Texto por Renan Guerra
A relação do Morcheeba com o Brasil não é nova, a banda inglesa já fez diferentes shows por aqui (o mais recente havia sido no Nublu Jazz Festival, no Sesc Pompeia, em 2018), já foi trilha de novela e em seu disco “Charango” (2002), lançou uma faixa chamada “São Paulo”. Dessa vez, a banda retornou ao país para algo especial: tocar em um rooftop que leva o nome da vocalista da banda. Isso mesmo, o Skye Bar, no topo do Hotel Unique, no bairro Jardim Paulista, em São Paulo, tem o seu nome em homenagem a Skye Edwards, a icônica frontwoman do Morcheeba.
A apresentação da banda no rooftop foi apenas a abertura de um evento maior, o Unique Music Festival, que tem sua primeira edição realizada no local que dá nome ao evento. Nos dias 24 e 25 de outubro, o festival traz ao espaço de eventos do hotel nomes como Ceelo Green, City of the Sun e Tender, além, é claro, do Morcheeba. O show de abertura foi fechado para convidados, em acontecimento raro, já que o bar do hotel não costuma receber shows, por isso mesmo foi um momento único ver a banda inglesa cantar com o skyline de São Paulo ao fundo.
Numa espécie de show pocket, o Morcheeba fez um passeio por sua carreira, indo desde faixas do seu disco mais recente, “Blaze Away” (2018), até canções lá de sua estreia, em “Who Can You Trust?” (1996). Clássicos como “Trigger Hippie”, “The Sea”, “Blindfold” e “Rome Wasn’t Built In a Day” foram apresentados ao lado de novas faixas, como “Never Undo” e “Sweet LA”. Além disso, eles reservaram um espaço especial para cantar “Sao Paulo”, com Skye brincando com o fato das pessoas de São Paulo aparentemente não gostarem da existência de uma faixa com o nome da cidade.
Em clima cool e chique, Skye e sua banda apresentaram um show sem qualquer exagero, sem firulas, em que tudo planava numa mesma medida, algo entre as experimentações do trip hop e esse clima relaxante do downtempo. Morcheeba de frente para São Paulo é quase como um paradoxo: a beleza de Skye e a beleza do som da banda em embate com o caos da cidade, a luz dos prédios e aquele céu – algo entre o nublado e a eterna poluição. Falando nessa construção imagética, Skye ainda trazia seu visual urbano, com looks assinados por Vivienne Westwood (estilista fundamental para o punk e a new wave) e um bracelete que era oficialmente um cantil. Entre pausas nas canções, a cantora tirava seu bracelete, rosqueava a tampinha e bebia alguma coisa que a aquecia frente ao vento frio da noite.
Havia esse clima cool do downtempo, porém nada blasé ou qualquer coisa do tipo, pelo contrário, o Morcheeba parecia estar se divertindo no palco. Contaram histórias, riram de lembranças e sobrou tempo até para Skye apresentar seu filho, que acompanha a banda na bateria. Foi um show que passeou no tempo, mas sem necessariamente ter cara de coisa antiga. Há uma classe e algo tão charmoso ainda no trip hop que o fez envelhecer bem demais, provando ser das coisas mais interessantes dos anos 90. O visual do Skye Bar é apenas a coroação disso tudo e, por isso mesmo, é de se lamentar que esse espaço não seja mais usado para eventos musicais e que mais pessoas possam desfrutar desse local. O caótico skyline de São Paulo precisava ser mais e mais adornado com canções, é disso que precisamos em meio ao caos.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz