por Marcelo Costa
“Dois Papas”, de Fernando Meirelles (2019)
Bromance entre dois homens na terceira idade que durante a maturidade foram adversários de ideias, mas bastaram encontrar-se na mesma posição (de líder mundial da Igreja Católica Apostólica Romana) para (possivelmente) rever suas trajetórias e encontrar pontos em comum que mais os aproximavam que distanciava, “Dois Papas” (“Two Popes”, 2019) é aquele típico filme que se traveste de ingênuo para conquistar pela compaixão, ainda que não passe de um enorme pastiche, visto que todos os melhores momentos de um filme “inspirado em fatos reais” da vida dos Papas Bento XVI e Francisco são invenção de um roteiro que distrai o olhar do público com fanfarronices que além de não acrescentar nada de novo na história dos biografados, confunde os fatos reais – como o “noivado” de Bergoglio e sua relação de possível “dedo duro” na ditadura argentina além de amenizar para Bento XVI sobre seu acobertamento sobre os casos de pedofilia conhecidos em sua gestão. Não bastasse, as cenas que dão leveza ao filme são tudo bobagem inventada e nunca aconteceram na vida real: a pizza com Fanta na sala das lágrimas da Capela Sistina, a dança desajeitada, ABBA, o futebol, etc… A opção pela fotografia (que buscava os detalhes da atuação de dois grandes atores excelentes em cena, Anthony Hopkins e Jonathan Pryce) acabou desvalorizando belos cenários e também deixa a desejar numa película de baixa qualidade que soa um telefilme esquecível (tudo bem, basta rezar três Ave-Marias e cinco Pai-Nosso que todo mundo está perdoado).
Nota: 4
“A Lavanderia”, de Steven Soderbergh (2019)
Mais um filme hollywoodiano que esmiúça o universo econômico (a lista recente vai de “A Grande Aposta” a “O Lobo de Wall Street” passando por “Abacus: Pequeno o Bastante para Condenar” e “Margin Call – O Dia Antes do Fim” até chegar no melhor de todos, “Trabalho Interno”) de maneira cômica, “The Laundromat” traz Soderbergh tentando explicar da maneira mais didática possível o que foi o escândalo “Panamá Papers”. Para tanto, ele se cerca de um time de atores excelentes, cria pequenos núcleos narrativos de pessoas que acabaram lesadas pelo escritório Mossack Fonseca e veste os advogados Jürgen Mossack (Gary Oldman) e Ramón Fonseca (Antonio Banderas) no melhor estilo Mefisto para contar, na educativa introdução, como surgiu o… dinheiro. O roteiro de Scott Z. Burns, baseado no livro “Secrecy World: Inside the Panama Papers Investigation of Illicit Money Networks and the Global Elite” (2017), de Jake Bernstein, é modelo “A Grande Aposta”: uma moeda rolando escada abaixo e o espectador tentando pega-la enquanto tenta comer pipoca pela testa e bebe refrigerante pelo nariz precisando voltar algumas cenas para entender como as coisas saíram daqui e foram parar ali. Meryl Streep dá seu showzinho tradicional (com um personagem que não existiu, ainda que o barco tenha mesmo virado e os donos – um deles, David Schwimmer, o eterno Ross, muito bem – levado um calote da seguradora) enquanto Sharon Stone aparece numa ponta dispensável e a Odebrecht brilha levando o nome da corrupção brasileira para o mundo todo. Um filme ok que seria melhor resolvido em uma minissérie para ver e rir da nossa própria desgraça.
Nota: 7
“História de um Casamento”, de Noah Baumbach (2019)
À primeira vista, “Marriage Story” (no original) é um filme que já foi feito algumas vezes, uma busca insana em flagrar a tentativa de segurar os cacos de uma história de amor que se quebrou (enquanto as mãos jorram sangue) vislumbrando entender qual foi o momento crucial que colocou tudo a perder. O que Noah Baumbach, responsável também pelo ótimo roteiro, acrescenta de diferencial nesse drama eloquente é uma câmera que parece um mosquitinho na parede, acompanhando o desenrolar da história sem interferir nos fatos, apenas assistindo duas pessoas trilharem lados opostos por uma simples necessidade de realização pessoal. A rigor, ninguém é santo e ninguém e demônio em “História de um Casamento”. Ou, olhando por outro prisma, todo mundo é sacana aqui (ok, ok, exceto o magistral personagem de Alan Alda, o advogado Bert Spitz, um dos raros momentos em que Baumbach declara seu amor para Woody Allen no filme) e isso não quer dizer que um precisa estar certo para o outro estar errado: muitas vezes os dois podem estar certos tanto quanto podem estar errados. A grande beleza de “Marriage Story” não é só perceber que o amor não é matemática (um punhado de comédias românticas mequetrefes já havia percebido isso), mas sim demonstrar que os papeis exercidos em um relacionamento necessariamente colocam um contra o outro mesmo que um ame o outro enlouquecidamente – o que muita gente só descobre quando os advogados entram em cena (palmas para Laura Dern). Scarlett Johansson e Adam Driver (num papel totalmente oposto ao de “Paterson”) estão sublimes num filme dolorido, delicado e bonito, que consegue oferecer muito em seus silêncios.
Nota: 9
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne