Zona para Respiradores #09, por L. Lyra
A carreira solo de Ringo Starr, o clown do rock
(uma playlist inspirada na coluna / leia as colunas anteriores)
Hoje é dia de Ringo Starr, o beatle preferido da Zooey Deschanel em “500 Dias com Ela“, e o beatle preferido de quem não se importa muito com técnicas de gravação (você prefere as versões mono ou stereo? como o George Martin teve a ideia de colar fitas umas nas outras ou reverter os vocais do Lennon? etc), progressões de acordes (aquela sequência de acordes de “Something” que reaparece em “Para Lennon e McCartney”, do Clube da Esquina, e depois na lô borgeana “Dois Rios”, do Skank), ou aqueles trocadalhos geniais do tipo apaulínio e johnisíaco.
Ringo Starr é o clown do rock.
Não apenas um palhaço, Ringo também é um sobrevivente. Do coma na infância à prova de fogo para entrar nos Beatles, passando pelo ostracismo da metade dos anos 70 até os 90, ele resistiu a tudo, inclusive ao Coronavírus (12 semanas isolado, e com um quartinho muito bom pra tocar bateria, como contou numa entrevista à Rolling Stone dias atrás).
Então, enquanto o próximo hangout não vem, vamos de Ringo, num zoom pelos seus momentos mais estrelados. Sua carreira solo chega a duas dezenas de disco (descontando compilações), com muita coisa descartável e muita coisa mediana, embora na maioria das vezes ele esteja sempre acompanhado dos melhores músicos daquele ultrapassado estilo conhecido como rock.
Na fase Apple, temos seus primeiros quatro discos solos. Tudo é bem feito, muitas canções são animadíssimas, com piano, metais, coro de backing girls, palminhas e letras inócuas. Nada é ruim (ok, nem o próprio Ringo teria coragem de criar uma manic-pixie-dream-girl cujo álbum preferido fosse “Sentimental Journey”), mas nada é muito bom. As melhores, claro, são as compostas com uma ajudinha de seus amigos Paul, George e John – o que, convenhamos, não é demérito pra ninguém.
“Goodnight Viena” (1974) tem várias músicas cujo refrões não passam de “ô-ô-ô”. A melhor é “Occapella” com seu código de videogame: Da-da-da-da-da-da-da, jabba dabba dabba dabba di dah.
Além disso, temos também “Back O”ff Boogaloo”, inspirada por Marc Bolan, e co-escrita por George Harrison. Nem precisava dizer, né, basta ouvir a slide guitar pra sacar a autoria:
Outra da leva ex-beatle é a genial “Im The Greatest”, composta por Lennon, que está no melhor disco de Ringo, justamente chamado “Ringo” (1973):
“Early 1970” também tem umas boas sacadinhas, na forma de chamar os instrumentos pra participarem da canção:
“Time Takes Time” (1992) é um de seus trabalhos mais consistentes. Já abre com “Weight of The World”, que dá o tom do disco todo, uma canção que poderia estar num compilado do Tom Petty ou dos Travelling Wilburys:
“Vertical Man” (1998) segue na mesma linha, um bocado mais experimental mas com menos inspiração, caso de “Mindfield”, que não existiria sem o seu trabalho pioneiro nos anos 60, e da faixa-título:
Até mesmo a slide guidar do George lembra os seus momentos sem brilho na carreira solo. Nem Paul McCartney salva “La de da”. A diferença entre uma canção dos Beatles e uma do Ringo Starr é a mesma entre “Yesterday” e “Scrambled Eggs”. E quando Ringo se torna mais pretensioso e megalomaníaco, como neste disco, ainda falta a genialidade dos seus amigos pra subir a fasquia.
Vamos deixar o “I Wanna Be Santa Claus” pra dezembro. Avançando pra próxima década, “Ringo Rama” tem o apoio dos caras que moravam na vizinhança: Eric Clapton e David Gilmour. No entanto, a união de forças não resultou em nada além do razoável. E ainda assim, a homenagem ao amigo George, morto dois anos antes, é de comover:
Aos 63 anos, Ringo ainda estava cantando “Love first, ask questions later”. Dois anos depois, em “Choose Love”, a ladainha é a mesma, basta ler os títulos das canções pra perceber o que vem pela frente: “Me and You”, “Satisfied”, “Free Drinks”. O destaque vai pra “Wrong All The Time”, que aquece o coração graças a Billy Preston:
Mais um álbum que não faz feio, mas também não brilha. Toada que segue em “Liverpool 8” e seus “la-la-la”. “Y Not” e “Ringo 2012” são dispensáveis. “Postcards From the Paradise” (2015) com efeitos auto-tune nos vocais, “Give Me More Love” (2017) com mais efeitos auto-tune nos vocais e “What’s My Name” (2019) – adivinha? – encerram outra década bastante opaca.
Todo mundo tem uma história preferida do Ringo. A minha está no documentário “Anthology”. Durante as gravações do “White Album”, em 1968, a coisa andava tão feia que o Ringo saiu do grupo, pois se sentia desprezado pelos outros. Então finalmente os três restantes pediram a um assistente pra encher a bateria do Ringo de flores e assinaram um bilhete que dizia: “Você é o melhor baterista do mundo. Volta, nós te amamos”. Era essa magia que o Ringo não conseguiu recriar em sua carreira solo:
Não sei bem se foi proposital, mas senti falta de citações a It dont come easy, photograph, a canção que o Raul Seixas passou a mão, três grandes sucessos.