entrevista por Luiz Mazetto
Um dos principais bateristas das últimas décadas, Dale Crover é também um dos mais requisitados da história recente do rock/ metal/ punk. Além dos quase 40 anos de carreira com o Melvins, com quem já gravou algumas dezenas de discos ao lado do eterno companheiro Buzz Osborne, o currículo de Crover também inclui trabalhos com nomes como Nirvana, Redd Kross, os supergrupos Shrinebuilder (com integrantes do Neurosis, Sleep e Saint Vitus) e Altamont (com integrantes do Acid King), e também shows com OFF!, Fantômas e Eyehategod, entre outros.
Após abrir 2021 com o lançamento do seu segundo disco solo, o surpreendente “Rat-A-Tat-Tat!”, o músico agora fecha o ano com um lançamento igualmente especial com o Melvins: o primeiro disco acústico da banda. Mas, como já se esperava, “Five Legged Dog” (Ipecac) está longe de ser um álbum acústico comum. Trata-se de um disco quádruplo em que o grupo reinterpreta músicas dos seus quase 40 anos de história, além de covers de nomes como Turtles, Rolling Stones, Brainiac e Redd Kross (banda do baixista/vocalista Steven McDonald, que toca com o Melvins desde 2015).
Na entrevista abaixo, feita por videochamada em meados de setembro, Crover fala, entre muitas outras coisas, sobre os desafios envolvidos no novo disco, gravado em meio à pandemia, comenta sobre a importância do Black Flag e do Wipers para o Melvins, além de relembrar sua amizade com o Metal Church e como o guitarrista da clássica banda de heavy metal dos EUA o inspirou a começar a tocar bateria. Confira abaixo!
O novo disco tem mais de 30 músicas. Quanto tempo levaram para gravar tudo isso?
Bom, nós não fizemos tudo de uma vez. Acho que começamos a gravar as músicas provavelmente há cerca de um ano (nota: o que seria em torno de setembro de 2020, já que a entrevista foi realizada em setembro de 2021). Foi mais ou menos por aí, quando voltamos a nos encontrar no estúdio para trabalhar no disco. Imaginamos que finalmente era seguro fazer isso, mesmo que ainda estivéssemos usando máscaras na maior parte do tempo das gravações. Apenas tentamos tocar com segurança, porque nenhum de nós estava vacinado. E temos pessoas próximas da gente que não gostariam de pegar COVID-19, com condições subjacentes e tudo mais. (Mas) Tudo pareceu correr muito rápido depois que começamos (a gravar). E foi como se de repente você perguntasse: “Espera aí, quantas músicas? Jesus Amado!” (risos). Apenas nos encontrávamos todos os dias para trabalhar em duas ou três músicas, gravar as trilhas básicas, fazer overdubs. Trabalhamos muito nos vocais, há muitas camadas de vocais, muitas harmonias legais – e é ótimo ter o Steven McDonald por perto para isso.
Sim, o Steven é incrível, né?
Sim, nós podemos fazer ele cantar as harmonias mais agudas (risos). Porque eu não consigo.
E vocês já tinham a ideia para fazer esse disco há algum tempo? Ou foi algo que surgiu durante a pandemia mesmo?
Hmm, não sei, com certeza é algo que poderia estar cozinhando no fundo da cabeça do Buzz há algum tempo. Mas certamente por causa da pandemia… é algo que queríamos fazer. Apenas algo que fosse diferente. E nós também presumimos que não poderíamos fazer shows. Já tínhamos feito muitas dessas músicas desse jeito (acústico) – não todas, obviamente, uma vez que escolhemos algumas músicas bastante especiais para o disco. Mas algumas músicas, como “Hooch”, nós já tínhamos tocado numa configuração acústica quando fizemos eventos menores, principalmente pequenos shows em lojas de discos. Então nós começamos a tocar algumas dessas músicas de forma acústica há algum tempo. Eu tenho um pequeno kit de bateria compacto, que você pode tocar de pé, chamado de “kit cocktail”. Adoraria poder fazer uma turnê com ele algum dia, porque o nosso equipamento seria tão pequeno que poderia caber em um Fusca (risos).
