Texto e entrevista com John Stirratt por Leonardo Tissot
Com o relançamento de “Summerteeth” em versão de luxo, o sexteto de Chicago encerra as celebrações da fase inicial noventista de sua carreira. Em 2020, a banda ainda comemora os 25 anos de seu primeiro álbum, “A.M.”. Nesta matéria, resgatamos os passos iniciais do Wilco na indústria fonográfica pré “Yankee Hotel Foxtrot” e batemos um papo via e-mail com o baixista John Stirratt sobre sua trajetória, passagens pelo Brasil e disco novo.
É curioso perceber que os primeiros segundos de música gravados pelo Wilco são originários de um instrumento de percussão — mais precisamente, dos tom-tons e da caixa da bateria de Ken Coomer — e não de violões, bandolins, banjos ou pedal steels, entre outros instrumentos corriqueiros das bandas de country alternativo surgidas naquela era. A gravação de “I Must Be High” não apenas abre o álbum de estreia da banda, “A.M.”, lançado há 25 anos, como foi a primeira música registrada em estúdio pelo grupo.
“A.M.” é o primeiro passo de uma jornada iniciada após o brusco fim do Uncle Tupelo, em 1994. A banda de Belleville, Illinois, que desde os anos 80 vinha constituindo uma sólida (se não numerosa) base de fãs, encerrou atividades de forma não muito amigável, após o vocalista e guitarrista Jay Farrar dizer a seu baixista-que-tentava-virar-guitarrista, Jeff Tweedy, que “não suportava” mais tocar com ele. Segundo Jeff conta em seu livro de memórias, “Vamos Nessa (Para Podermos Voltar)”, lançado em 2018 (Brasil incluso), o recado de Farrar veio por meio do empresário do grupo, Tony Margherita, o que tornou a experiência ainda mais traumática.
Após encerrar os compromissos restantes da banda e assimilar o golpe, a formação quase integral do Tupelo — que, na época, contava com o baixista John Stirratt, o já citado baterista Ken Coomer e o multi-instrumentista Max Johnston — aliou-se à Tweedy para criar o novo grupo, desta vez baseado em Chicago. Mas o início da trajetória não foi dos mais fáceis para o Wilco — nome que vem do termo “will comply”, usado por militares em comunicações via rádio. Embora firmar um contrato com uma gravadora tenha sido uma consequência natural da carreira iniciada anos antes — a Reprise Records, uma subsidiária da Warner Bros. (assim como a gravadora do Tupelo, a Sire), acolheu a nova banda de Jeff —, muitas dúvidas ainda pairavam sobre os fãs.
Em 28 de março de 1995, quando “A.M.” chegou às lojas, o cenário do alt-country que Tweedy havia ajudado a criar ao lado de Farrar estava bem estabelecido nos Estados Unidos. Ninguém tinha ficado milionário (ainda) misturando música caipira com punk rock, mas existia um circuito de casas noturnas onde as bandas podiam se apresentar e uma estrutura que possibilitava o lançamento frequente de discos. No mesmo ano, surgiram a revista No Depression (especializada no estilo e batizada em homenagem ao disco de estreia do Uncle Tupelo) e chegaram ao mercado álbuns de bandas influenciadas pelo gênero (como a estreia do Whiskeytown, grupo do então desconhecido Ryan Adams, intitulada “Faithless Street”), de inspiradores do movimento (como “Tomorrow the Green Grass”, dos Jayhawks) e, é claro, “Trace”, do Son Volt, a nova banda de Farrar.
A comparação, inevitável, deixou Tweedy em uma situação… desfavorável, para dizer o mínimo. Se ele já era visto como o “sidekick” de Farrar no Uncle Tupelo, “Trace” e “A.M.” foram considerados, na época, discos que separavam claramente os meninos dos homens. O nível de maturidade nas composições de ambos os artistas era muito distinto. Farrar já vinha se destacando como o principal autor e a voz de mais relevância no Uncle Tupelo, e seu trabalho seguinte foi considerado uma obra-prima do gênero — ao menos dentro do mundinho alt-country. Ao mesmo tempo, “A.M.” era um álbum inconstante, que ia de momentos pop — nos quais Tweedy se libertava da influência mais sóbria de seu ex-parceiro —, a canções country convencionais e composições que soavam inacabadas. Ou, melhor dizendo, composições que estavam inacabadas mesmo — várias gravações ainda em fase “demo” foram usadas no registro final, uma tomada de decisão que beirava o amadorismo.
