por Leonardo Vinhas
Do formato baixo-guitarra-bateria para uma eletrocumbia surfista cheia de brinquedinhos eletrônicos, a trajetória da banda The Ráulis é quase tão movimentada quanto sua música. Originária de Recife, uma das poucas capitais do país onde a latinidade sempre transitou com tranquilidade, a banda surgiu associada à surf music, que de fato se destacava entre influências de garage, noise e chicha (a cumbia peruana, mais guitarreira e psicodélica). Porém, “Surfcumbia” (2020), EP/Mixtape lançado neste ano, joga os elementos roqueiros para pano de fundo e deixa a influência andina correr mais solta.
Gabriel Izidoro, Arthur Dossa e Rafael Cunha se permitem agora usar shths e drum machines, deixando a guitarra soar menos ruidosa, mas não menos presente. Nas três faixas da mixtape há timbres que remetem a Chicha Libre, Anarkia Tropical, Bareto e outros nomes que fazem a fama da fritação latina no universo mais indie. Tem também uma dose bem presente de um lassez-faire eletrônico, um enfumaçado “deixa rolar” que põe molejo até nos mais descadeirados. Principalmente se abastecido por certos combustíveis.
Aproveitando esse momento de transição, o trio concedeu uma entrevista por e-mail ao Scream & Yell, na qual respondeu coletivamente às perguntas – digamos que o Carnaval e o pós-Carnaval se intrometeram nas agendas de todos, e o remédio foi essa conversa por correspondência. Nesse papo breve, deu para passar pelo momento atual da banda e outras questões.
A banda sempre teve o pé na “latinidad”, mas essa mixtape deixou de lado os elementos de garege rock e surf em prol da cumbia e da chicha. É um reflexo do momento atual ou já é a cara do futuro de vocês?
É um reflexo do novo formato da banda. A mudança da instrumentação, sem bateria e baixo elétrico, resultou nessa nova sonoridade. Além disso, nossas pesquisas começaram a permear mais pela latino-américa. Sobre o futuro é difícil falar, mas o momento presente é esse.
E como esse contato latino aconteceu? Pernambuco parece ser bem permeável à musicalidade dos hermanos, mesmo não fazendo fronteira física com país nenhum.
A latinidade está na música pernambucana faz é tempo, de Reginaldo Rossi e Labaredas, passando por Kelvis Duran e Academia da Berlinda. Como aconteceu não sabemos, mas bebemos de todas essas fontes.
Esse universo sonoro no qual vocês se jogam têm poucos pares aqui no Brasil, mas encontra eco em gente diferente de vários países, de Chicha Libre a Los Protones. Vocês têm algum contato com esses “parceiros” à distância?
Recentemente iniciamos contato com um artista argentino chamado Rolando Bruno, que faz “cumbia trash”. Nós o conhecemos pelo Spotify e piramos no som. Ele se mostrou um cara bem acessível, e estamos planejando uma parceria inédita para esse ano.
A banda tem uma iconografia bem marcante, das capas de disco às camisetas floridas e máscaras de lucha libre (o guitarrista Arthur Dozza raramente se apresenta sem ela). O visual tem peso tão grande quanto o som?
O som é o nosso principal foco, mas essa estética vem se desenvolvendo ao longo dos anos, e hoje se tornou um elemento muito importante. Tudo começou com a máscara de tubarão, que foi o pontapé inicial para os nossos parceiros designers que somaram ao longos desses anos de banda, Caramuru Baumgartner, Rafael Carneiro e Raul Souza. No palco, a estética também tem a sua grande importância. Pensamos em elementos que possam causar interação com o público, se somando com o som. A iluminação é sempre uma preocupação, bem como figurinos e performances. Tem shows em que convidamos dançarinas. O “Surfcumbia” é uma soma desses fatores.
Outra coisa que me chama atenção é como vocês não têm pudores quanto a convidar pessoas para tocar com vocês. Pode pintar o Saulo Duarte, um naipe de metais, o que vier. Ao vivo, a ideia é ser bem “fluido”, quase freestule? Ou é só um jeito de se divertir com os amigos?
O fato de ser uma banda instrumental facilita muito a entrada de cantores para somar. Ano passado lançamos a primeira música cantada da banda em parceria com Samuel Samuca (Samuca e a Selva) e foi muito massa. Estamos planejando outras participações para esse ano com outros cantores e cantoras e versões instrumentais. É um jeito bacana de se divertir com os amigos, mas não é tão freestyle – na verdade, nós trabalhamos bastante em estúdio pra que nos shows tudo soe fluido.
Vocês já rodaram bastante o país, inclusive tocando na rua algumas vezes. Dá para dizer que esse papo que “nego não curte música instrumental” não resiste até a hora em que o cara vê uma surf chicha sendo feita na frente dele? (risos)
Existem vários tipos de música instrumental, umas mais fáceis de compreender do que outras. No nosso caso, a aceitação tem sido boa e melhorou muito quando nos aproximamos mais do formato digital/eletrônico. Recentemente tocamos no palco principal do carnaval de Olinda para milhares de pessoas, entre várias atrações cantadas e a resposta do público foi excelente.
Última perguntinha, meio sacana, mas sincera: se vocês pudessem montar o lineup dos sonhos só com bandas instrumentais, quem vocês escalariam? E como seria o publico desse festival imaginário?
The Raulis, Buena Onda Reggae Club, Bixiga 70, Los Destellos e Cumbia Calavera. Fica a dica. O público seria formado por todos que curtem um bom balanço, de 0 a 100 anos.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.