Entrevista por Homero Pivotto Jr.
A concepção bastarda da música extrema e sua filiação com o grindcore estão enraizadas na árvore genealógica da carreira de Shane Embury. E agora, o baixista do Napalm Death ameniza a dor que foi a morte do pai dando luz a um novo projeto. É o Dark Sky Burial, menos agressivo que outros grupos dos quais ele faz parte (como Brujeria, Lock Up e Venomous Concept, para citar alguns), mas tão intenso quanto.
O Dark Sky Burial destaca uma veia mais experimental, de ambiências e elementos eletrônicos que passeiam entre o meditativo e o perturbador. Conforme Shane, perder-se em repetições de batidas e melodias, que agora são paridas ao mundo na forma do álbum “De Omnibus Dubitandum Est” (2020), foi terapêutico. Uma necessidade de expressar inquietações que a passagem do progenitor deixou, somadas à ânsia musical que há anos tem sido gestada de forma eclética.
Acionamos o músico — que foi também baterista do Unseen Terror, não esqueçamos — com o intuito de entender a gênese do DSB. Criatura educada, atendeu com trato fraternal a solicitação por e-mail para comentar a nova iniciativa. Sem parto, nasceu uma entrevista com perguntas de ocasião e pronto retorno. Na transcrição que segue, ele reafirma que sempre foi adepto de estilos variados, admite que os anos recentes não têm sido lá nenhuma maravilha e faz um boletim de como andam suas empreitadas sonoras.
Algumas pessoas consideram estranho um cara como você, reconhecido por integrar bandas extremas, dedicar tempo a um projeto ambient \ experimental \ eletrônico. Mas soa um tanto natural para quem acompanha sua carreira. Lembro-me de ver fotos suas usando camisetas de grupos não necessariamente do metal/ hardcore e congêneres, tipo Cardiacs, Cocteau Twins e Jane’s Addiction. E isso em um tempo no qual se corria o risco de ser considerado não ‘trOO’ por banalidades assim — ainda mais para alguém que toca baixo em bandas barulhentas. Lembra como e por que começou a curtir sonoridades mais experimentais? E como essa predileção repercutia entre amigos da música que eram mais xiitas?
Os fãs do Napalm provavelmente não se dão conta de que desde os tempos do “From Enslavement to Obliteration” (segundo disco do ND, de 1988) os quatro integrantes da banda curtem todos os tipos de música. Meus gostos sonoros não mudaram, apenas cresceram a ponto de incorporar outros gêneros. Para mim, é sempre ótimo ouvir diferentes estilos. Sou um músico incansável e, quanto mais velho fico, isso tem influência no que vou me tornando, para melhor ou pior. Adoro loops, ruídos e sons eletrônicos, e tenho trabalhado com isso por 30 anos ou mais. Sempre sonhei em fazer algo como o Dark Sky Burial. Isso (ecletismo) não tem muita repercussão entre o pessoal das bandas com quem trabalho. Mas Nick (Barker, bateria, também do Brujeria, ex-Cradle of Filth e ex-Dimmu Borgir) e Anton (Reisenegger, guitarra), ambos do Lock Up, parecem confusos com minhas predileções certas vezes. Eles adoram todos os tipos de rock e metal, mas eu vou além (ha!).
Qual razão para lançar agora uma iniciativa como o DSB? Foi algum tipo de necessidade ou por considerar apropriado aos tempos em que vivemos?
Tenho trabalhado no Dark Sky Burial por cinco anos — pelo menos na ideia e no conceito, suponho. E sem tentar soar pomposo, é uma extensão do meu pensamento cotidiano, só que em forma de música. As ideias para os temas vêm se formando, de uma forma ou de outra, há uns três anos. Muitas foram agrupadas na estrada. As faixas, inicialmente, são baseadas em repetições. É fácil se perder nisso e criar uma nova composição por dia. Tanto que tenho outros três ou quatro discos registrados não profissionalmente. E sim, o período em que vivemos parece apropriado para as paisagens sonoras do BSB.
Tronos, outra de suas tantas iniciativas, já mostrava elementos mais etéreos e viajantes que se fazem presentes no DSB. Pode-se dizer que o segundo é uma evolução/ progressão do primeiro?
Tenho pensado com o passar dos anos, durante a noite, que o DSB é como um primo distante do Tronos. Isso porque parte das minhas melodias ou assinaturas sonoras, se você puder chamar assim meus sons, aparecem em composições que escrevo. Provavelmente no próximo Tronos possamos ouvir mais partes eletrônicas misturadas com as pesadas. Estou em uma montanha russa de criatividade ultimamente, e me considero sortudo por isso.
