entrevista por Luiz Mazetto
Berço de bandas como X, Germs, TSOL e The Screamers, entre muitas outras, a cena punk de Los Angeles é uma das mais importantes e criativas da história. Apesar de nunca ter recebido o mesmo destaque que as cenas de Nova York e Londres, a metrópole californiana foi tão vital quanto essas cidades para o surgimento e a consolidação do punk no final dos anos 1970 e início dos 1980 (plantando sementes para a cena dos anos 90).
Responsável por obras-primas como “Los Angeles” (1980), “Wild Gift” (1981) e “Under the Big Black Sun” (1982), o X continua na ativa até hoje, tendo lançado no último mês de abril o ótimo e enérgico “Alphabetland” (2020), seu oitavo disco e o primeiro em mais de 30 anos a reunir a formação original com Exene Cervenka (vocalista), Billy Zoom (guitarrista), DJ Bonebrake (baterista) e John Doe (baixista/vocalista).
Na entrevista abaixo, feita por telefone em novembro, o extremamente simpático Doe, que também possui uma sólida carreira solo e uma história interessante como ator de cinema, fala sobre como foi voltar ao estúdio após tanto tempo com seus colegas de banda, a importância da arte em meio à pandemia, os 40 anos do clássico “Los Angeles” e o papel de Ray Manzarek (The Doors) no disco, além dos seus dois livros sobre a história da cena punk de Los Angeles, entre muitas outras coisas. Confira abaixo!
Você fará uma série de shows solo nos próximos meses, que serão transmitidos pela Internet. Ao longo da sua carreira, você já tocou em casas de show pequenas e médias e também grandes estádios, praticamente em todos os tipos de situações. Como é para você esse novo tipo de estrutura, em que é preciso buscar um tipo diferente de conexão com o público, que está longe de você? Você se sente mais exposto, mais seguro, mais desconectado das pessoas?
É, acho que diria todas essas coisas. Mas não é tão bom quanto (risos). Vamos apenas dizer isso. Quer dizer, é estranho. É difícil porque não há nenhuma troca de energia. E essa é a melhor coisa de algo ao vivo. Você envia energia, o público envia energia. Se você vê outra pessoa, então você pode sentir essa troca. E você sabe… se for bom, tipo a combinação certa na noite certa, então é algo único. Só irá acontecer algo assim nessa única vez, então você fica muito engajado no momento. E você sabe que é especial e que nunca acontecerá novamente. Quer dizer, tudo é dessa maneira, mas talvez isso seja um pouco amplificado em um show ao vivo. No entanto, tendo dito tudo isso, eu gosto de cantar – e eu gosto de tocar. E tem algo que é recompensador quando você está apenas tocando ou cantando uma música sozinho. Então você precisa tentar aproveitar isso – sem a resposta. Quando você está tocando, mesmo com público e você sabe que estava tudo lá, você sabe que foi uma boa versão e se sentiu conectado com a música. É uma conexão pessoal profunda. Então você precisa tentar fazer bom uso disso. É algo legal de se fazer, de qualquer maneira.
E você sente que a sua experiência como ator pode te ajudar neste tipo de situação, já que você está em um “ambiente controlado” quando grava uma cena para o cinema ou TV, por exemplo?
Hmm, sim, talvez um pouco. Você sente as coisas um pouco mais sutilmente – ou internamente – em situações desse tipo. Mas também é como gravar um disco. Quando você está gravando, você precisa ser um pouco mais “interno”, não sei – não tão amplo ou grande.
Aliás, no site do X há um texto sobre a situação do mundo com a pandemia de COVID-19, que diz que, em meio a tudo o que está acontecendo, “…a vida pode parecer um tanto surreal aos sentidos. Ainda assim, em meio a todo o caos, uma coisa é constante, a música nos une”. Partindo disso, você acha que a música – e a arte, em geral – ganharam talvez um novo papel, não apenas no sentido de conectar as pessoas de diferentes lugares do mundo, mas também de curá-las, meio que evitar que o mundo todo – ou pelo menos uma parte dele – ficasse louco?
