entrevista por Bruno Lisboa
Natural de Olinda, Pernambuco, e com mais de três décadas de excelentes serviços prestados à música brasileira, a Eddie é fruto da efervescente cena dos anos 90 e no seu caldeirão de sons convivem com naturalidade o punk rock, a música eletrônica e, alinhados a identidade regional, o frevo e o carnaval.
Formada por Fábio Trummer (guitarras e voz), Alexandre Urêa (percussão e voz), André Oliveira (trompetes, teclados e samplers), Rob Meira (baixo) e Kiko Meira (bateria), a Eddie já lançou oito álbuns de estúdio, destacando o clássico “Original Olinda Style” (2002) mais “Carnaval no Inferno” (2008) e “Morte e Vida” (2015), entre outros, além de um álbum ao vivo que celebrou os 25 anos de estrada (“25 Anos ¡1989.2014!”, de 2014).
Agora eles retornam com “Atiça” (2021), que segue apostando na miscelânea sonora habitual, com um olhar atento a questões sociais que afligem a contemporaneidade. No hall das participações especiais estão Sofia Freire, Isaar, Ganga Barreto e Orquestra Henrique Dias.
Na entrevista abaixo, o guitarrista e compositor Fábio Trummer fala sobre a pandemia, longevidade artística, o papel da arte em tempos de obscurantismo, as participações especiais no novo disco, capitalismo, estado e injustiças sociais, a importância cultura nordestina no cenário nacional, planos futuros e muito mais. Confira!
Como é de praxe tenho aqui no S&Y temos começado as entrevistas abordando a pandemia. Nesse sentido como tem sido esse período para você?
A pandemia causou a quebra do que pensamos que nunca iria mudar, nossas rotinas, modos de trabalho, dinâmica financeira… Desde o início pensamos em aproveitar e tentar produzir algo para não ficar tanto tempo sem trabalhar, pois perderíamos “ritmo de jogo” e também ameaça a comunicação com o público. Foi quando decidimos que um álbum preencheria um pouco desse “vácuo” e foi assim que terminamos “Atiça”.
O frevo, o punk, ska, reggae e o samba foram alguns dos ritmos que a banda explorou no decorrer de três décadas. Alinhado a diversidade sonora, outro fator comum ao fazer musical da Eddie é a presença de um discurso político / social nas composições. Nesse sentido, como se deu a sua relação com a música e a inter-relação com essas pautas?
Obrigado!!!! Nossas letras sempre tiveram um lado político social muito ativo, sem dúvida o mais presente nos temas cantados, agora voltamos a ter problemas sociais mais profundos, alta da violência do Estado com a população, alta na manipulação das informações, alta da inflação… Naturalmente esse “tema” ou “realidade” passou a ser mais sentida por nós e ocupou um espaço de destaque na nossa música. Não é hora de falar dos prazeres de viver com tanta ameaça à vida como agora. Nossa vontade era poder falar desses assuntos sem cair na repetição sem fim das discussões das redes sociais que costumam ficar na superfície dos problemas e também só oferecer soluções político partidárias – o que não nos interessa em transformar em canções
Ainda abordando o caráter temporal, a Eddie celebrou recentemente 30 anos carreira. De lá para cá a banda lançou diversos álbuns de estúdio, permanecendo viva e relevante para a cultura brasileira. Fazendo este retrospecto, qual a principal contribuição que o grupo tem deixado na música popular? E ainda: qual a força motriz que move a longevidade de vocês?
Ainda não sei exatamente o que nossa obra oferece para a MPB, mas intuitivamente a gente tenta seguir nossa identidade e busca pela originalidade. Pensamos que para ter longevidade e um espaço no mercado de trabalho essa seria a saída. Somente uma música que retratasse quem somos enquanto povo poderia ter relevância num universo tão rico quanto o da nossa MPB.
Em “Atiça” a banda promove um encontro de vários olhares para o cotidiano, ora de forma esperançosa para com a humanidade, ora de forma crítica aos valores da contemporaneidade. Tal escolha reflete uma das reflexões mais importantes a respeito da arte: o seu caráter de reflexão social. Em tempos onde essa arte segue sendo deturpada e desvalorizada por um bando de acéfalos, como você vê este movimento? Qual a melhor resposta a ser dada neste momento tenebroso em que estamos?
A cultura e a identidade nacional estão sendo atacadas, o governo promove um enfraquecimento da nossa autoestima e condena a verdade sentida pelos artistas. A arte tem que ter um caráter de dentro pra fora, apesar do mercado vender muitas vezes produtos de entretenimento – e por ser a música ou o cinema tratado por ele como “arte” – esse movimento é de fora pra dentro, não tem ação provocadora de mudanças na sociedade, de ativar o pensamento crítico, de enxergar além das bolhas em que estamos inseridos, e isso destrói qualquer tipo de desenvolvimento possível. Quando se combate a cultura, a arte genuína, é a hora de fortalecer nossas convicções e tentar fazer um trabalho que seja motivador para as buscas de saída. Ou que pelo menos seja um relato da realidade que vivíamos em determinado período da história, crônica da nossa época… Quanto maior o desafio, maior a arte se apresenta, ela é feita de emoções.
O disco tem uma série de convidados especiais como Sofia Freire, Isaar, Ganga Barreto e Orquestra Henrique Dias. Como se deu a seleção? E quais as contribuições que cada um trouxe para o resultado final?