Então algumas dessas músicas vocês já tinham “testado” ao vivo antes. Teve alguma música que te surpreendeu sobre como acabou soando neste formato acústico?
Acho que as pessoas vão ficar mais surpresas ao ouvir essas músicas do que a gente. Especialmente com algo como a música enorme do “Lysol” (Nota: disco de 1992, representado no novo álbum por um medley das faixas “Hung Bunny” e “Roman Dog Bird”), com essa faixa no formato acústico. Ou com alguma das nossas músicas mais pesadas, como “Eye Flys”, que você não imaginaria que seria possível fazer no formato acústico, mas acabou ficando legal. Quer dizer, você provavelmente já ouviu o preview de “Nightgoat”, então dá para ter uma ideia como as coisas vão soar. Eu achei que ficou legal (risos). Mas não sei, algumas das músicas era apenas algo como “Como você tocaria isso de forma acústica?”. Mas de alguma forma nós acabamos conseguindo.
Sim, a “Honey Bucket”, por exemplo. Qual foi o principal desafio em transformar essas músicas elétricas pesadas em músicas acústicas pesadas? Porque o disco é um disco pesado, mesmo sendo acústico.
Sim, sim, esse é um dos pontos, mesmo sendo uma abordagem diferente. Algumas das partes de bateria talvez sejam ainda mais difíceis de tocar por conta das baquetas que uso no disco. Na verdade, são vassourinhas, como vassourinhas de plástico, chamadas de flares. Uso algumas combinações, tem uma outra chamada blasticks, que são vassourinhas de plástico que ficam no meio do caminho entre uma baqueta e uma vassourinha. Provavelmente você não tem tanto rebote quanto teria com uma baqueta tradicional, então acabei tocando algumas coisas muito loucas na “Eye Flys”, por exemplo, tipo “Uauuuu” (risos). Estou tentando pensar em quais seriam as mais estranhas, precisaria olhar a lista de músicas do disco, não tenho ela aqui (risos).
Além de músicas próprias do Melvins, o disco também traz alguns covers, como uma ótima versão de “Sway”, dos Rolling Stones, que acho que é cantada pelo Steven, certo? Por isso, gostaria de saber se você foi influenciado de alguma maneira pelo Charlie Watts, baterista da banda que infelizmente faleceu há pouco tempo.
Ahh, eu amo o Charlie, com certeza fui influenciado por ele. Sou um grande fã dele, fiquei muito triste em saber sobre o seu falecimento. Finalmente consegui ver os Stones há apenas alguns anos. Parecia que eu tinha uma maldição por nunca ter visto eles antes, sempre acontecia alguma coisa: eu poderia estar fora da cidade, o show seria cancelado, etc. Mas finalmente pude vê-los. Não pude conhecer o Charlie, mas conheço o técnico de bateria dele, sei que todos da equipe estão muito tristes. E eles estão seguindo em frente agora, o que penso que o Charlie gostaria que eles fizessem. Meu coração vai para eles, com certeza. Mas temos tocado essa música dos Stones em nossos shows há algum tempo, com o Steven cantando. Amamos tanto a introdução da música que decidimos repeti-la na nossa versão (risos). Mas não acho que a gente tenha terminado a música inteira, talvez a gente tenha cortado um verso (risos).
Aliás, sei que, além de você e do Buzz, o Steven também é um grande fã do Kiss. Por isso, gostaria de saber se chegaram a pensar em gravar algum cover do Kiss ou mesmo regravar a “Goin’ Blind”, que vocês gravaram originalmente no “Houdini” (1993)?
