entrevista por Leonardo Vinhas
entrevista publicada em 16 de maio de 2003 na versão 1.0 do Scream & Yell
Em toda a cena do “novo rock americano”, o nome Interpol destoa de seus concidadãos nova-iorquinos White Stripes e Strokes por uma razão muito simples: enquanto essas duas bandas (e mais um monte de imitadores) buscam inspiração nas frescuras glitter e hard, o quarteto que emprestou seu nome do órgão policial internacional prefere as frescuras do pós-punk inglês, notadamente Joy Division (no som) e nos new romantics (no cuidado com a imagens, ainda que com ternos escuros substituindo as plumas rosadas).
Daniel Kessler (guitarra), Carlos Dengler (baixo), Paul Banks (bateria) e Sam Fogarino (bateria) já estão de saco um pouco cheio dessas associações, mas o fato é que a audição do álbum de estreia “Turn On The Bright Lights” (2002, Matador/Trama) e uma espiada nas fotos de divulgação confirmam essas idéias. Claro, o espectro sonoro engloba outras influências (Television e Echo and The Bunnymen, por exemplo), mas é inevitável a associação com as sonoridades soturnas do fim dos anos 70 e começo dos 80.
O vocalista Daniel Kessler atendeu ao Scream & Yell por telefone e insistiu, de forma um tanto repetitiva, que a personalidade da banda é mais forte que as comparações. Bastante articulado e falante, o discurso e a postura de Kessler fazem jus à imagem que a banda veicula. Ouça você “Turn On The Bright Lights” para conferir se o mesmo se aplica ao seu som…
Daniel, que tal estar na Matador?
Ótimo, bom mesmo, estamos muito felizes aqui, é uma boa gravadora que conta com boas bandas e nos trata com atenção e cuidado.
Em uma entrevista recente para o Brasil, o baterista Sam Fogarino declarou estar cansado da superficialidade com que jornalistas tratam a banda, enfocando exclusivamente a semelhança de seu som com o do Joy Division e seu cuidado com a aparência. Isso realmente incomoda vocês?
Não que seja esse o único foco, mas acaba sendo o mais recorrente. O problema não é tocar nesses assuntos, mas sim a maneira como eles são abordados. Você sabe, jornalistas têm que manter seus leitores para continuarem com seus empregos, e por isso eles insistem em assuntos fáceis e de interesse geral. E é por isso que ficam insistindo em questões de aparência, em como nós nos vestimos e como encaramos isso. Nos perguntam as mesmas coisas 3.000 vezes, e tentamos sempre responder da maneira mais diplomática possível, mas quando você faz perguntas que não são muito interessantes, acaba obtendo respostas não muito interessantes. Se você faz perguntas mais elaboradas, não vai ter as respostas mais comuns, e seria bom que explorassem melhor essas questões com perguntas mais profundas e mais interessantes. Não é um incômodo, portanto, mas é repetitivo e às vezes cansativo.
Sam também disse que a turnê que vocês estão fazendo parece interminável. Isso chega a desanimar?
Você preferiria estar falando com o Sam, pelo visto, então deveria perguntar isso a ele para saber (risos – só por parte dele…). Brincadeira. A turnê realmente é extensa e vai levar muito tempo. Se você olhar nosso planejamento, vai ver que daqui a muitos meses ainda estaremos excursionando e viajando para lugares diferentes. Claro que isso cansa em alguns momentos, e até podemos dar uma certa desanimada por pouco tempo, mas isso não quer dizer que será algo permanente. Os garotos têm sido os melhores possíveis, têm aproveitado muito nossas apresentações, e realmente gostamos do que fazemos no palco. Estaremos ainda excursionando por muito tempo, mas como gostamos muito do que fazemos e temos boa resposta do público, não acho que estaremos desmotivados para tocar ao vivo, onde quer que seja.
Há alguma banda nova de quem vocês possam se considerar próximos, bandas que vocês possam colocar junto ao Interpol?
Bandas com quem excursionamos?