(Risos) Sim, estou rindo com você porque o que você disse é muito verdadeiro. Talvez seja um retorno para uma experiência mais simples com a arte. Não sei como é no Brasil, mas penso que a arte é muito subvalorizada nos Estados Unidos. Se você diz para alguém que é músico, a pessoa apenas vai dizer “Pfff, tanto faz” (risos). E se você diz que é um artista, ela dirá: “É, e você está passando fome”. E isso é errado. A arte deveria ser importante para a alma das pessoas. E para tornar as suas vidas mais profundas. Acho que quando você tem uma tragédia pessoal, ou uma alegria pessoal, então a arte, as músicas, os filmes e os livros, você tem uma reação mais profunda a eles. Por exemplo, quando lançamos o “Alphabetland” (nota: o disco foi lançado em abril de 2020, cerca de um mês após a OMS declarar pandemia global de COVID-19), foi em um momento em que as pessoas estavam muito vulneráveis, e meio que não sabiam o que estava acontecendo. De qualquer maneira, as pessoas reagiram de uma maneira linda e muito forte ao lançamento e nós somos muito gratos. E também nos sentimos meio que recompensados por isso. Porque, como eu disse, as pessoas estavam frágeis e vulneráveis.
E você pensa que o fato de terem lançado o disco no início da pandemia, em abril, pode ter feito as músicas e as letras ganharem um significado novo e/ou diferente?
Ah sim, acho que sim. Como estava dizendo, se você está vivenciando algo que é dramático, você vai ler… Quer dizer, esses tipos de letras não são diferentes, não são únicos para o X. Em todas as nossas músicas, nós falamos sobre pessoas que estão à beira de algo, pessoas em crise, ou o mundo em crise. E nós fazemos isso há bastante tempo. E isso só calhou de ser algo como falar a verdade em uma época em que as pessoas podiam fazer uma leitura de uma maneira que fosse pessoal. Foi algo como um bom timing para uma situação ruim.
E qual seu sentimento sobre o disco agora que já foi lançado há cerca de seis meses? Você tem alguma música favorita? E mudou a maneira como enxerga o álbum com o passar do tempo?
Bom, não tenho ouvido muito o disco porque o ouvimos muitas vezes enquanto ele estava sendo feito. Mas ouvi a música “Strange Life” no rádio aqui em Austin há alguns dias. E isso foi bastante recompensador. Foi algo como “Uau, eles ainda estão tocando esse disco, já foi lançado há seis meses” (risos). Normalmente, você tem sorte se tocam algumas vezes nos primeiros dois meses de lançamento. Eu não sei. Nós vamos lançar mais um vídeo para “Goodbye Year, Goodbye” (assista abaixo) porque estamos nos aproximando do final do ano. Preciso dar muito crédito para a nossa gravadora, a Fat Possum Records, por terem sido corajosos de lançar o disco em abril. Estávamos planejando lançar o álbum em setembro ou algo assim, para que pudéssemos organizar as coisas. Você sabe como são as coisas para lançar um disco, é preciso deixar tudo pronto – produzir teasers e todas essas merdas. Mas a Fat Possum disse: “Ei pessoal, tem muita merda acontecendo, não sabemos. Vamos apenas fazer isso”. Foi algo muito corajoso e eu me senti conectado com a Fiona Apple, porque ela fez a mesma coisa com aquele disco incrível dela, “Fetch the Bolt Cutters” (2020). Você ouviu esse disco?
Sim, sim, gosto muito dela.
Penso que esse disco é um nível completamente novo, do tipo: “Olhe para mim, enquanto eu ando na corda bamba. Vou apenas destruir um monte de convenções e ‘é assim que a composição musical deve ser’. Vou apenas fazer o meu lance”. E é apenas realmente incrível. Gosto muito desse disco.
E como foi para você ter os quatro integrantes originais do X juntos de novo no estúdio após tanto tempo?
Hmm, nós gravamos quatro músicas no começo de 2019 – “Angel on the Road”, “I Gotta Fever”, “Delta 88 Nightmare”, “Cyrano de Berger´s Back”. E nos primeiros dias foi aterrorizante (risos). Você nunca sabe, a química ainda estará… Quer dizer, a química estará lá, nós sabemos que isso vai acontecer em um show. Mas aí são músicas que conhecemos muito bem e o público nos dá uma energia, que talvez possa encobrir algumas falhas. Mas uma vez que fizemos isso, e tínhamos o nosso produtor, Rob Schnapf, nós sabíamos que ele entendia qual direção nós devíamos seguir. Mas é difícil, é difícil porque nós sabíamos que queríamos tocar e escrever músicas que pudessem ser facilmente identificadas como a gente. E sem que fossem repetições de algo que já tínhamos feito. Mas às vezes é difícil resolver isso. Por exemplo, alguém diz “Bom Luiz, o que você faz de melhor? Quais são os seus melhores traços de personalidade?” e então você fica “Ah, puta que pariu, eu não sei. Sou uma pessoa boa” e qualquer coisa do tipo. E quando você está fazendo isso com uma banda… O Billy tem um estilo de tocar guitarra, então vamos meio que fazer as músicas fáceis para ele usar esse estilo. E o DJ tem o seu estilo de tocar bateria, então vamos nos certificar de que trabalhamos voltados para essa força que ele possui. Quando a Exene e eu temos a opção de cantarmos juntos, nós tentamos fazer isso. Então é apenas uma questão de meio que ser esperto, mas não é sempre assim tão fácil.
Além da chegada do disco novo, “Alphabetland”, 2020 também marca o aniversário de 40 anos do disco de estreia da banda, “Los Angeles”, que também foi lançado no mês de abril. Como você olha para o disco e seu legado hoje em dia, tanto tempo depois do seu lançamento? Ainda gosta do disco? Ouvi novamente o álbum nos últimos dias e penso que envelheceu muito bem, já que soa muito cru, atual e, vamos dizer, clássico, tudo isso ao mesmo tempo.
É, eu não tenho escutado o disco, obviamente (risos). Porque isso seria esquisito, seria esquisito pra caralho (risos). Acho que somos gratos, em primeiro lugar. Gratos pelas pessoas se importarem. E gratos pela Fat Possum querer lançar… Eles acabaram de lançar uma versão comemorativa e limitada do disco. Mas dou muito crédito ao Ray Manzarek (tecladista do The Doors e produtor do álbum), porque ele nos ajudou a fazer um disco que não usasse truques de 1979. Porque há discos que soam como se viessem diretamente de 1979. E é isso o que o The Doors fez também, eles fizeram discos que eram do The Doors. Nós apenas tentamos fazer um disco de rock. Então a idade que nós tínhamos, as músicas eram relativamente novas – bem, não sei, nós tocávamos muitas daquelas músicas há cerca de 1 ano e meio, 2 anos, então nós sabíamos como elas deviam soar. E ele (Ray) não tentou colocar o seu carimbo, transformar em algo… porque já estava desenvolvido. O Ray também escolheu… nós conversamos juntos sobre quais músicas deveriam entrar nesse primeiro disco. E, mesmo com músicas como “Adult Books”, “When Our Love Passed Out on the Couch”, “We’re Desperate”, “I’m Coming Over”, que eram músicas mais antigas, elas não se encaixavam em “Los Angeles”. Também dou crédito a ele por isso.
E você pensa que o fato de ele (Ray) estar vindo de um background diferente, musicalmente, pelo menos, tenha contribuído para esse sentimento atemporal do disco? Com essa espécie de encontro de dois mundos diferentes, entre o rock psicodélico dos anos 1960 com essa música nova da época, o punk.
Penso que há mais semelhanças do que diferenças. Acho que as músicas que o The Doors escutava e as músicas que nós ouvíamos enquanto crescíamos eram parecidas. Que eram a base do rock – blues e country e esse tipo de coisa. Mas talvez, ele sabia como era o som da liberdade, o som de quebrar barreiras. Então acho que ele podia dizer quando nós tocávamos dessa maneira, que soava desse jeito. Essa era a medida dele do que é bom e do que não é tão bom.
E o The Doors era uma banda importante para vocês na época?
Para mim e para a Exene, sim. Mas não tanto assim para o Billy e o DJ.
E foram vocês que escolheram gravar o cover de “Soul Kitchen”, do The Doors, no disco? Ou foi uma sugestão do Ray? Como aconteceu isso?