Ahh, fiquei surpreso que essa música não entrou no disco. Acho que já tínhamos covers suficientes e decidimos pular o Kiss dessa vez (risos). Mas certamente já prestamos muitas homenagens a eles. E tenho certeza que continuaremos fazendo isso no futuro (risos). Em vez disso, fizemos um cover do Brainiac, que é uma banda menos conhecida.
E você tem algum disco acústico favorito, seja da MTV ou um álbum de estúdio acústico, que talvez tenha sido uma influência quando estavam trabalhando nas músicas neste formato?
Ah, meu Deus, não sei. Gosto de todos os tipos de coisas acústicas – Neil Young, Bob Dylan, música country (risos). Não sei. Nada em especial, além de tentar fazer algo diferente.
Entrevistei o Steven McDonald há alguns meses e ele me contou que a primeira vez que conheceu vocês foi por meio do Bill Bartell, do White Flag, e que isso aconteceu em um show no Roxy em Los Angeles no início dos anos 1990, quando você e o Buzz tocaram com a Yoko Ono e o filho dela, Sean Lennon. Você se lembra disso?
Bom, nós provavelmente falamos com ele nesse show, mas já o tínhamos conhecido antes disso, na verdade. Nós o conhecemos em uma casa de shows de Los Angeles chamada Jabberjaw, que era aberta para todas as idades. Nesta noite, estávamos tocando com o White Flag, que era a banda do Bill (Bartell). Também tínhamos um projeto paralelo com o Bill chamado Sawed Off, que fez o seu primeiro e único show nesta noite. Pelo que me lembro, tínhamos um setlist de duas músicas, talvez a gente tenha tocado o set duas vezes só para ter mais músicas (risos). E me lembro de o Steven vir falar comigo e pedir um par de baquetas para o baterista deles, o que me deixou completamente espantado porque eu já era um grande fã do Redd Kross. Tinha visto eles tocarem algumas vezes no estado de Washington, no final dos anos 1980, provavelmente quando o “Neurotica” (1987) foi lançado – acho que devem ter sido as duas primeiras vezes em que eles estiveram na região noroeste dos EUA. Mas foi nesse show (a primeira vez que nos vimos). Lembro que estávamos do lado de fora e o Jabberjaw ficava em um bairro que era conhecidamente meio barra pesada. E estávamos conversando e de repente ouvimos uma arma sendo disparada e todo mundo entrou correndo na casa de shows. Depois acabamos conversando com ele e a Gere (Fennelly, tecladista), também do Redd Kross. Lembro que nos divertimos conversando a noite toda compartilhando histórias sobre o rock e eles tinham ótimas histórias (risos).
Sim, vocês e o Steven parecem uma combinação perfeita. O que você pensa que ele traz de diferente para a banda? Vocês já estão tocando juntos há seis anos, certo?
É, acho que já faz tudo isso de tempo, né? Uau. Bom, ele é um baixista bom pra caralho. Um dos melhores com quem eu já toquei, com certeza – e já tive a chance de tocar com muitos baixistas muito bons. Mas ele é um baixista insano, um ótimo vocalista, e um grande cara. E ele também tem uma ótima presença de palco. Ele tem o cabelo e tudo mais (risos). Cabelo e visual, porque quando você é de uma banda de Los Angeles o cabelo e o visual são essenciais (risos). Essa é uma piada sobre um anúncio que costumava aparecer em uma revista local chamada Band Magazine. Era um anúncio na área de classificados, do tipo “Busca-se Músicos”. “Cabelo e visual são essenciais!”, “Atitude é essencial!”, “Você está pronto(a) para brilhar e tomar o mundo de assalto?” (risos).
Há pouco, você disse que queria fazer algo diferente com o novo disco. E, mesmo antes disso, vocês fizeram muitas coisas diferentes, como gravar um disco com diferentes baixistas ou diferentes vocalistas, contar com dois baixistas na mesma formação, ter formações especiais com integrantes do Butthole Surfers e do Big Business, gravaram muitos covers e splits. Por isso tudo, queria saber qual a importância, para você e para o Buzz, desse elemento da novidade, de sempre ter algo diferente para inspirar vocês como uma banda?
