texto por João Pedro Ramos
Quando você imaginava que G.G. Allin e seu espetáculo escatológico cheio de urina, vômito, fezes, sangue, violência e punk rock era o máximo de shock rock que o mundo da música poderia fazer… o Japão aparece e mostra que pode “manter o nível”. E o nome dessa metralhadora de excremento e fluidos corporais se chama The Gerogerigegege.
The Gerogerigegege surgiu em 1985 como uma banda de punk e noise por Juntaro Yamanouchi, filho de um pianista de formação clássica com um gosto por crossdressing e discos ao vivo dos Ramones. Além de fazer música, Yamanouchi também fazia performances em clubes S&M, onde conheceu o companheiro performer de S&M Tetsuya Endoh, também conhecido como Gero 30 ou Gero 56.
“O conteúdo do nosso show não foi nada além de comer a merda um do outro e rolar em cima de nosso xixi e cocô. Enquanto realizávamos essas performances, o público, formado principalmente por pessoas de meia-idade, batia punheta. Enfim, dava pra ouvir naquele espaço escurecido que o público estava ofegante e as vozes de tais homens bufando, excitados”, descreve Yamanouchi.
“Gerogerigegege”, traduzido porcamente, significa “Vômitodiarréiabatebatebate”. Por isso, naturalmente, a maior parte da música da “banda” (por falta de uma palavra melhor) é baseada em funções corporais. Às vezes bem literalmente.
Assim, com um elenco rotativo de bandas acompanhando, The Gerogerigegege começou a tocar em clubes de punk japonês, onde logo se tornaram famosos graças aos shows que incluíam a dupla mijando, cagando e vomitando no palco, e quase sempre terminando o espetáculo com Gero 30 se masturbando, provavelmente em pé em cima de um amplificador com uma mangueira de aspirador de pó em suas partes.
A banda já lançou um monte de material, nos mais diversos estilos, desde o ruído industrial, coisas mais abstratas e ambient a proto-punk inspirado em Ramones. O disco mais famoso é “Tokio Anal Dynamite” (1990), com 75 músicas em pouco mais de 30 minutos, embora praticamente a única maneira de dizer quando uma música termina e outro começa é quando Yamanouchi grita seu ramônico “1, 2, 3, 4!”. Só dar o play acima.
Além dos álbuns e singles, The Gerogerigegege também ficou conhecido por fazer lançamentos “fake” e “pegadinhas” como “Art Is Over”, que consistia de um tentáculo de polvo colado ao interior de uma caixa de fita cassete, e “Ai-Jin”, um single flexi-disc único que foi apresentado em uma “performance de lançamento e memorial” em que todos os 2.000 exemplares foram queimados (cerca de 25 cópias supostamente sobreviveram ao fogo e agora valem um bom dinheiro, inclusive).
Importante dizer que entre as 75 músicas de “Tokio Anal Dynamite” existem alguns covers famosos, e se você não percebeu ouvindo o disco acima, que tal prestar atenção nas versões de “I’m Not In Love” (10CC), “Light My Fire” (The Doors), “Satisfaction” (The Rolling Stones), “Boys Don’t Cry” (The Cure) e, claro, “Sheena Is a Punk Rocker” (Ramones) nos dois minutos abaixo (as cinco músicas!):
Yamanouchi e Gero 30 sumiram dos holofotes pouco depois do lançamento de “Saturday Night Big Cock Salaryman” (2001), e ficaram 15 anos desaparecidos. Existem diversos rumores sobre o que aconteceu com eles, mas ninguém realmente sabia. Porém, em 2016, eles voltaram a ativa com o álbum “燃えない灰 (Moenai Hai)”, resumidos a Juntaro Yamanouchi e Dr. Euro.
De lá pra cá, os lançamentos foram constantes (o mais recente, “Piss Shower Girlfriend”, é de 2020), inclusive com um punhado de bootlegs lançados pelo selo próprio de Yamanouchi, o Vis A Vis Audio Arts, com muito material raro do The Gerogerigegege, como a fita cassete impossível de se encontrar “Live At Suizokukan 2016”, que segundo o release é o “registro de um show secreto com um nome falso” limitado a 1 (uma) cópia (isso mesmo que você leu). Não se desespere: muitos álbuns estão no Youtube e, se você se esforçar, você consegue um vinil no Discogs. The Gerogerigegege: 35 anos da mais pura masturbação artística. Deleite-se.
– João Pedro Ramos é jornalista, redator, social media, colecionador de vinis, CDs e música em geral. E é um dos responsáveis pelo podcast Troca Fitas! Ouça aqui.