Você fez composições para o DSB rodando o mundo e gravou “De Omnibus Dubitandum Est”, primeiro álbum, no seu estúdio em casa. Como é o processo de criação na estrada? E por que registrar o disco de estreia em home studio?
Tenho milhões de sons no meu laptop comigo, e quero realmente acessar gravações na estrada para fazer a coisa andar. Mas o tempo pode ser limitado ao que consigo realmente mixar em turnê. Então, em casa, com isso em retrospectiva e sem distrações, novas ideias aparecem. Além disso, com os alto-falantes do estúdio eu consigo ter uma panorâmica melhor dos temas. E tocar os sons bem altos! É um processo de aprendizado para mim e tenho um longo caminho a percorrer na medida em que cada álbum se desenvolve.
Apresento um programa chamado “O Ben para todo mal” no qual converso com gente da música sobre filhos e som. Sei que você tem duas crianças e espero entrevistá-lo pessoalmente em algum momento. Por ora, gostaria de saber: como é trabalhar com música em casa, principalmente nas gravações do DSB, tendo dois pequenos no lar? Você costuma ouvir canções que gosta com seus filhos?
Tenho um estúdio separado para minha música, que é uma antiga casa onde os caras do Napalm moravam. Agora, eu e um amigo somos donos do local. Às vezes, as crianças se juntam comigo. Meu filho Hiro é muito inspirador, e as crianças amam música!
Você trabalhou com o produtor e amigo de longa data Russ Russell, que já produziu inúmeros registros do Napalm Death. Qual foi o papel dele em “De Omnibus Dubitandum Est”?
Russ masterizou o disco para mim e acrescentou algumas frequências e conexões para que o álbum ficasse coeso e suave entre as faixas, o que é ótimo. Se ganhasse na loteria, iria comprar um castelo nas montanhas para fazer música doida com ele. Sempre brincamos sobre isso.
Houve algum critério para escolher a sequência das faixas? A impressão que passa é que o primeiro tema (“Commands from Beyond”) é calmo como uma canção de ninar. Já na sequência escutamos a faixa-título e suas batidas abruptas, quase como um pesadelo. O resto é uma viagem pelo eu interior do ouvinte em uma montanha russa de sensações.
Eu estaria mentindo se dissesse que os últimos anos têm sido fáceis (a vida não é uma jornada simples para ninguém, certamente). Meu pai faleceu e isso teve um efeito em mim e na minha percepção do período restante neste mundo. Eu costumo ver o que cada dia tem a oferecer. Essas faixas se manifestaram ao longo do tempo, sendo como a beleza da reflexão. Creio que não houve critérios, a não ser fazer músicas que me ajudem a pensar e ver a vida como ela é naquele momento em particular. É bastante útil.
Devem rolar apresentações ao vivo, mesmo sendo apenas você?
Sem planos para isso. Penso que o DSB é capaz de seguir adiante em direções que possam estar associadas com performances ao vivo. Mas não agora.
Outros ex-membros do Napalm, como Justin Broadrick (Godflesh, Jesu, JK Flesh), Mick Harris (Scorn) e até o Mitch Harris (com o Menace) já se aventuraram por esse caminho mais experimental. Troca ideias e percepções de sons com eles?
Não faço isso, mas amo as abordagens deles. O DSB, para mim, é algo terapêutico. Desde que meu pai morreu a necessidade de me expressar por esse meio cresceu a cada dia. É meditativo fazer as repetições. Perco-me nas sonoridades, e os títulos, geralmente, são criados espontaneamente na hora. Soa brega, mas às vezes me sinto possuído.
Falando em Mitch, ele está bem? Gravou o disco novo do Napalm Death que deve sair este ano, chamado “Throes of Joy in the Jaws of Defeatism”? Ele deve voltar a tocar ao vivo com vocês?
Ele tocou no novo álbum, mas não compôs nenhuma música, infelizmente. Escrevi 22 faixas para esse disco do Napalm, e ele (Mitch) ajudou com algumas partes de guitarra. Duvido que o Mitch volte a tocar ao vivo com a gente, mas nunca se sabe. As razões dele não estar com o Napalm são muitas, mas dá para dizer que a vida ficou pesada para o cara. Ele é um irmão e nos falamos por Skype quando possível. Há um intenso acordo tácito entre nós, sabemos que somos grandes amigos. Quando conversamos, parece que o tempo parou desde a última vez que interagimos.
Para fechar, nos atualize sobre os projetos do qual você faz parte:
Juan Brujo está gravando as vozes para o quinto álbum do Brujeria. Em julho/ agosto deve sair disco do Venomous Concept. Com o Tronos, temos gravado algumas novas ideias. Talvez role um novo registro do Born to Murder the World. Já do Napalm Death, esperamos que saia o trampo novo até setembro. No momento é isso, mas sempre tenho algo em andamento.
– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.