Naquele momento, o cenário era esse: enquanto Farrar parecia destinado a uma carreira duradoura e de sucesso, seja qual fosse o projeto em que estivesse envolvido, Tweedy ainda era uma jovem promessa que não havia mostrado a que veio. Ainda que tivesse o suporte do empresário Tony Margherita, que optou por trabalhar com Jeff (mesmo sendo aconselhado a ficar com Jay), os primeiros passos da nova banda pareciam os de uma criança que está aprendendo a andar — um tombo certeiro era esperado a qualquer momento. A opinião geral era unânime: o Wilco havia se apressado em lançar material original — Jeff se justificou dizendo que não queria perder os fãs que havia trabalhado tão duro para conquistar (ele temia ser esquecido em pouco tempo). Mas o tiro quase saiu pela culatra.
“Being There” e o amadurecimento “tardio” do Wilco
A lição, no entanto, foi aprendida. Apesar de, 25 anos depois, “A.M.” ser um disco querido pelos fãs e ter várias de suas faixas tocadas ao vivo com frequência — “Passenger Side”, “Box Full of Letters” e “Casino Queen” são canções quase obrigatórias em um show do Wilco —, o álbum seguinte, “Being There”, foi criado com um cuidado muito maior.
Para começo de conversa, uma importante adição à banda, ainda durante a era “A.M.”, faria toda a diferença no som do Wilco — pelo menos nos cinco anos seguintes. O multi-instrumentista Jay Bennett é descrito na biografia da banda “Learning How to Die”, do jornalista Greg Kot, como “um professor enlouquecido que jamais havia encontrado um instrumento que não fosse capaz de tocar”. Bennett — ex-guitarrista da recém-dissolvida banda Titanic Love Affair — adicionou ao grupo um conhecimento técnico de estúdio e de criação de arranjos que os demais companheiros ainda não dominavam completamente. “I’m a late bloomer”, zombava Tweedy — usando uma expressão em inglês que pode ser traduzida livremente como “eu demorei para amadurecer”.
Isso fez toda a diferença no resultado ouvido em “Being There”, lançado em 29 de outubro de 1996. Mais do que uma coleção de composições bem acabadas sobre a influência do rock n’ roll na vida de uma pessoa, entre outros temas — tais como “Misunderstood”, “Sunken Treasure”, “Forget the Flowers” e os hits em potencial “Outtasite (Outta Mind)”, “Monday” e “I Got You (At the End of the Century)” —, o disco soava como um trabalho mais coeso, vibrante e cheio de energia em comparação com a produção pálida do álbum de estreia.
Keith Cameron escreveu em reportagem sobre a banda na revista Vox, em maio de 1997: “O punk é e continua sendo o alicerce de Tweedy, a base a partir da qual sua interpretação de outros estilos de música é derivada. Ele se defende quando o Wilco é citado como uma banda country. O som do Uncle Tupelo devia tanto aos Minutemen quanto à The Carter Family, enquanto que a produção caótica de ‘Being There’ não deixa nada a desejar ao Sonic Youth”.
Apesar dos reveses nos anos iniciais da banda, Tweedy mantinha uma certa petulância: exigiu que a gravadora lançasse “Being There” como um álbum duplo (ligando o alerta de mais um desastre comercial), e fez um acordo para que os discos fossem vendidos com preço de álbum simples (algo que o Clash, uma banda que ele amava, havia feita em “London Calling”, ligando o alerta de desastre financeiro). Esse era o seu nível de confiança na qualidade do material.
No fim das contas, Tweedy estava certo… Ou quase. “Being There”— título que homenageava o filme homônimo de Hal Ashby, de 1979 — foi aclamado como um grande disco e conquistou um destaque não obtido antes nem pelo Uncle Tupelo, nem pelo Son Volt. Instigado a superar Farrar, o compositor se sentiu estimulado a produzir um de seus melhores trabalhos até hoje — inclusive, tornando-se queridinho da imprensa cultural mainstream (como a Rolling Stone) a partir daquele momento. A banda ganhou até matéria elogiosa na revista brasileira Showbizz na época, que destacava “Being There” como um belo trabalho a ser conhecido pelos leitores da publicação (o disco ainda conseguiu a última vaga no Top 20 dos melhores discos dos anos 90 em votação no Scream & Yell).
