entrevista por Pedro Salgado, de Lisboa
Unidos pela amizade, pelo amor ao rock e dotados de um grande sentido de diversão, João Simões (guitarrista e vocalista), António Reis (tecladista e guitarrista), Miguel da Costa Gomes (baterista) e João Ribeiro (baixista) concretizaram um sonho e formaram o seu projeto musical em 2016. O nome da banda, Grand Sun, relaciona-se com a sonoridade energética e solarenga que o grupo evidencia nas suas apresentações. Com a edição do primeiro single, “Apolo”, produzido por Filipe Sambado, o quarteto lisboeta procurou estabelecer um compromisso de empenho e seriedade na música elaborada.
Influenciados pelo pop/rock dos anos 60 e 70, com uma abordagem moderna, os Grand Sun admitem a mutabilidade das suas influências e uma ligação às correntes musicais do novo rock. “Queremos fazer parte desse segmento e a nossa decisão é consciente. Atualmente, o rock tem uma presença menos forte e se os grupos se unirem como movimento isso poderá reforçar a sua identidade e captar o maior número de pessoas”, afirma António Reis. No que diz respeito à afinidade com as bandas portuguesas, Reis destaca a proximidade geográfica e o companheirismo dos Them Flying Monkeys e dos Paradoxo, mas sublinha a “referência importante dos incontornáveis Capitão Fausto”.
Animados pela consolidação sonora e a recetividade alcançada em casas de shows lisboetas como a Musicbox, o Sabotage Club e em espaços como a Lx Factory, bem como algumas aparições radiofonicas e televisivas, os Grand Sun lançariam o EP “The Plastic People of The Universe” (2018), enveredando no pop psicodélico nos temas “Go Home” ou “Little Mouse”, numa tentativa de conciliação do revivalismo com a estética própria do grupo. A persistência e a maior visibilidade do quarteto, que em 2019 assinou um conjunto de participações importantes na Festa do Avante e nos Festivais Termómetro e Ecos do Lima, catapultaram a banda lisboeta para o álbum de estreia, “Sal Y Amore” (2020), que foi editado em plena pandemia.
O trabalho assinala a interação dos Grand Sun com o público e a maneira como os integrantes do grupo vivem a amizade, o amor e as suas inquietações, exibidas de uma forma dinâmica e quase sempre cativante. Uma das faixas do disco, a setentista “Palo Santo”, inspirada numa noite animada em Alenquer (próximo de Lisboa), na companhia de uma banda sueca, apresenta um formato canção mais vincado do que as restantes composições. “Essa música já teve grandes variações e uma estrutura diferente. A letra acompanhou a transformação, passando de um ‘fairy tale’ para algo mais mundano”, explica João Simões.
Outra das canções em destaque, a intensa “She Wants You”, foi inspirada numa história curiosa, ocorrida quando os elementos dos Grand Sun foram assistir ao show dos Boogarins em três noites separadas na Musicbox. “Eu estava perto do palco e reparei que o Dinho estava a mudar os volumes, fazendo uma onda sonora e, na prática, subindo o amplificador. Isso sugeriu-me um conceito de rio e uma espécie de movimento perpétuo”, recorda António Reis. Por indicação de Reis, João Simões também esteve atento ao movimento do músico brasileiro e realçou a influência desse aspecto no disco: “O que queríamos fazer no álbum era uma espécie de afirmação roqueira e decidimos ter este ‘wall of sound’ na abertura do disco. Por isso, apropriámo-nos da ideia de camadas sonoras para iniciar o trabalho. De certa forma, este encontro na Musicbox teve um caráter espiritual”.
Ao longo de 2020, os Grand Sun fizeram vários showcases, que estimularam a banda, mas a tour promocional de “Sal Y Amore” foi adiada devido à pandemia e afetou bastante o funcionamento do quarteto lisboeta. “Embora tenhamos um posicionamento digital, um projeto como o nosso vive fundamentalmente dos shows e o cenário presente não é suficiente para artistas independentes como nós”, explica João Simões. No mesmo sentido, João Ribeiro conclui o raciocínio anterior reafirmando a essência do grupo: “Como sempre dizemos, o disco é um reflexo do que somos ao vivo e não o poder apresentar é muito chato”. De Lisboa para o Brasil, os Grand Sun conversaram com o Scream & Yell. Confira:
O que procuram transmitir com a vossa música?
Acima de tudo boa disposição. Tudo começa pela forma como tentamos mostrar a individualidade de cada elemento da banda. Somos muito festeiros e adeptos da curtição. Existe uma vertente ligada ao intelecto, porque nós gostamos de explorar esse componente da vida (risos). Para o nosso próximo trabalho a direção será diferente mas, no primeiro álbum, a ideia era dar um bom concerto, porque é uma parte fundamental de sermos músicos, e captar esse espírito ao vivo. Esta noção fez-nos construir o disco e pretendemos ser escutados. Mais do que estarem a ouvir um álbum dá-nos satisfação que as pessoas estejam interessadas em ver um show. A ideia do ‘live’ e dessa vibração interessa aos Grand Sun.
Vocês têm um trajeto ao vivo bastante preenchido, que incluiu shows em diversas salas portuguesas, participações televisivas e várias atuações em festivais. Em que momento sentiram maior sintonia com o público?
