Texto por João Paulo Barreto
Já a partir de seu título, no qual foi mantido o mesmo nome, mas acrescentou-se um “The” justamente como modo de frisar uma suposta superioridade (confirmada, alias) e uma urgente separação da bomba de 2016, a nova versão escrita e dirigida por James Gunn (de “Guardiões da Galáxia”) para o grupo de anti-heróis da DC Comics batizado de Esquadrão Suicida busca de vários modos se desvincular do desastre lançado há cinco anos. Este novo “O Esquadrão Suicida” prefere deixar de lado qualquer ideia semelhante às propostas sobrenaturais envolvendo bruxas e possessões presentes no estapafúrdio roteiro do filme de David Ayer, bem como qualquer expectativa parecida com aquela plantada em relação a aparição do Coringa vivido por Jared Leto (após a perda de Heath Ledger, a ideia ao mesmo tempo empolgava e amedrontava).
Porém, a impressão de que esta nova aventura do grupo seguirá por uma proposta parecida surge logo de cara, quando uma canção pop tão impactante quanto “House of the Rising Sun” embalava em 2016 os minutos iniciais do longa original e nos colocava em um ritmo que mescla comédia de escracho e ação. O ambiente prisional funciona bem nessa ideia absurda, claro. Assim, quando a voz de Johnny Cash no clássico “Folsom Prison” embala um dos “personagens centrais” da nova trama, enquanto este amarga seus dias de xilindró, presume-se que a mesma premissa de cinco anos atrás será requentada. Bom, sim e não. Ainda está aqui a manjada introdução de personagens a partir de seus trágicos finais em clausura enquanto são recrutados para a missão que levará o filme à frente. Mas, sem spoilers, James Gunn sabe como sua audiência já espera por isso. E é justamente neste total subverter de expectativa que essa abertura se baseará.
“O Esquadrão Suicida”, refletindo o palavrão inserido no título desse texto, reside no território do absurdo. Estamos falando de um filme no qual um tubarão humanóide que caminha com duas patas, usa shorts e fala com a voz grogue do Rocky Balboa, contracena com um personagem que expele bolinhas coloridas e fatais, e ainda conta com a presença de uma adolescente que controla ratos de esgoto. Com isso em mente, é fácil perceber a razão de Gunn ter optado pela descomplicação de seu roteiro, mantendo-o como uma ideia básica (mas eficiente) de invasão, busca e resgate, juntamente com uma série de competições para saber quem é o mais macho entre seus personagens masculinos principais e, claro, a estonteante presença de Margot Robbie a reprisar seu papel de Arlequina, personagem que surgiu ainda nos anos 1990, na série animada do Batman, e que parece ter sido feito para ela.
Robbie, inclusive, soube impor bem sua posição de não sensualizar seu papel na aventura, que surge distante das poses pin ups e figurinos mínimos do filme de 2016 (algo que já havia sido percebido no longa solo “Aves de Rapina”, de 2020). Sua Harley Quinn, bem verdade, com suas tiradas absurdas e comportamento imprevisível, rouba o show. E James Gunn sabe exatamente o potencial que tem em mãos ao dedicar grande parte de sua trama a ela, entregando uma das mais criativas cenas, quando sanguinolência se torna uma enxurrada psicodélica de flores, ou quando a resolução de seu conflito final destoa para um “mergulho óptico” junto aos ratos citados acima (e que parece algo tão grotesco quanto poético, friso).
Sim. James Gunn me fez usar adjetivo “poético” em um filme no qual uma “estrela-do-mar” gigante (um clássico vilão da DC Comics, diga-se de passagem) que expele pequenas versões parasitárias de si mesma é o vilão principal, e nos faz pensar, através de uma única fala por ocasião de seu desfecho, no quão parasita é, na verdade, o próprio ser humano. Nada mau para um filme cuja primeira parte se levava tão a sério em seu desastre de história que preferiram excluí-la para um reboot bem mais divertido.
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.