Não, bandas em geral, cujo trabalho vocês julguem próximo do seu. Imagino que não seja nada do tipo White Stripes, Strokes ou outras bandas de Nova Iorque, que a crítica insiste em “agrupar”…
Ora… pelo som, creio que nenhuma. Fazemos o que gostamos, o que sabemos fazer, e música é uma coisa tão pessoal que esse tipo de semelhança não é algo que procuremos. Nossa música é verdadeiramente pessoal, e não escutamos outras bandas procurando proximidade ou pontos comuns ao que fazemos. Fazemos o que sabemos, e acho que isso nos torna muito pessoais e diferentes de outras bandas. Claro que há bandas novas muito boas, como uma banda de Nova Iorque chamada Colla, uma banda nova muito boa, e outros grupos novos de Nova Iorque, que são muito bons e criativos. Mas o nosso som é algo que fazemos por nós e para nós mesmos, não estamos interessados em semelhanças. (Nota: o entrevistador achou melhor nem dizer que Sam julga a banda próxima aos Delgados…)
E o que você tem ouvido ultimamente?
Discos? Hmm, algumas coisas antigas de dub, como um grupo obscuro chamado Gappa, Spacemen 3, Wilco (Nota: … e uma sequência interminável de bandas independentes obscuras que fariam a alegria dos caçadores de estranhezas).
E de música brasileira, há algo que o atraia?
(Entusiasmado) Sim, sim! É uma das razões de eu querer ir aí (Brasil) um dia! Há muitas coisas boas que foram produzidas nos últimos anos, a música eletrônica brasileira é muito boa, algo que realmente gosto de ouvir. Há ótimos DJs, como Patife (pronunciado de uma intrasncritível maneira), e ótimos artistas como Bebel Gilberto, M4J e Suba, um trabalho muito interessante e rico.
Você é o terceiro ou quarto artista americano que me menciona Suba. Parece que ele está ficando meio popular por aí? (risos – dessa vez, só do entrevistador)
Não, longe disso, esse tipo de música é bem pouco conhecida e divulgada por aqui. É que artistas tendem a manter contato entre si, trocando informações sobre discos e artistas interessantes que venham de outros lugares, por isso acabamos conhecendo músicas como a desses brasileiros graças às trocas que fazemos um com o outro. E é algo que nós quatro do Interpol gostamos, então o que um consegue, acaba divulgando aos outros. Suba é um que habitualmente agrada a todos que o ouvem por aqui.
Sim, ele tinha um trabalho interessante, mas infelizmente faleceu em 2001 antes que pudesse seguir em frente.
Mesmo? Lamentável, eu não sabia disso.
Aqui no Brasil, vocês estão sendo apresentados ao público com os clichês que vocês já se cansaram: uma banda de forte influência pós-punk, principalmente do Joy Division, e muito preocupada com o visual. Vocês acham que isso pode prejudicar o entendimento de sua música?
Não. É como eu disse: fazemos o que gostamos e o que sabemos, sabemos que nosso som é pessoal e muito particular, e que os jornalistas tendem a ter a mesma apresentação superficial para nosso trabalho porque é mais fácil. Nós somos quem somos, e isso inclui a preocupação com o visual, não só no modo como nos vestimos, mas também nos vídeos, no nosso web site, no projeto gráfico do disco. Mas, pelos jornalistas, é como se disco em si não merecesse tanta discussão como isso. É certo que realmente damos mais atenção ao visual e à apresentação porque nossa música é uma coisa muito pura e muito espontânea, que não precisa de tanta atenção de nossa parte. Fizemos nosso álbum como quisemos, ele não é muito produzido porque assim o quisemos, mas ele mostra muito claramente nossa identidade e o que gostamos de fazer, e também nos dedicamos muito aos nossos shows. Por isso nos preocupamos mais com nossa criação e com nossa apresentação do que com o que escrevem sobre a gente. Podem escrever o que quiserem, podem insistir nas mesmas abordagens, o fato é que nossa música é muito autêntica e pura e quem nos ouve pode ter sensações proporcionadas pela música, sensações que não serão afetadas pelo que as pessoas escrevem sobre nós. Se a gravadora quer nos vender assim no Brasil, não nos importamos. Quem nos ouve pode sentir nossa música e senti-la independente de conceitos prontos.