Nós fizemos um espetáculo em Novembro de 2019, na sala de concertos Titanic Sur Mer (Lisboa), integrado no evento Tens Nite Sun, conjuntamente com mais duas bandas que gostamos, e aproveitamos para trocar impressões com o público. Essa atuação foi especial porque juntamos os Paradoxo (quinteto de exploração sônica) e os Modernos (alter-ego do Capitão Fausto numa vertente mais elétrica). A sala estava cheia e nós queríamos mostrar o novo rock que fazíamos. Muitas pessoas, que não conheciam as músicas, começaram a cantar, houve crowdsurf e diversas coisas que animam um roqueiro. O show deu-nos alento, porque estávamos quase a entrar em estúdio para gravar o álbum “Sal Y Amore” e ver pessoas entusiasmadas e felizes por nos terem conhecido desencadeou uma força gigante relativamente ao trabalho que tínhamos pela frente. Esse disco representou o nosso caráter enquanto banda ao vivo, mas em estúdio, por isso o concerto do Titanic Sur Mer foi muito importante.
O álbum “Sal Y Amore” (2020) tem uma sonoridade mais roqueira e ao vivo comparativamente à toada psicodélica do EP “The Plastic People of the Universe” (2018). Este impulso deveu-se a uma vontade de endurecer a sonoridade do grupo ou decorreu da vossa preferência sonora do momento?
Acima de tudo resulta das influências terem começado a mudar e de explorarmos outras sonoridades. Foi um caminho que gostamos de seguir e derivou dessa orientação. O objetivo de endurecer não estava ligado ao fato de fazer um som pesado, mas sim de nos identificarmos mais como uma banda de rock. Isso foi muito importante para definir o caminho dos Grand Sun. No EP, exploramos o conceito de banda e o som que queríamos e as influências dos Beach Boys, Zombies e dos Beatles validaram essa orientação. Tínhamos uma ideia de pop/rock às vezes mais duro e em outros momentos não tanto. Enquanto no álbum “Sal Y Amore” a decisão foi consciente: agora somos uma banda de rock e temos de decidir o que vamos fazer. Sentimos que a nossa sonoridade não assenta no estilo pós-rock, mas incorpora o psicodelismo e a noção musical dos anos 60 com uma pegada moderna. O que fomos buscar a outros grupos não foi necessariamente o som, mas sim a atitude. Nos Talking Heads existe aquele conceito do vocalista fazer música. Isso foi uma influência importante para o António Reis entender qual seria o seu papel a cantar (dividiu os vocais com João Simões no álbum) e o Velvet Underground é outra grande referência. Não temos muito a ver com essas bandas, mas a atitude “Estamos cá!” é a intenção que retiramos deles. Também retiramos elementos do krautrock, das bandas do ritmo estável, e isso gerou um aglomerado de influências. “Sal Y Amore” foi um disco mais rápido de compor do que o anterior, porque partiu da nossa atitude e os temas seguiram esse processo.
Achei muito interessante o clipe de “Circles” (assista mais abaixo). Vocês estavam a fazer uma paródia ao grupo quando conceberam essa história?
Tudo o que fazemos é sempre uma paródia (risos). Por isso, a resposta é afirmativa. O clipe surge do profundo amor que temos por um talk show divertido: The Eric Andre Show. É um programa completamente ao contrário e em que o apresentador não quer estar com o público e, basicamente, ele quebra cadeiras, destrói mesas e fica nu. Nós partimos desse conceito para fazer um anti-talk show no vídeo. Depois juntamo-nos em casa e começamos a desenhar o que seria o aspecto irracional de um programa desses. Pegamos na falta de atenção que a mídia têm com o tipo de música e dimensão dos Grand Sun. Somos músicos independentes e não temos qualquer espécie de compromisso. Esta entrevista consigo é espetacular para nós, porque conseguimos explicar o nosso trabalho e isso é muito raro aqui em Portugal. Há pouco interesse por parte da mídia relativamente ao grupo de artistas em que nos inserimos.
Planejam um novo trabalho para quando?
Já estamos a trabalhar nas músicas que irão integrar o próximo álbum e algumas das canções estão alinhadas. No momento estamos em pré-produção, gravando demos e enquadrando o material. Estamos muito limitados pela pandemia, por isso não podemos estar num sítio a compor ou juntarmo-nos quando precisamos. Apesar de tudo, quando houver maior abertura, aproveitaremos para gravar. Nenhuma das músicas que preparamos para o novo disco está relacionada com assuntos políticos ou sociais mas, agora, sentimos mais vontade de captar o que a nossa geração está a sentir, não tanto com amores pessoais e mais com amores gerais. Os Grand Sun nunca farão um álbum declaradamente político, no entanto temos um papel importante para dizer como vai crescer o pessoal. A juventude luta pelos seus direitos mas, passado algum tempo, já não somos novos (risos). Estamos nos 20 anos e achamos que devemos mostrar uma visão global do momento presente dos jovens. No entanto, vamos continuar a falar da temática do amor e da festa que nos acompanha desde o início. Fará todo o sentido lançar o disco no final do ano. Antes disso, pretendemos editar qualquer coisa, mas ainda não temos datas marcadas.
Qual é a vossa mensagem para os leitores do Scream & Yell?
O mais importante para nós é que escutem o disco e depois identifiquem-se com ele. Passa por darem uma oportunidade para conhecer os Grand Sun. Há muita música hoje em dia, mas o álbum é bom de ouvir (risos). A nossa ambição é internacional, por isso havemos de tocar no Brasil. No início da nossa carreira, a onda sessentista dos Mutantes foi muito importante. Os Boogarins também têm tido um papel fundamental na visão musical dos Grand Sun. Eles deram a volta ao mundo tocando e cantando em português. É sempre um alento ver uma banda que foge do cenário anglo-saxônico e consegue vingar. Também gostamos d´O Terno, de Luneta Mágica e do Cícero. O Brasil tem uma grande tradição de rock, da Tropicália, e a nossa mensagem para o povo brasileiro é esta: A vida, tal como o Rock, irá voltar.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.
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