Não. Essa é uma história engraçada. A primeira vez que ele (Ray) nos viu foi no Whisky a Go Go (nota: icônica casa de shows em Los Angeles), onde o The Doors tocou muitas vezes. E a mulher dele, Dorothy, apontou para o palco e disse: “Ei Ray, olha lá. Eles estão tocando a sua música” – porque nós já tínhamos começado a tocar “Soul Kitchen” na época. Mas a maneira como a tocávamos era tão rápida e tão diferente que ele não reconheceu (risos). A esposa dele precisou dizer que estávamos tocando uma música do The Doors (risos). Era uma das músicas que a Exene realmente adorava e descobri uma maneira de tocá-la mais no nosso estilo – mais rápida e tudo mais.
Já que estamos falando do The Doors, o “Alphabetland” traz a participação de outro integrante da banda, o guitarrista Robby Krieger. Foi algo meio que um fechamento de um ciclo, 40 anos depois da primeira vez que vocês trabalharam com o Ray? Imagino que vocês já conhecessem o Robby, certo? Como surgiu essa parceria?
Há alguns anos, o Robby convidou eu e a Exene para tocarmos em um tributo em Seattle. E nós estivemos em contato com John Densmore (ex-baterista do The Doors), que era amigo de amigos, em uma pequena livraria e local de workshops chamado Beyond Baroque, em Venice, na Califórnia, que é onde eu e a Exene nos conhecemos pela primeira vez. Então o Robby deixou um recado para mim, em que ele obviamente tinha o número errado (risos). Ele tentou ligar para outro John. Então eu liguei de volta e ele perguntou o que eu estava fazendo. Aí disse que estávamos fazendo um disco novo e então ele falou: “Eu deveria aparecer para tocar um pouco de guitarra slide”. E pensei “Ah, meu deus, essa é uma ótima ideia”. E a última música do disco em que ele toca, “All The Time in The World”, parecia muito similar àquele disco “An American Prayer” (nota: último disco do The Doors, lançado após a morte de Jim Morrison). Então foi uma ótima combinação. Gostaria que ele pudesse ter tocado em mais músicas, mas não tínhamos tempo e não conseguimos encontrar músicas que se encaixassem. Mas ele é incrível, um guitarrista incrível, meio que subestimado. Não acho que as pessoas o reconheçam por sua contribuição. Ele realmente trouxe um pouco de Chuck Berry de volta para os guitarristas daquela época.
Em 2011, o X fez a sua única turnê na América Latina, junto com o Pearl Jam, incluindo shows no Brasil. Quando lançaram a campanha de financiamento coletivo para o disco ao vivo desta tour, em 2017, vocês disseram que essa viagem foi uma “experiência de mudança de vida e mentes” e mencionaram especificamente o show de São Paulo. Queria saber o que fez desta viagem uma experiência tão significativa e se houve algo específico que chamou a sua atenção no Brasil ou nos outros países da região?
Oh…(risos). Não consigo responder isso porque há muitas coisas. Porque há um tipo diferente de liberdade na América do Sul do que a que existe nos Estados Unidos. Penso que por serem países mais novos e mais vitais. E pelas pessoas, em geral, não sentirem que podem ser processadas se algo ruim acontecer (risos). E o público nos shows foi tão legal. Quer dizer, havia tantas pessoas em um lugar enorme, mas não parecia haver nenhuma briga, parecia que todo mundo estava numa boa. Eles entendiam que estavam naquilo juntos. E poder ver uma banda como o Pearl Jam ter uma resposta tão incrível, conseguir fazer dois shows para 70 mil pessoas, em duas noites, é tipo “Puta que pariu, caralho” (nota: o X e o Pearl Jam fizeram dois shows lotados no Estádio do Morumbi, em São Paulo, em novembro de 2011). Eu já tinha estado na Europa algumas vezes, mas nunca na América do Sul. Já tinha ido ao México algumas vezes, mas nunca à Cidade do México. E a primeira vez que você vai para Los Angeles ou Nova York, isso vai mexer com a sua cabeça, se você não estiver familiarizado com isso. E São Paulo é tão grande ou ainda maior do que essas cidades. Então é, a liberdade, apenas uma cultura diferente, e como fomos recebidos de uma maneira calorosa. E nós pudemos entrar na “bolha do Pearl Jam”, que foi algo realmente estranho e legal. Nós estivemos na caravana deles saindo do estádio, o que foi insano, com esses policiais em motos fechando ruas para nós. Senti que era o presidente ou algo do tipo, foi tão estranho. E então, depois disso, vocês agora têm um presidente que é tão idiota quanto o que nós temos.
