por Leonardo Vinhas
Texto (readaptado e) publicado originalmente no (finado) site Showlivre
Não há nenhuma efeméride especial para recordar dos B-52s hoje, em pleno 2020. Mas talvez não exista tempo melhor para rememorá-los que agora. Afinal, trata-se de uma banda que conseguiu fazer muito por uma causa, sem transformar a dita “causa” no único eixo da sua exposição pública. E ainda fez ótima música no processo.
Os B-52s (ou, até 2008, B-52’s, com apóstrofo) eram um quinteto que nasceu em meio a uma bebedeira em um bar. Os irmãos Cindy e Ricky Wilson, mais os amigos Fred Schneider, Kate Pierson e Keith Strickland, tomaram várias em um restaurante chinês em Athens (no Estado da Geórgia, EUA, a mesma cidade que deu ao mundo o R.E.M.), começaram uma jam ali mesmo, viram que dava liga e decidiram montar uma banda. 13 anos depois, seriam um dos maiores nomes do pop mundial, cometendo vários bons discos ao longo do caminho. Entre idas e vindas, a banda faz shows até hoje, e nem mesmo a idade (Kate, a mais velha, completará 72 em abril deste ano) os impede de seguir em frente.
Os B-52s foram um dos primeiros ícones queer da história da música pop. Sua sexualidade ambígua, o visual espalhafatoso (perucas coloridas, vestidos e paletós que pareciam saídos de um desenho animado, o bigodinho e as camisas de Fred Schneider) e as performances estridentes e dançantes chamavam atenção, tanto quanto sua música veloz, minimalista e dançante. As letras tinham um humor malandro, que podia apontar a falsificação de dinheiro como a melhor maneira de sair da crise (“Legal Tender”), distopias realistas demais (“Channel Z”), trepar num refúgio de estrada (“Love Shack”) ou até sobre festas psicodélicas em companhia da vida marinha (“Rock Lobster”).
Embora não trouxessem nenhuma referência homoafetiva direta, foram imediatamente adotados pelas comunidades LGBT do hemisfério ocidental. Para se ter uma ideia, o ativista gay Aaron Fricke batizou sua autobiografia de “Reflections of a Rock Lobster”, em referência ao primeiro sucesso da banda. No livro, Fricke conta que tomou coragem para se assumir homossexual ainda no ensino médio, em plena era Reagan, graças à música dos B-52s. E Gus Van Sant não batizou seu emblemático filme “Garotos de Programa”, que consagrou River Phoenix, em referência a uma canção dos georgianos por acaso (o título original é “My Own Private Idaho”).
Uma tragédia viria a reforçar essa associação: Ricky Wilson, guitarrista e então principal compositor do grupo, faleceu em 1985 por complicações decorrentes da AIDS, até então tratada por parte da sociedade como “uma doença de gays”. Wilson era o único que tornava pública sua homossexualidade, e a banda falou abertamente sobre a doença nos anos que se seguiram ao seu falecimento. Se a comunidade LGBT já se identificava, passaram a ter neles vozes seguras, sem meias-palavras, sobre uma doença que gerava muito preconceito e ideias equivocadas. Schneider e Strickland se assumiriam gays na década de 90, e Kate levaria ainda alguns anos para tornar pública sua bissexualidade (Cindy é hetero). Mas os B-52s já tinham “representatividade” desde sempre.
“Ninguém nos perguntava se éramos gays até 1992”, declarou Keith Strickland ao site Pitchfork, que após a morte de Ricky assumiu o posto de principal compositor. “Era quase subversivo que não falássemos a respeito. Estávamos apenas tentando ser nós mesmos. Ser gay era apenas uma parte disso. É bem isso o que queríamos que o mundo fosse, sabe? Você só vive sua vida e a orientação sexual é apenas uma parte dela. Acho que era, tipo, mais revolucionário por causa disso. As pessoas ou se ligavam a nós nesse nível ou simplesmente não se ligavam. Algumas pessoas sacavam, outras não, mas nós certamente nunca tentamos esconder. Nossa música e nossa imagem meio que falavam por si – essa era a afirmação. Estávamos dizendo que era OK ser diferente simplesmente vivendo”.
Numa época de tantos discursos, discussões agressivas sobre quem tem “lugar de fala” e músicos que calcam na “lacração” toda a sua sustentação, vale muito a pena reexaminar a carreira do B-52s, uma banda que usava a atração em vez do choque, que cooptava pela alegria e não pela exclusão. E mais que tudo, que fazia arte – suas canções eram, sim, pop acessível, mas impressionantes a ponto de seguirem vigentes há décadas, influenciarem muita gente (o movimento riot grrrl, R.E.M., Deerhunter, The Gossip, Scissor Sisters, boa parte da “new wave” brasileira e até do pop japonês), a terem angariado fãs como John Lennon (que elogiou a banda em sua última entrevista), Nile Rodgers (que viria a coproduzir os álbuns “Cosmic Thing” e “Good Stuff”, respectivamente de 1989 e 1992), Frank Zappa e William Burroughs.
Você pode argumentar que o Queen também se encaixava nesse perfil – e estaria parcialmente certo, já que Freddie Mercury também inspirou muita gente mais por seus atos e seu modo de vida que pelo discurso. Mas o Queen enquanto banda não se encaixava nisso: por mais que fossem músicos notáveis e excelentes compositores, Roger Taylos, John Deacon e Brian May eram ofuscados pela persona gigante de seu frontman. Por isso a ousadia de definir o B-52s como a maior banda queer da história.
O papo aqui não é especificamente sobre a questão LGBT – poderia ser sobre direitos humanos, questões ambientais, políticas públicas, entre tantos outros. O interessante é notar quão grande foi o impacto dos B-52s, e ver que isso foi conseguido sem transformar seu modo de vida em ferramenta mercadológica ou discurso de exclusão. No total, são sete discos de estúdio (os seis primeiros entre 1979 e 1992, e o sétimo, “Funplex”, de 2008), quase 30 singles e três álbuns ao vivo (sem contar um quarto disco ao vivo, que surgiu como bônus na reedição de 30 anos de “Cosmic Thing”). Abaixo, cinco canções para entender a banda.
“Rock Lobster”, do álbum “The B-52’s” (1978/1979)
Não tem jeito: o primeiro sucesso da banda não pode ficar de fora, em versão ao vivo para aumentar a farra. Tem tudo: a guitarra de cinco cordas de Ricky, as intervenções mínimas de percussão e teclado e o pulso veloz da bateria. Foi a faixa que pirou a cabeça de John Lennon.
“Hero Worship”, do álbum “The B-52’s” (1979)
As riot grrls pira: de Sleater-Kinney a Babes In Toyland, passando por Bikini Kill e até a Érika Martins, todo o rock de guitarras dos anos 80 e 90 que tinha uma mulher à frente bebeu nessa fonte.
“Legal Tender”, do álbum “Whammy!” (1983)
Maior sucesso da banda no Brasil, que via a banda como o nome maior da “niuèive” (nossa leitura da new wave). A banda já começava a incorporar programações e mudar de leve seu som, mas a cara de pau das letras permanecia intacta.
“Love Shack”, do álbum “Cosmic Thing” (1989)
“Roam” pode ser a melhor faixa do estourado álbum “Cosmic Thing”, mas “Love Shack” ainda é a canção-emblema dos B-52s para o mundo, e comprova que Keith Strickland tinha dominado muito bem o estilo de composição do finado amigo Ricky Wilson.
“Good Stuff”, do álbum “Good Stuff” (1992)
No único disco gravado como trio (Cindy tinha decidido dar um tempo), a banda experimentou um pouco mais que o normal, e não acertou em todas. Mas esse funk multiétnico e super pop é um acerto gigante.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
Mesmo sem ser profundo conhecedor da banda, apenas dos hits, me surpreendi ao esbarrar, pouco após seu lançamento, com o disco “Just Fred”, esforço solo do vocalista Fred Schneider. Em meio ao frenesi do grunge, estilo que se apropriou profundamente da sonoridade dos B-52s, o cantor apresenta um repertório de canções calcado nessa mistura, com doses de humor, ironia e inteligência. É surpreendente que o disco não tenha tido muita repercussão, pois é melhor, mais coeso, pesado e divertido do que muito disco de banda renomada incensado por crítica e fanzocos. Ouvir esse disco me fez entender melhor o B-52s, sua diversidade artística e pessoal, sua relevância e background, com aqueles pés fincados no punk e na psicodelia. Há anos na minha estante, esse disco segue sendo meu complemento pessoal perfeito às audições da banda de origem do Mr. Schneider.
“Deadbeat Club”, um clip maravilhoso com a presença do Michael Stipe
Faltou falar que Kate Pierson era o motor musical da banda a mente atrás de todas as escolhas Multinstrumentista gravou o Baixo e os teclados dos dois primeiros discos
Gostaria de ser muito rico para contratar eles para cantar no meu aniversario do dia 7/8/ próximo no Anhangabaú.