A escolha se dá por muitos motivos. A Sofia tem um trabalho ótimo, qualidades poderosas, identidade. Nesse caso foi uma maneira de conversar com essa nova geração que tá aí, trocar saberes. A Ganga é irmã do Urêa, percussão e voz da banda, ela é uma cantora majestosa e da nossa turma, naturalmente arrumamos lugar pra sua voz. O Samuca de Brasília fez uma participação em nosso show e o banjo que ele fez parecia uma extensão da nossa orquestração e na busca por timbres e texturas novas o convidamos e ele arrasou. A Isaar está sempre com a gente em show, parceria antiga e até os caras da mix, que são três, Tostoi, Buguinha e Léo D são por motivações diferentes, mas com o intuito de somar ao nosso som no resultado final.
Voltando a questões políticos / sociais, a banda nunca deixou de se posicionar contra em questões pontuais como, por exemplo, o regime capitalista. A faixa “Amassando a Massa”, presente no novo disco, é um bom exemplo desta contribuição ao debate já que ali você promove críticas pontuais ao classicismo, ao racismo e as desigualdades sociais. Nesse sentido, qual a alternativa a ser oferecida para que a sociedade consiga ver que precisamos trilhar outros caminhos?
Pois é! Por onde passei aqui no Brasil o capitalismo praticado tem acabado com possibilidade de um país mais justo. Ele tem sido o modelador das políticas públicas a ponto de promover golpes para que não mude algumas regras básicas da subserviência da população ao poder econômico, o lob do mercado dentro das gestões públicas tem impedido que tenhamos autonomia enquanto nação, que tenhamos uma equalização social mais adequada. Vivemos esse desmanche nos últimos anos, voltou com mais força o poder de decisão nas políticas sociais de grupos econômicos e claramente há um empobrecimento da população em detrimento do enriquecimento de uns poucos, com isso vem mais impunidade, menos serviços, subempregos, maior a desumanidade.
Pernambuco é um dos maiores celeiros culturais brasileiros e esta realidade não é de hoje, indo muito além do frevo. E digo isso sem nenhum demérito ao gênero. Como filho da cultura, qual a relação estabelecida entre o estado e o seu modo de criação artística?
O Nordeste é muito diverso. Recife e PE estão no meio do NE e em posição estratégica no mapa nacional. A distância do Sudeste e assim do grosso do mercado musical nos proporcionou essa chance de não usar somente dos ingredientes que a música comercial oferecia. E estando ali no coração de região tão diversa em expressões populares e erudita começamos a olhar para o que tínhamos de novidade para oferecer e assim conseguimos abrir espaço de trabalho mundo afora… De repente isso virou motivo para nossa autoestima. Nos vermos e gostar do que vimos foi também uma maneira de nos encontrarmos enquanto identidade e isso, acho eu, fez a diferença na produção criativa da região.
Fazer uma lista de artistas que mais se destacam na cultura local é um dos exercícios mais dificultosos tamanho o volume de produções e a qualidade criadas ao longo dos anos. Ocupando a posição privilegiada de quem vivenciou este crescimento como poucos, quais são os elementos cruciais que ajudaram a construir esta sólida e frutífera cena?
Acho que já respondi em partes nas respostas anteriores, mas tem fatores que observo que podem ter motivado o acontecido. Éramos muitos e decididos a viver da música no início dos anos 90. Não havia um gênero ou cena única musical que nos norteasse naquele momento. Cada um de nós tinha sua própria identidade, tínhamos compositores, vários e bons naquele momento, o que não costuma acontecer com frequência. Isso nos tornou um grupo grande e sólido, com qualidades e além do mais tivemos estrategistas que souberam transformar esse potencial em realidade, isso alavancou uma onda que trouxe parte da sociedade junto e de repente era possível viver de música na cidade. O cinema acompanhou esse movimento e o Brasil era bem visto lá fora nessa época e a nossa turma estava oferecendo uma música brasileira e não aquela música cópia do que eles produziam… Esse interesse de fora mudou o pensamento do mercado dentro do país e a coisa foi crescendo com o tempo. E com o tempo o que era um movimento espontâneo e amador foi evoluindo e se profissionalizando… Eu digo sempre que foi uma sorte histórico geográfica o que nos levou a construir o “manguebeat”, que foi o nome dado na embalagem desse tão diverso movimento cultural.
Por fim falar de planos futuros neste país desgovernado que é o Brasil é missão das mais difíceis, mas em meio a tanta nebulosidade quais são os próximos passos da Eddie?
Queremos sobreviver e ver o mundo de volta, se reunir, ensaiar e tocar esse álbum novo, dar vida as novas canções na nossa imaginação vendo e sentindo pela reação do público. Pensar novas músicas e gravá-las, dar continuidade ao nosso trabalho, seguir em frente.
– Bruno Lisboa é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014.
Repetitivo esse papo “politico”, hein, Bruno? Pra quê forçar a barra? A entrevista é boa, mas ficou assim.
Salve Gilberto. Como vai? Eu acredito que a política está em tudo, ainda mais em tempos como os nossos. Não abordar estes aspectos, em entrevistas com artistas que tem olhar atento a realidade em que estamos, seria uma omissão de minha parte. Acredito conduzindo conversas dessa maneira eu estou, de certa forma, contribuindo para debates importantes para questões que estão presentes no nosso quotidiano. Grande abraço.