Penso que ele (Bolsonaro) é ainda pior, eu não sei, é uma disputa e tanto (risos).
Eu não sei, eu sinto por vocês. Tenho muita empatia por isso. Espero que nós tenhamos nos livrado do nosso cara (nota: a entrevista foi feita cerca de uma semana após Joe Biden vencer as eleições presidenciais nos EUA). Talvez em breve vocês consigam se livrar do seu cara.
Aliás, você conhece algum artista brasileiro, sejam nomes da Bossa Nova e Tropicália ou nomes mais recentes?
Bom, com a exceção do Jobim e da… Astrud…como é o sobrenome dela?
Astrud Gilberto?
Isso, Astrud Gilberto e todo esse estilo de Bossa Nova. Eu conhecia um pouco sobre isso. E também o Baden Powell, um amigo me mostrou algumas coisas dele. Mas sei que há muito punk no Brasil pela forma como o Brasil – e a América do Sul – abraçaram os Ramones.
Ah sim, os Ramones eram enormes aqui.
É, eu sei. E é assim que deveria ser mesmo.
Estávamos falando sobre o Pearl Jam há pouco. Além dessa e outras tours em conjunto, você também já gravou e tocou com o Eddie Vedder e o Mike McCready. Por isso, queria saber se você talvez os considera “espíritos irmãos” (“kindred spirits”) de uma maneira, não apenas musicalmente?
Ah, sim. Tocamos com eles pela primeira vez em 2000, eu acho. E apenas fizemos quatro shows com eles e eles foram bons. Você podia ver que era uma boa combinação, um bom encaixe para as duas bandas. E o apoio deles para bandas como nós, o Mudhoney, o Iggy Pop também abriu para eles. Eles apenas entendem as coisas. E se você passar tempo com pessoas assim e começa a falar sobre música e outras coisas, então você percebe que vocês compartilham muito mais coisas do que apenas música. Nós ainda nos falamos, de tempos em tempos. Talvez a cada 2 ou 3 meses, eu ligo para o Mike McCready. Mas eles são ocupados, eles vivem em um mundo completamente diferente (risos). Mas eles são legais, são muito legais. E eles foram muito bons com a gente. Sinto que eles são uma banda que podem apenas tocar. E eles tocam as pessoas tão profundamente por causa do estilo da música e do que dizem nas letras, e também como vivem as suas vidas. Não é apenas música e arte, também é algo cultural. E esse tipo de conexão é profunda e amo isso sobre eles. Penso que eles são únicos, não precisam de truques ou coisas assim.
Nos últimos anos, você lançou dois livros muito bons sobre a história do punk de Los Angeles, em parceria com o jornalista Tom DeSavia, intitulados “Under the Big Black Sun: A Personal History of L.A. Punk” (2016) e “More Fun in the New World: The Unmaking and Legacy of L.A. Punk” (2019). Esse já era um projeto antigo que você queria fazer há tempos? Como surgiu a ideia de lançar os livros?
Foi muito recompensador, depois que o livro estava pronto (risos). Foi difícil, foi um trabalho duro. E porque era um trabalho tão duro, chamei todo mundo para me ajudar (risos). Tom e minha companheira, Krissy, eles ficaram “torcendo meu braço” para escrever um livro. Porque eu posso contar histórias sobre alguma época, entre duas pessoas, ou algo assim, mas esse não é o meu lance. Há pessoas que adoram fazer isso, e meio que isso surge em um ou outro momento. Enfim, eles ficavam me dizendo que eu devia escrever um livro, mas parecia trabalho demais, para ser honesto. E eu não queria ser a autoridade, não queria me colocar nessa posição, tipo ser o historiador desse… Porque era algo maior do que apenas o que o X fez, do que o que eu fiz. E, apesar de eu apoiar a igualdade racial, a liberdade sexual e o fato de que as mulheres tenham um papel igual nas bandas em que tocam, eu não posso contar essa história. Eu posso apreciar e apoiar, posso ser um aliado, mas não posso contar a história. Então o fato de que Jane Weidlin, Charlotte Caffey, Exene, Teresa Covarrubias estavam todas dispostas a participar e contar o seu lado da história, que foi uma história maior e mais pessoal. E nós tivemos muita sorte por elas quererem fazer isso, por elas dedicarem tempo e esforço. Quer dizer, elas receberam um pagamento, não um valor alto, mas conseguimos pegar o dinheiro que recebemos da editora e dividir entre os escritores e escritoras e os fotógrafos e fotógrafas. Então sentimos que Los Angeles recebeu o que lhe era devido, poder contar sua história, assim como Nova York ou Londres. Então sim, foi um sentimento bom.