Comercialmente, porém, o disco não teve o sucesso esperado pela Reprise — que apostava que o Wilco poderia ser uma espécie de “novo R.E.M.”, uma banda com som único, oriunda de uma pequena cidade americana e favorita do público universitário, com potencial para ganhar o mundo. Motivos para isso não faltavam. Além da qualidade evidente da banda, o próprio Peter Buck era só elogios para as composições de Tweedy — o ex-guitarrista do R.E.M., inclusive, havia produzido o disco “March 16-20, 1992”, do Uncle Tupelo, e não negava que o clima acústico das gravações havia influenciado sua banda em “Automatic For The People”, um dos álbuns mais importantes do quarteto de Athens.
As vendas, no entanto, ficaram muito aquém do esperado. A gravadora investiu US$ 100 mil no clipe de “Outtasite (Outta Mind)”, mas nem isso fez a procura pelo álbum disparar. O disco havia vendido aproximadamente 300 mil cópias um ano após seu lançamento (o dobro de “A.M.”, mas, ainda assim, menos do que o potencial apontado pelas críticas positivas na imprensa). A banda estava atraindo mais atenção, é claro — tocando em lugares maiores e deixando de abrir shows para nomes como Sheryl Crow para se tornar, finalmente, a atração principal. Mas ainda não foi desta vez que o Wilco se transformou no grande nome do rock americano. As bases para que isso ocorresse, no entanto, foram lançadas. Ou, pelo menos, era o que a gravadora acreditava que iria acontecer.
“Summerteeth”: como “uma ida ao dentista”
Após um ano de turnê para a divulgação de “Being There” (já sem o guitarrista Max Johnston, que pediu as contas logo após o fim das gravações do segundo disco), Tweedy e Bennett se aproximaram cada vez mais. A dupla compartilhava ideias musicais — enquanto Jeff era o compositor brilhante, Jay era o responsável por elevá-las a um nível superior, assumindo o papel de “mago de estúdio” —, mas não apenas isso. A exaustão das viagens, os transtornos mentais (Jeff sofria ataques de pânico frequentes), a necessidade de render criativamente e as pressões para manter a carreira em alta (inclusive com a marcação cerrada da gravadora, que via no Wilco um potencial comercial enorme) tornaram o período um dos mais difíceis da história da banda. O abuso de substâncias também começou a se tornar um problema.
Participar de um projeto ao lado do músico britânico Billy Bragg (que teve acesso a letras inéditas da lenda folk Woody Guthrie e carta-branca dos herdeiros para transformá-las em novas músicas) não facilitou as coisas. O processo — documentado no filme “Man In The Sand” — foi tenso, mas eventualmente rendeu três belos discos: a série “Mermaid Avenue” deu ao público clássicos do Wilco, como “California Stars”, por exemplo.
As gravações do terceiro álbum da banda, “Summerteeth” — disco lançado em 9 de março de 1999 e que ganha edição de luxo repleta de extras em 2020, após os relançamentos de “A.M.” e “Being There” nos mesmos moldes, em 2017 — foram, no mínimo, inusitadas. Quando as canções pareciam prontas, Tweedy e Bennett, turbinados por estimulantes variados, passavam mais uma noite no estúdio desconstruindo e reconstruindo as faixas, como uma dupla de “Brian Wilsons” do fim do século XX.
Não se pode dizer que a obsessão dos músicos-transformados-em-produtores não deu resultado: “Summerteeth” foi mais um grande disco, recebido com críticas positivas e capaz de agradar a base já conquistada de fãs, ao mesmo tempo em que conseguiu atrair novos admiradores. Com canções fortes como “A Shot In The Arm”, “Via Chicago”, “How To Fight Loneliness” e “I’m Always In Love”, “Summerteeth” mostrava uma banda que procurava se desvencilhar das influências country herdadas do Uncle Tupelo e mergulhar no rock contemporâneo. O álbum foi o primeiro a contar com o multi-instrumentista Leroy Bach, que tocava com a banda desde 1997, substituindo Bob Egan, responsável pelo pedal steel nas apresentações ao vivo.
