texto por Luciano Ferreira
“As The Love Continues” é o 10º álbum de estúdio da carreira da banda escocesa de post-rock Mogwai – isso sem contar as trilhas sonoras para filmes, séries e documentários. O álbum foi produzido (assim como o anterior) de forma remota (isso é novidade!) por Dave Fridmann, mais conhecido por seu trabalho com o The Flaming Lips e o Mercury Rev, e menos por ter produzido nomes como os escoceses do The Delgados (“The Great Eastern” e “Hate”) ou “Marauder” (2018), do Interpol, além de dezenas de outros artistas (de Café Tacvba e Spoon até Vanessa Carlton). Com mais de uma hora de duração e 11 faixas, o novo álbum da banda do vocalista e guitarrista Stuart Braithwaite, de forma inesperada, alcançou o primeiro posto da parada britânica, algo impensável décadas atrás, e definido pela banda como surreal.
Do conjunto de informações lançado no parágrafo anterior duas são inusitadas: a produção de Fridmann de forma remota, algo que tende a se tornar comum diante da pandemia que se instaurou há um ano; e o fato de o álbum ter chegado ao “number one” na parada britânica. Sobre o trabalho de forma remota, percebe-se que em nada influiu para o bem o para o mal na qualidade das canções, mas para a banda com certeza foi um desafio a mais na execução do projeto. Sobre o álbum chegar ao topo da parada, é uma conquista que fala mais sobre o trabalho desenvolvido pela banda ao longo dos anos e pela situação inusitada em que o mundo se encontra, com o isolamento sendo uma constante. Fala mais também sobre o Mogwai em si do que sobre o post-rock, gênero no qual a banda foi categorizada e se tornou um dos seus expoentes mais representativos.
Isso porque nos últimos anos o Mogwai entrou de várias formas no inconsciente coletivo (e nos ouvidos de muitos). Eles estão na trilha sonora do documentário “Zidane: A 21st Century Portrait” e no filme “The Fountain”, ambos de 2006; na série francesa “Les Revenants” (2013), no documentário “Atomic” (2016) e ainda no filme “Before The Flood” (2016); estão também na trilha sonora do filme de ficção científica “Kin” (2018) e em “ZeroZeroZero”, série dramática italiana inspirada no livro de mesmo nome de Roberto Saviano. Stuart também participou em 2016 do projeto Minor Victories com Rachel Goswell (Slowdive) e Justin Lockey (Editors). Junto a tudo isso, a banda tem mantido uma rotina de lançar álbuns a cada três anos.
Comparado a seus dois antecessores: “Every Country Sun” (2017) e “Rave Tapes” (2014), há poucas mudanças sonoras. As qualidades e fórmulas encontradas nos álbuns anteriores seguem aqui: arranjos que servem como trilha sonora para enredos que o ouvinte cria em sua própria imaginação, com humores que tendem a subir e descer qual uma montanha russa, além da exposição de uma fragilidade melódica que obriga o ouvinte a despir-se e encarar as suas próprias, explicitado em “Dry Fantasy”, que inicia apenas com sons de sintetizadores e vai encorpando ao longo de seus mais de cinco minutos e absorvendo totalmente o ouvinte.
Stuart segue não se sentindo à vontade em cantar, abrindo exceção na ótima “Ritchie Sacramento”, segundo single do álbum, que presta homenagens a David Berman, do Silver Jews, e Scott Hutchison, do Frightened Rabbit: “Levante a lança de cristal, voe direto sobre mim / De repente, partiu daqui, foi deixado sozinho na estrada / O que o traz de volta? / Promessas de uma memória / Seu próprio fantasma fugindo com o passado”.
Fica a dúvida de porque o vocalista se sente tão reticente em cantar. E caímos na resposta de que o encanto está justamente pela exceção, algo que também aconteceu em “Party In The Dark”, ótima faixa do álbum anterior. Afinal, como toda banda instrumental, a ideia do Mogwai é que o ouvinte preste atenção em todos os elementos e instrumentos indistintamente. E nem dá pra considerar o canto em “Here We, Here We, Here We Go Forever” e “Fuck Off The Money” (título corajoso e curioso), já que o uso do vocoder sintetiza a voz a tal ponto que soa mais como um instrumento.
E se há uma única letra, resta o título das canções a serem perscrutados. “To the Bin My Friend, Tonight We Vacate Earth” foi uma frase dita durante o sono por Benjamin John Power, das bandas Fuck Buttons e Blanck Mass. O título de “Pat Stains”, canção que sintetiza o estilo Mogwai, surgiu de uma tentativa de lembrar o nome do guitarrista Pat Smear, atual Foo Fightres, mas cujo currículo inclui a seminal banda punk The Germs e, sim, o Nirvana. “Ceiling Granny” é referência a uma cena do filme “O Exorcista 3”, perdida por um dos membros que se ausentou durante a exibição; a seção de cordas de “Midnight Flit” foi gravada em Budapeste e conduzida de Los Angeles por Atticus Ross.
Musicalmente o Mogwai segue utilizando os mesmos elementos com efeitos semelhantes: doses de eletrônica, camadas de sintetizadores de timbres cinematográficos, riffs de guitarras distorcidas ou dedilhados texturizados, aqui optando mais pelas texturas. Por outro lado, é possível encontrar elementos que se ligam de forma evidente com outros artistas, algo que está em “Ceiling Grany”, ao melhor estilo The Smashing Pumpkins, e em “Supposedly, We Were Nightmares”, que sugere um mix de Kraftwerk pela visão do Public Service Broadcasting.
Se foi com “As The Love Continues” que o Mogwai alcançou um lugar nunca dantes e ao mesmo tempo até impensável, isso fala muito mais sobre a trajetória da banda, sim, e fala muito também sobre o momento em que vivemos e a maneira como as pessoas passaram a enxergar a música e a música do grupo. Que esse feliz acontecimento para o Mogwai num momento de tantas infelicidades coletivas, sirva como conforto para aqueles que encontraram na música do grupo um refúgio, algo que a Arte sempre tem sido ao longo de milhares de anos.
– Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.
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