No seu site, há um texto em que diz que o John Doe nasceu quando você foi para Los Angeles em 1977 – que foi o mesmo ano em que o X foi formado. Você acredita que uma banda como o X poderia ter acontecido, ter sido criada em outra cidade?
Não, eu acho que não. Quando você está em um lugar novo, e está fora da cidade ou do lugar onde cresceu ou com o qual está acostumado, você tem uma abordagem nova para tudo. E então nós estávamos dispostos a nos aventurar, a experimentar e fazer coisas novas porque estávamos cansados do estilo antigo do que chamavam de rock na época. E penso que, como nos livros, Los Angeles desempenhou um grande papel nisso. Los Angeles é meio que um personagem dentro de todas as histórias que estão nos dois livros. Há um certo… você consegue enxergar de longe, você consegue enxergar a 70, 90km de distância – quando não está com poluição (risos). E você pode ir na praia, nas montanhas. Não que nós fizéssemos isso com muita frequência, mas você sabia que essas coisas estavam lá. E isso te dá mais… é tipo mais aberto. E Londres, Nova York, ou cidades mais antigas, são mais claustrofóbicas, mais “na sua cara”. São apenas prédios enormes em todo lugar. E Los Angeles é mais espalhada. Então acho que isso afeta a maneira como você vê as coisas, como você escreve as coisas. Penso que a Costa Oeste é famosa por inovação e apenas coisas novas, novas maneiras de olhar para as coisas. Então tudo se encaixou para nós.
Gostaria que me dissesse, por favor, três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
Ah, deus. Quando eu era criança, havia um disco folk chamado “Songs to Grow On” (nota: provavelmente se refere ao volume 3 da série de discos com esse nome, lançada em 1951), e Woody Guthrie, Lead Belly, Pete Seeger e Cisco Houston estavam todos nesse álbum. Eu tinha provavelmente 8 ou 9 anos na época. E esse disco mudou a minha vida. Diria talvez o disco do Velvet Underground com a Nico (“The Velvet Underground & Nico”, lançado em 1967). O meu irmão mais velho tinha esse álbum. E esse disco mudou a minha vida. E talvez também o disco do Jonathan Richman and The Modern Lovers (autointitulado, lançado em 1975). Acho que o que todos eles têm em comum é o quanto eles são diretos, mínimos, dizendo o que querem dizer em pouco tempo. E contando histórias, conseguindo contar histórias.
Essas são as duas últimas perguntas. Do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Hmm, o que tenho mais orgulho é o fato de ainda estarmos juntos, como uma banda. Também tenho orgulho do fato de que influenciamos algumas pessoas a tocar, a fazer música.
Essa é a última. Não sei se já pensou nisso. Mas como você gostaria de ser lembrado?
(Risos) Quero ser lembrado por ter um cabelo bom – o que eu tenho (risos). Sou muito abençoado pelos meus pais também terem o cabelo bonito (risos). Hmm, não sei. Acho que isso fica por conta de outra pessoa. Você quer ser lembrado como alguém que é generoso, grato e de coração aberto. Não quero ser lembrado como alguém que é estranho e assustador, coisas assim – o que algumas pessoas parecem gostar. É sério, algumas pessoas parecem pensar que isso é legal. Só que não é, é estranho e assustador. Toda essa escuridão… talvez seja legal quando você é jovem. Mas depois que você tem uns 40 anos, começa a perceber que precisa buscar ativamente alguma satisfação. Você precisa buscar ativamente gratidão e ser gentil. E sou muito sortudo nesse sentido, de ter encontrado um pouco disso. Mas é porque busquei por isso, me abri para isso. Eu sei, ficou bastante profundo e filosófico bem no final (risos).
Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!
Bela entrevista. Obrigado.