Entre “Being There” e “Summerteeth”, um novo fenômeno invadiu as FMs e a MTV: os Wallflowers — banda liderada por Jakob Dylan, filho de um dos maiores ídolos e referências de Tweedy, Bob Dylan —, ganharam o mundo com hits como “One Headlight” e uma versão para “Heroes”, de David Bowie. O próprio Dylan-pai passava por um bom momento com o lançamento de “Time Out Of Mind”, disco que levou o Grammy de Álbum do Ano em 1997. Comercialmente, era o momento perfeito para o Wilco dar o salto que todos esperavam.
Os executivos da Reprise ficaram divididos: enquanto alguns gostaram do que ouviram — “Summerteeth” soava como um disco capaz de arrebatar as massas, tinha sensibilidade pop sem deixar de ser autêntico e autoral — outros temiam perder os fãs mais apegados à faceta country do Wilco. É verdade que os temas abordados nas letras eram um tanto mórbidos, com músicas que falavam de solidão, crises em relacionamentos, assassinatos a sangue frio e violência doméstica — a esposa de Jeff, Sue Miller, teve que desmentir boatos de que era agredida pelo marido. Intencionalmente, Tweedy e Bennett suavizaram as canções na produção, tornando-as mais leves e menos agressivas do que as letras sugeriam. Ainda assim, a gravadora via “Summerteeth” como um álbum com personalidade, que estava previsto para ser lançado no momento ideal, quando os ouvidos do público estavam abertos para o som que a banda fazia. Mas faltava algo: uma música que pudesse ser um hit certeiro, infalível. Uma faixa que fizesse do Wilco “o novo Wallflowers”.
A preocupação era muito mais comercial do que artística, como costuma ser nas grandes gravadoras. Para piorar a situação, fusões e vendas envolvendo o grupo Warner deixaram a empresa com débitos de bilhões de dólares na época, o que tornava apostas em gênios criativos muito mais arriscadas. Nessa hora, Tweedy foi procurado para “vestir a camisa da firma” e contribuir para tornar “Summerteeth” um disco mais fácil de ser vendido.
Gary Briggs, gerente da Reprise, recebeu a indecorosa missão de viajar a Chicago e perguntar ao compositor se ele poderia “entregar uma ‘One Headlight’”. Pela primeira e única vez na carreira, o músico topou compor uma canção com o objetivo exclusivo de torná-la um hit. Assim nasceu “Can’t Stand It”, que foi pensada para ser o carro-chefe de “Summerteeth”, o primeiro single do álbum, a música que tornaria o Wilco uma banda gigante. O chefe do departamento artístico da gravadora na época, David Kahne — responsável por sucessos de Sugar Ray e Sublime —, encarregou-se pessoalmente de produzir a faixa ao lado de Tweedy.
Embora tenha sido elaborada de forma completamente diferente da ética de trabalho da banda, não se pode dizer que “Can’t Stand It” soe alienígena em “Summerteeth”. Se a faixa é superproduzida, com direito a sons de sinos e outros efeitos, o restante do disco também é repleto de texturas sonoras (provenientes de sintetizadores Moog e Farfisa, harpas e outros instrumentos) — algo que viria a ser corriqueiro no som da banda daquele ponto em diante. Anos depois, Tweedy diria que trabalhar com Kahne havia sido uma experiência comparável a “ir ao dentista”.
Tanto a gravadora quanto a banda ficaram satisfeitas com o resultado da faixa, mas não dá para afirmar que seus objetivos comerciais foram alcançados. O single entrou no top 5 das paradas Triple A (Adult Album Alternative), voltadas a um público mais velho do que o consumidor de rock padrão, mas “Outtasite (Outta Mind)” já havia feito o mesmo três anos antes. “Can’t Stand It” também figurou no top 10 de rádios dedicadas ao rock, mas não conseguiu se destacar nas paradas de música alternativa — o objetivo principal da Reprise naquele momento. No fim das contas, “Summerteeth” vendeu menos do que seu antecessor, levando quatro anos para chegar às 200 mil unidades comercializadas.