Sei que é cedo para falar sobre isso, mas você pode adiantar o que seria diferente do “Turn On The Bright Lights” no próximo disco?
Não dá para dizer, é difícil explicar nossa abordagem, a forma como criamos nossas músicas. Nós predizemos ou antecipamos o que vamos fazer, tocamos a música que gostamos e que que temos vontade, de uma forma pura e natural que acaba expondo como somos. Então não estamos preocupados com isso agora, nem estaremos quando formos compor para o próximo álbum. As canções saem naturalmente, e sempre nos agradam.
Bem, Daniel, é só. Muito obrigado pelo seu tempo e atenção.
De nada. Ei, tenha certeza que queremos muito tocar aí. E certifique-se de que nosso som será entendido pelos brasileiros, não importa como nos apresentem. Mas lembre-se que nós não somos uma banda vazia, temos uma música que pode ser sentida pelo público brasileiro e queremos muito que esse público nos veja ao vivo.
Tem sido difícil para artistas estrangeiros virem ao Brasil. Alguns estão com medo de voar por causa do conflito entre Iraque e Estados Unidos, outros são economicamente inviáveis, já que a taxa de câmbio entre o dólar e nossa moeda está muito alta. Mas é claro que há um interesse por parte dos brasileiros em vê-los ao vivo.
É uma pena haver esses problemas. Mas se conseguirem contorná-los, estaremos aí.
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“Turn On The Bright Lights” (Matador/Trama)
resenha por Marcelo Costa
16/05/03
Ok, ok. Eu vou fazer o possível para ser o menos chato possível nesta resenha. “Turn On The Bright Lights” não é só uma bela capa e os caras não só se vestem bem. O som que sai pelas caixas acústicas faz o ouvinte retornar no tempo, buscando tristezas perdidas ou, muitas vezes, a própria adolescência.
Não vou ser outro a enfileirar o número de bandas a quem o Interpol paga tributo em “Turn On The Bright Lights”. É só ouvir a linha de baixo e lembrar de uma. Pegar canções indistintas como “Obstacle 1” ou “NYC” e reconhecer a voz de outro. É olhar as fotos é reconhecer a influência.
Assim, se em termos de originalidade a banda deva um bocado no cartório pop, a questão que fica é: eles fazem isso bem ou não? Sim. O quarteto estudou direitinho seus objetivos. O instrumental é pesado, gélido, rock. O vocal emociona. Os arranjos matam a pau.
Desde que saiu no Brasil, “Turn On The Bright Lights” tem feito uma boa carreira nas lojas indies paulistanas. Chegou a esgotar uma primeira tiragem e continua sendo um dos destaques de 2003, isso sem tocar nenhuma canção em rádio. Até isso o Interpol conseguiu ressuscitar: a divulgação boca a boca.
O único detalhe que incomoda nessa releitura toda é, um-dois-três: história. Sabe todas as tais bandas que muita gente associa ao Interpol? Então, elas são beeeemmmm melhores. Se tivesse surgido na virada da década de 70 para os 80, o Interpol com certeza figuraria entre as grandes bandas da história da música pop. Com 20 anos de atraso, o grupo consegue uma boa sacudidela na memória. Você lembra? Não? Nem tinha nascido?
Desculpa ai, eu estou velho demais… e chato.
Mas que fique dito que é um bom disco…
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
– – Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne..
interessante ler essa matéria depois de 17 anos. interpol mostrou que, de fato, não era só uma banda vazia que pegava inspiração de outras. o vocal do paul, os arranjos do daniel e as batidas do sam tornam essa banda única e boa até hoje, sobrevivendo e produzindo bons álbuns há mais de 20 anos (como poucas bandas hoje em dia).
Li a matéria achando que era recente, quando cheguei na parte do “tem sido difícil para os artistas virem ao Brasil”, pensei “é por causa do corona”, aí me vem um “por conta do conflito entre Iraque e EUA”, e eu: “ué” HAHAHAHA. Enfim, acredito que a banda se provou com o passar do anos, para a alegria dos ouvintes. Só poderiam vir um pouco mais ao Brasil, com uma passada no Nordeste, se possível…