Acho que apenas continuar trabalhando e ser inspirado por esse tipo de coisa. Parece que já começamos a tocar com músicos de fora há bastante tempo. Mas sempre tivemos interesse em fazer coisas assim. Com certeza já fizemos vários projetos com outros artistas e acho que provavelmente vamos continuar fazendo isso. E há outras coisas em produção que eventualmente verão a luz do dia.
Em uma nota similar: vocês já viveram em diferentes cidades: região de Seattle, San Francisco e Los Angeles. Pensa que foram influenciados diretamente por essas cidades e cenas locais em como abordam e pensam a sua música?
Ah, meu Deus, eu não sei. Não, acho que não. Mesmo quando começamos, nós não vivíamos em Seattle, então acho que meio que sempre nos sentimos… Mesmo sendo considerada uma banda de Seattle, não somos realmente de lá. Ou de San Francisco, Los Angeles, de nenhum desses lugares. Mas então quando tocamos nesses lugares parece que estamos fazendo um show em nossa cidade natal. Não sei, acho que independentemente da área em que estivéssemos, não tocávamos com as bandas locais. Mas de qualquer forma a maioria das pessoas pensa que nós somos de Seattle e nunca saímos de lá (risos). A maioria das pessoas pensa que ainda moramos lá, mesmo que já estejamos vivendo na Califórnia há mais de 30 anos.
E pensa que o fato de vocês meio que sempre se verem como “outsiders” ajudou a vocês sempre buscarem por coisas diferentes, como falamos antes?
Ahh, não sei. Quer dizer diferente do que todas as outras pessoas estavam ouvindo? Não necessariamente. Não sei porque eu gosto do que eu faço musicalmente. É algo como “soa bom para mim” (risos). E eu não sei o porquê. Ou porque eu não gosto de coisas populares que a maioria das pessoas gosta, sabe? Sinto que sempre foi assim. Com exceção de algumas bandas, sempre gostei dos Beatles, dos Rolling Stones e bandas como essas. Mas não consigo pensar em qual seria uma banda nova como essas neste momento. Não acho que tenha alguma banda que seja realmente grande que eu pense “Ahh, isso é muito bom”. Pelo menos nada que consiga lembrar agora.
Já que estávamos falando sobre a importância da colaboração para vocês, recentemente vocês lançaram um disco muito interessante com o Mudhoney, chamado “White Lazy Boy” (2020), em que fazem um cover de “My War”, do Black Flag. Esse disco do Black Flag – e a música-título – sempre são apontados como pedras essenciais para as cenas grunge e sludge. Por isso, queria saber se esse disco também foi importante para você na época do lançamento.
Sim, eu realmente gostava do disco. Na verdade, o disco saiu antes de eu realmente saber algo sobre ele ou sobre o Black Flag. A cidade em que vivíamos era muito isolada, então os discos do Black Flag não chegavam realmente até Aberdeen. Mas de qualquer forma, esse foi um disco importante para mim, com certeza. E também foi um disco que meio que dividiu as pessoas que queriam as coisas realmente rápidas, pesadas e agressivas com algo que era muito diferente: mais lento e mais pesado (risos). Evidentemente, esses caras foram influenciados pelo Dio (risos). É o que eles dizem. O Mark Arm, do Mudhoney, entrevistou eles na época e então perguntou o que eles estavam curtindo e eles disseram: “Dio!”. E ele não entendeu que eles estavam dizendo isso, não entendeu se eles estavam falando sério sobre estar curtindo o disco do Dio (risos).
Agora uma curiosidade: é verdade que você tocava em uma banda cover do Iron Maiden antes de entrar para o Melvins nos anos 1980? Li isso em alguns lugares e fiquei curioso para saber mais.
Na verdade, era uma banda cover do Judas Priest! (risos) Não, só estou brincando. Não sei exatamente como essa história começou, mas gostaria que fosse verdade (risos). Nós só tocávamos coisas da fase inicial da banda, até o “Killers” (risos).