A dificuldade em vender a música do Wilco para o grande público azedaria de vez as relações entre banda e gravadora nos anos seguintes, mais precisamente após o grupo entregar seu álbum posterior, “Yankee Hotel Foxtrot”. Considerado a obra-prima da banda, o disco foi rejeitado pela Reprise e, numa dessas ironias do mundo dos negócios, acabou sendo lançado pela Nonesuch Records, outra subsidiária da Warner. A essas alturas, a relação de Tweedy e Bennett também iria para o saco e quase toda a banda seria substituída nos anos seguintes — o que foi captado pelas câmeras do documentarista Sam Jones no filme “I Am Trying To Break Your Heart”. Mas essa história fica para outra reportagem…
Após “A.M.” ser reeditado com nove faixas a mais e “Being There” ser relançado num box com 5 CDs e 39 faixas extras, agora é a vez da reedição de “Summerteeth” chegar às lojas e plataformas digitais (em 6 de novembro de 2020). São 4 CDs — um com o álbum original remasterizado, um disco com versões demo e sobras de estúdio, e dois com gravações de um show em Boulder (EUA), em novembro de 1999. A versão em vinil conta com cinco LPs e substitui o show na cidade do Colorado por uma apresentação na loja Tower Records em março de 1999, dois dias após o lançamento original do álbum. Uma versão alternativa da faixa “Summer Teeth” chegou às plataformas de streaming no dia 2 de setembro de 2020 e pode ser ouvida aqui.
Outras novidades são o lançamento do novo álbum solo de Jeff Tweedy, “Love is the King”, gravado durante o período de lockdown em função da pandemia do novo coronavírus, e um livro escrito pelo músico também ao longo dos meses de confinamento, “How to Write One Song”. Com 11 canções, incluindo a faixa-título e “Guess Again”, o disco chega no dia 23 de outubro, enquanto o livro tem lançamento previsto para uns dias antes, disponível a partir de 13 de outubro.
Entrevista: John Stirratt (Wilco), por Leonardo Tissot
Foto: John Stirratt no Auditório Ibirapuera por Liliane Callegari
O baixista John Stirratt, único membro original do Wilco além de Jeff Tweedy, relembra os primeiros dias da banda, fala sobre a visita ao Brasil em 2016 e revela que o grupo pode gravar um novo álbum no começo de 2021 — mesmo a distância. Confira o papo que rolou via e-mail com a reportagem do Scream & Yell.
Após o fim do Uncle Tupelo, em 1994, você formou o Wilco com Jeff Tweedy e outros músicos. Agora, 25 anos depois do lançamento do primeiro álbum da banda, “A.M.” (1995), você é o único membro original ainda no grupo além de Jeff. Como vocês decidiram continuar tocando juntos?
Com o fim do Uncle Tupelo, Jeff veio até mim, Ken (Coomer, baterista) e Max (Johnston, multi-instrumentista), e falou de forma bastante firme que tinha interesse em continuar com a banda. Havíamos acabado de nos fortalecer como um quinteto e sentíamos que havia química entre nós, então ele estava pronto para mergulhar diretamente em uma versão rebatizada do que estávamos fazendo. Foi ótimo, porque todos nós estávamos nos divertindo muito e, por um momento, parecia que tudo iria acabar logo após ter começado.
Quais são suas lembranças mais vívidas sobre as sessões de gravação de “A.M.” e como você vê o disco 25 anos após seu lançamento?
Eu tenho memórias nítidas do primeiro registro sonoro do Wilco, que foi a versão de “I Must Be High” que está no disco — nós nos preparamos, ligamos os equipamentos e mandamos ver. A música acabou ficando muito boa, foi um bom começo. A outra faixa de que eu tenho mais lembranças é a minha composição, “It’s Just That Simple”, já que foi muito divertido tocá-la ao vivo com a banda e também com Lloyd Maines (músico e produtor texano), que tocou pedal steel no disco.
Falando em “It’s Just That Simple”, essa é a única faixa do Wilco até hoje em que você canta sozinho. Quais as chances de ouvi-lo cantando em uma música da banda no futuro?
Seria incrível, apesar de que agora estou com uma ideia fixa de fazer qualquer gravação do Wilco ocorrer durante a pandemia. Mas já andamos brincando com algumas coisas no estúdio, usando outras vozes.
Tanto “A.M.” quanto “Being There” (1996) foram relançados em edições de luxo em 2017. “Summerteeth” (1999) terá uma nova versão em 2020. Quais seus lados B favoritos desses álbuns?
“Summerteeth” será relançado esse ano com algumas ótimas faixas-bônus e gravações ao vivo. Fiquei feliz de ver “Myrna Lee” e algumas outras composições minhas no relançamento de “A.M.”. Fizemos muitas demos na época.
É possível resumir os 25 anos da banda em um único grande momento? Qual seria?
É uma boa pergunta, e gostaria de poder resumir tudo o que vivemos em uma história ou memória. Uma coisa sobre a qual eu sempre penso a respeito é a gravação das bases para “Sunken Treasure” durante as sessões de “Being There”. Lembro de me emocionar com a música ao perceber que estávamos fazendo algo duradouro e visualizar o potencial de uma carreira de longo prazo com a banda.
Quais as lembranças da sua última passagem pelo Brasil, em 2016? Você e Pat (Sansone, multi-instrumentista do Wilco) tiraram fotos com o pessoal nas ruas do Rio e de São Paulo, além de fazerem shows incríveis.
Lembro de um maravilhoso clube de samba que visitamos em São Paulo e de respirar música em qualquer lugar no Brasil. A única coisa que chega perto dessa sensação no mundo é New Orleans.
Esclareça uma coisa pra gente: naquele ano, Jeff foi entrevistado por um jornal brasileiro e disse que a canção “Hate It Here” é um entre centenas de arrependimentos que ele tem em relação à banda. Os fãs nunca entenderam muito bem esse comentário. Vocês realmente não gostam da música ou ele estava zoando?
Acredito que ele estava fazendo alguma piada, já que ele costuma ser bastante auto-depreciativo de forma engraçada às vezes. Acho que nessa música ele estava tentando escrever algo bem direto, em tom conversacional, evitando ao máximo ser enviesado, que é o tipo mais difícil de composição que existe — assim como em “Passenger Side”, por exemplo. Não acho que ele desgoste da canção de forma alguma.
Além de ser baixista do Wilco e tocar na banda The Autumn Defense, agora você também é um homem de negócios e tem seu próprio hotel em North Adams, no estado de Massachusetts. Como tem sido essa experiência? A vida na estrada com uma banda tem alguma influência no seu trabalho?
Sempre gostei da questão da hospitalidade, de dar um lugar para as bandas ficarem no começo de nossa carreira e tal… Mas ver algumas iniciativas como a rede Ace Hotels e o Bunkhouse Group, em Austin (Texas), me inspirou a criar um hotel que se comunicasse com pessoas como eu, da minha faixa etária. Há muitas similaridades entre trabalhar com música e hotéis, é basicamente como criar um álbum que você gostaria de ouvir — mas, nesse caso, criar um espaço em que você adoraria se hospedar.
Em situações normais (sem pandemia), o Wilco é uma banda que faz muitas turnês. Como você concilia ambas as carreiras?
Descobri que fazer negócios e estar em uma banda de rock é mais fácil do que eu pensava. Nossos dias costumam ser totalmente livres antes da hora do show, e é possível fazer muitas coisas, especialmente trabalho administrativo. O grande desafio sempre foi lidar com o tédio de esperar para subir ao palco. Para qualquer um que tenha família, fica fácil entender que dá para fazer muito mais na estrada do que ficando em casa.
No DVD “Ashes of American Flags”, lançado há 11 anos, Jeff diz em uma entrevista que, apesar de não querer mais alterações na formação do Wilco, ele acreditava que a banda poderia sobreviver a mais uma mudança — desde que você, John, continuasse no grupo. Desde então, a banda permanece a mesma. O que você pensa a respeito? O Wilco poderia sobreviver a novas mudanças de formação?
Eu lembro de o Jeff dizer isso, foi muito legal da parte dele. Mas acredito que, a essa altura, o Wilco poderia continuar de forma indefinida como marca, desde que ele continuasse na banda.
Para finalizar, quais os planos da banda para o futuro? Após o adiamento da turnê com o Sleater-Kinney para 2021, vocês têm planos de voltar ao estúdio, já que não é possível fazer shows por enquanto?
Eu acho que o Wilco vai tentar gravar um disco de forma remota durante o inverno e ver se isso funciona. Tentamos algo parecido com a canção “Tell Your Friends” e o resultado foi muito bom.
– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo