso, o Wipers tinha que tocar toda segunda-feira à noite e todo mundo aparecia – nós tocávamos das 19h às 21h e tinha uma banda hippie tocava depois da gente. Nós enchíamos o lugar e então todo mundo ia embora quando a banda hippie tocava. Aí os Ramones vieram e nós abrimos para os Ramones. E depois lançamos o disco “10-29-79”, uma compilação ao vivo em que todas as bandas punk de Portland tocaram. E o Greg deveria gravar esses shows, mas havia muita política envolvida, todo os outros punks queriam sua parte, mas foi ideia do Greg e nós tivemos que tocar para conseguir a casa de shows (risos). E foi algo que levou cerca de três meses. Isso meio que levou ao fim do Wipers, ele nunca se recuperou disso. Então todo mundo se mudou de volta para Portland, com exceção do Dave, que foi para Ohio. Mas ainda falo com Dave com frequência, somos bons amigos.
E vocês já consideraram uma reunião do lineup original do Wipers?
Ah, já houve tantas pessoas que nos ofereceram tanto dinheiro para fazer isso. Eu estava em turnê com a Jenny Don´t e alguém chegava falando “Eu pago 5 mil euros para vocês” e respondi “Isso não é muita coisa”, e a pessoa falava “Então 15 mil euros” e continuava subindo. E eu pensava “Sério? Isso nunca vai acontecer, me desculpe. Mas nunca vai acontecer”. Há anos as pessoas falam isso “O Wipers vai se reunir”, mas então o Greg diz “Eu não vou tocar com o Sam e o Dave”. Mas é isso o que todo mundo quer, a formação original do Wipers. Já nos falaram “Coloco vocês para tocarem 3 noites, todas vão esgotar, coloco vocês em hotéis chiques, o que vocês quiserem” e apenas respondo “Isso nunca vai acontecer, me desculpe” (risos). Eu já falei com o Greg sobre isso algumas vezes e ele disse “Por que eu iria fazer isso? Eu já disse tudo que eu precisava dizer” (risos). E ele falou “Não curto esse lance de reuniões de bandas”, e apenas pensei “Que seja, cara” (risos). É claro que eu e o Dave ficamos “Seu cuzão, nós poderíamos ficar ricos em uma semana. Por que você não nos dá uma chance? Nós não recebemos dinheiro dos discos. Todos nós poderíamos ficar ricos e nos aposentar em uma semana” (risos). Provavelmente teria levado uns dois meses, mas é, poderíamos estar bem. Mas você tem de fazer o que é preciso.
Você tem algum disco favorito entre os que gravou com as suas bandas, Wipers, The Rats, Napalm Beach?
Ahh, tenho alguns vários. Gosto muito do “Is This Real?” (1980), do Wipers. Também do primeiro single do Wipers, “Better Off Dead” (1978), e do “Alien Boy” (1980). Entre os meus favoritos também há alguns discos do Napalm Beach, e realmente gosto do disco do The Rats que fiz com Freddy e Toody, “Intermittent Signals” (1980). Provavelmente o meu disco favorito com o Napalm Beach é o “Fire Air and Water” (1990), porque fizemos esse álbum no meio de uma turnê e ele saiu perfeito. E pude tocar teclado no disco (risos). Eu toquei os coros na música “Holy Ground”, tocava bastante teclado com o Chris. Na verdade, também toquei teclado com a Jenny Don´t and the Spurs. Acho que meu disco favorito com a Jenny Don´t and the Spurs é o nosso álbum mais recente, “Fire on the Ridge” (2021). Levou algum tempo para ser feito. Muitos bateristas de bandas com quem fizemos shows vieram falar comigo coisas como “Você é um ótimo baterista, mas não é possível te escutar no disco”. E então disco “Isso é porque é um disco de country/western” (risos). “Você precisa ver um show ao vivo”. Mas é, acho que esse é o meu trabalho favorito com a Jenny Don´t. E com o Fathoms é o novo single, que também é bastante divertido – temos mais duas músicas para lançar em breve. Gravamos quatro no total, mas temos material suficiente para um disco já. Ou seja, temos material para um set também, o que significa que já podemos sair em turnê (risos).
Como pensa que o fato de você ser legalmente cego impactou na maneira como você se relaciona com o seu instrumento, a bateria, e com a música de forma geral?
Eu meio que nunca me encaixei, todo mundo pegava no meu pé porque eu não conseguia enxergar muito bem. E eu também sou daltônico, então não conseguia distinguir cores. Então eu apenas mergulhei de cabeça nos discos. Quando eu tinha três anos de idade, a minha mãe me sentou com um toca-discos e me ensinou como usar um daqueles pequenos toca-discos para crianças. Tínhamos discos do Pedro e o Lobo e do Mickey Mouse, então eu escutava esses discos por quatro ou cinco horas – e tinha de escutá-los em um volume baixo para não acordar o meu pai, já que ele trabalhava até as quatro horas da manhã e então dormia até a uma da tarde. Com essa idade, eu ainda não ia para a escola e ficava sempre fazendo barulho, tentando tocar bateria em todos os lugares, como na válvula de ventilação do radiador do aquecedor da casa – “tim, tim, tim”. E minha mãe falava “Não, não! Escute baixinho!”, e eu tinha de escutar muito perto do alto-falante. Então aprendi muito sobre música quando era muito pequeno e não sabia disso (risos). Mas isso meio que entrou no meu cérebro, foi isso que aconteceu. Esse foi o resultado (risos).
Por favor, me diga três discos que mudaram a sua vida e porque eles fizeram isso.
Hmm, essa é uma boa pergunta. O primeiro que eu diria é o “Elvis Presley” (1956). Há mais do que três discos que mudaram a minha vida (risos). Mas vou voltar para quando era criança. A minha irmã tinha os discos do Elvis, eu tinha uns 4 ou 5 anos de idade. E, é claro, o Buddy Rich e sua Big Band, todos os discos dele. E também diria o Emerson, Lake & Palmer (risos).
Essa é a última pergunta. Você já tocou em muitas bandas que influenciaram pessoas ao redor do mundo. Do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Oh, tenho orgulho de tudo que estou fazendo agora com a Jenny Don’t and the Spurs. Todas as coisas já se foram e quase todo mundo morreu. A única coisa que está acontecendo agora é a Jenny Don’t and The Spurs e tenho orgulho do nosso trabalho. Apenas tenho orgulho de ainda estar tocando bateria e a maneira como toco, não preciso que ninguém me diga como tocar. Apenas faço o que quero, como sempre fiz (risos).
– Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!