Acho que é minha fase favorita da banda (risos). Aliás, você conhecia os caras do Metal Church em Aberdeen naquela época?
Sim! Costumava ir assistir aos ensaios deles, ainda antes de eu entrar para o Melvins. Já era amigos de alguns desses caras um bom tempo antes de entrar para o Melvins. Ainda antes de o Metal Church existir, um deles, o Craig Wells, que foi guitarrista da banda, morava a uma quadra da minha casa. Ele era mais velho do que eu, mas nos tornamos amigos e ele me ensinou a tocar a minha primeira música de rock na guitarra. E ele também foi o cara que me convenceu: “Você devia comprar uma bateria para que a gente pudesse tocar juntos” (risos).
E na época você era mais um cara do metal ou do punk?
Tudo começou com o Kiss. E quando comecei a ficar amigo do Craig, eu curtia muito Kiss. Eu o conhecia do bairro e já o tinha visto há algum tempo. E então de repente vem esse cara de cabelo comprido dizer “Oi” e ele conta que tem uma guitarra Les Paul e um amplificador Marshall em casa. E eu falei “Não brinca” e então fui para a casa dele. Ele estava curtindo muito Led Zeppelin, que eu não conhecia realmente. E ele me fez curtir Led Zeppelin. Ele é o cara que me fez curtir Judas Priest e Iron Maiden – e Bowie e um monte de outras coisas. E bandas de metal com certeza. Era fácil ir do “Alive” (1975), do Kiss, para o “Unleashed in the East” (1979), do Judas Priest – se você olhar para as capas dos discos. Me lembro de ir na casa dele e escutar esse disco pela primeira e ficar pensando “Meu Deus” e então implorar para ele me emprestar. E ele me emprestou, porque já tinha escutado o disco umas 100 vezes na casa dele. Eu levei para casa e escutei o disco quantas vezes foi possível. Me lembro de ir na casa dele depois e ele falar “Escuta isso aqui, porra” e então colocar o “Killers”, (1981) do Iron Maiden. E nós dois ficamos tipo “Que porra está acontecendo? Isso aqui é uma música louca, insana, que nós amamos”. E isso era como o punk, porque era rebelde ou algo assim, diferente de todo o resto. Não era o Journey, que era popular na rádio (risos). Ou REO Speedwagon. Era um animal muito diferente.
E você começou a tocar guitarra antes de tocar bateria?
Sim, eu já tinha tocado guitarra, já tinha tocado minhas “Kumbayas” (risos). Mas o Greg me ensinou a tocar “Cat Scratch Fever”, do Ted Nugent (Nota: Dale faz um sotaque do sul dos EUA neste momento e ri ao final), que foi uma primeira música fácil de aprender.
E quando pensou que queria ser um baterista? Houve algum show ou algo específico que fez você querer fazer isso?
Acho que sempre gostei de tudo. Um outro vizinho tinha uma bateria em casa e me deixava brincar às vezes. E quando era criança, com uns seis anos, ganhei um kit de bateria de brinquedo. Sempre gostei de bater nas coisas, como toda criança. Mas eu gostava das duas coisas (guitarra e bateria). Me lembro de pegar emprestada a bateria do meu vizinho e chamar um outro vizinho para tocar enquanto eu tocava guitarra. E ele não estava tocando do jeito certo e eu falei “Não, não, você tem que fazer assim”, como se eu soubesse (risos). E acho que sabia. Acho que esse foi meio que o ponto de virada, algo do tipo “Espera um pouco, isso também é legal”. E o Craig (Wells) me convenceu “Ah, você devia comprar uma bateria para a gente poder tocar juntos” (risos).
Falamos há pouco sobre a influência do Black Flag. Vocês gravaram há algum tempo um ótimo cover de “Youth of America”, do Wipers. Queria saber se o Wipers, o Napalm Beach e toda a cena de Portland também foram importantes para vocês, já que eles costumavam tocar bastante em Seattle. Eles foram importantes para você quando vocês estavam começando a banda nos anos 1980?
Eu só consegui assistir a um show do Wipers na época. E depois deveríamos fazer um show com eles, mas acabou sendo cancelado. Não sei por que os vi uma vez só, o Buzz assistiu vários shows deles. Quando eles lançaram os três primeiros discos, ou algo assim, você iria a um show deles e só teria algo como 30, 40 pessoas e estamos falando de uma das bandas mais incríveis da história. Sinto que meio que os perdi ao vivo, especialmente depois que entrei para o Melvins. Ouvi falar sobre umas 150 bandas diferentes ao mesmo tempo e acabou levando um tempo. Mas o Wipers foi uma das que realmente se destacaram logo de cara, especialmente o disco “Youth of America” (1981). Essa música em especial, “Youth of America”. Mas, de qualquer forma, sempre amei as coisas deles desde o primeiro contato, com certeza. E eventualmente decidimos fazer uma versão dessa música e tentamos fazer justiça a ela, o que é algo realmente difícil. Mas nós tentamos (risos)!
Claro, imagino. Mas a versão de vocês é ótima, gosto bastante dela.
Obrigado, obrigado mesmo. Porque ainda ouço a versão deles e é tão incrível, é psicodélica. Essa música é muito psicodélica.
Além de baterista, você também é um ótimo vocalista, como podemos ver tanto no Melvins quanto em sua carreira solo. Por isso, queria saber quando descobriu que podia cantar? Você lembra disso?
Obrigado (risos). Ah, não me lembro. Bom, na escola primária nós tínhamos um coral, então talvez tenha sido o coral da escola que me deu a minha garganta de ouro (risos). Mas, falando sério, assim que entrei para o Melvins, o Buzz falou “Você deveria cantar” e eu fiquei meio “Ah, não sei se consigo tocar e cantar”, e ele disse “Apenas faça, pratique isso”. E fico feliz que ele me encorajou a fazer isso porque canto o máximo que posso, especialmente nos shows. E nos discos também, faço muitos backing vocals, harmonias e coisas assim. Sinto que posso fazer um bom trabalho com as harmonias.
Em 2008, vocês tocaram no Brasil em um festival um tanto estranho, com bandas que necessariamente não tinham tanto a ver com vocês, como The Hives e Plasticines – algumas pessoas chegaram até a vaiar um pouco a banda no fim do show, imagino que fãs do The Hives. Mas enfim, queria saber quais as suas memórias sobre essa viagem ao Brasil. Houve algo específico que chamou a sua atenção?
Especialmente apenas o quanto a cidade (São Paulo) era enorme. Lembro de estar no avião e sentir que estávamos voando sobre a cidade para sempre (risos). Você provavelmente teria adivinhado isso (risos). E também apenas o quanto demorava para chegar em qualquer lugar de carro – “Ah é, vamos chegar lá daqui a pouco”. E era algo a uma hora de distância, facilmente (risos). Sobre o show, não me lembro das pessoas nos vaiando. Tenho certeza que havia muitas pessoas que não nos conheciam ou não sabiam quem a gente era. Mas não sei, pareceu tudo bem para mim, do que eu lembro (risos).
Sim, sim, não era como se fosse muita gente nem nada do tipo, mas lembro que havia algumas pessoas, provavelmente fãs do The Hives, que era a banda principal da noite, que estavam bastante ansiosos para ver o show deles e meio que vaiando todo mundo que tocou antes.
Claro, claro. Bebi bastante cachacia, catiaska…
Ahh, cachaça! É uma palavra meio complicada mesmo de pronunciar.
Cachaça! É isso! Faz algum tempo que bebi, então esqueci como se pronunciava (risos). Mas quero voltar algum dia para tomar mais algumas dessas. Seria ótimo, adoraríamos voltar.
Aliás, você conhece alguma banda ou artista do Brasil?
Sepultura! (risos) O que mais? Os Mutantes também são daí, não?
Sim! Aliás, foi o Bill Bartell que mostrou eles pra você? Porque o Steven (McDonald) me contou que foi o Bill que mostrou a banda para ele.
Provavelmente. Ou foi isso ou os conheci de outra forma, pelo Bill. Não consigo lembrar, mas provavelmente. Ele dizia que a irmã dele tinha voltado com discos do Brasil ou algo assim.
Isso mesmo, ela viveu em São Paulo durante algum tempo, segundo o Steven me contou.
Ahh, certo. Nós tocamos com eles (Os Mutantes) em um festival no Reino Unido, da (promotora de festivais) ATP (All Tomorrow’s Parties). Nós fizemos a curadoria desse festival (o A Nightmare Before Christmas 2008) com o Mike Patton. E, apesar de nós também os conhecermos, acho que foi ele (Mike) quem falou de termos Os Mutantes no festival e nós dissemos “Claro que sim”. E eles foram muito legais, lembro de conversar com eles depois do show. Eles foram super legais, com certeza. E são uma banda realmente incrível. Essa é uma banda que nunca imaginei que poderia ver ao vivo. A Astrud Gilberto também é daí, não? E essa deve ser a extensão do meu conhecimento sobre música brasileira (risos). Ou talvez não, eu não sei. Mas essa é uma boa variedade (risos).
E teve algum show que mudou a sua vida? Ou que te impactou, te fez querer tocar, ter bandas e tudo mais?
Acho que apenas o Kiss de forma geral, sabe? Quando curtia o Kiss, eu estava apenas começando a tocar.
Ahh, legal. E em qual turnê você os viu na época?
Ahh, foi na turnê do “Dinasty” (1979) (risos). Foi legal, mas não tão legal quanto o Steven, que viu eles na época da turnê do “Alive”. Essa teria sido “a turnê” – essa ou a tour do “Alive II” (1977). Mas estou tentando pensar em outros shows, já vi muitos shows que foram bons ou inspiradores e tudo mais.
Essas são as últimas perguntas. Do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Jesus… Nossa longevidade, com certeza. Fico feliz que a gente ainda faça isso. E espero que possamos continuar por mais algum tempo. Gostaria disso (risos). Nunca se sabe o que pode acontecer. Mas nós planejamos continuar juntos, nossos planos são de continuar. Apenas poder fazer isso por tanto tempo, sobreviver disso, é incrível. Estou feliz, não quero arranjar um emprego em nenhum outro lugar (risos).
E você tem um disco favorito com a banda?
Ahh, não realmente. O novo, é sempre o mais novo (risos). “O nosso novo disco, ‘Five Legged Dog’, é o melhor disco que já fizemos. Vocês deveriam comprá-lo agora” (risos).
Essa é a última pergunta: como você quer ser lembrado? Já pensou nisso?
Sim, já pensei nisso. Quero que deem o nosso nome para uma bebida.
Mas o seu nome ou da banda?
Qualquer um deles, ou os dois. Tipo “Vou querer um Dale Crover”, como um Shirley Temple ou Arnold Palmer, algo assim. Acho que ter um drink com o seu nome seria a melhor maneira de ser lembrado.
E o que teria nessa bebida, já pensou?
Ahh, não sei, teria que criar um drink próprio (risos). Ou talvez depois de ir em um lugar e pedir algo estranho um número de vezes suficiente para que alguém possa dizer “Ahh Ok”. Você acha que talvez o Roy Rogers costumava entrar no bar e falar (neste momento faz uma voz engraçada para imitar Roy): “Eu quero uma Coca com uma cereja em cima” (risos). “Ok, Mr. Rogers. Aqui está um Roy Rogers” (risos).
– Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!
excelente, o dale crover é muito simpático, leria um livro inteiro dele contando histórias da carreira.
ótima entrevista!