Texto por Marcelo Costa
Fotos por Fernando Yokota
14 anos atrás, o Weezer debutava no Brasil com um show “fudidamente perfeito” no Curitiba Rock Festival 2005. Aqui no Scream & Yell, este resenhista babava: “O Weezer fez um show irrepreensível, que conquistou até quem não era fã da banda. Dezenas de clássicos cantados em coro pelo público”. A sensação naquele sábado, 24 de setembro de 2005, era de que seria quase impossível o Mercury Rev, que seria o headliner do festival no dia seguinte, fazer um show ainda melhor do que o do Weezer, mas a turma de Jonathan Donahue conseguiu virar o placar. A constatação: “enquanto o Weezer fez um show jovem, energético e divertido, o Mercury Rev fez uma apresentação adulta”.
Cortamos para 2019. O Weezer que baixa no Brasil desta vez não traz o ineditismo de outrora, mas conta com uma porção de álbuns ruins repletos de bons singles pós Curitiba no currículo. A postura festeira / cínica que tomou a banda pós “Green Album” (2001) e que já havia batido ponto na capital paranaense (“No palco, o Weezer leva tão à sério o quesito ‘entretenimento’ que chega a trocar o que poderia ser um bom momento musical no show por uma ‘gracinha’ que acaba aproximando-os ainda mais do público”) agora é levada ao extremo (e o preguiçoso “Teal Album” é totalmente fruto dessa opção), e em diversos momentos funciona ao contrário, os afastando da audiência.
Porque, a rigor, a grande diferença do Weezer em Curitiba 2005 para o Weezer em São Paulo 2019 é de que o Weezer agora também faz shows adultos, que são, no entanto, diferentes da entrega de um Mercury Rev, de um Nick Cave & The Bad Seeds e de uma PJ Harvey, que enveredam pelo lado, ahñ, artístico da música pop, e muito mais próximo de um Arcade Fire, outra banda que também sacou (muito mais cedo do que o Weezer, inclusive) que não dá para fingir tristeza e depressão (a não ser que você tenha, naturalmente, uma alma poeticamente perturbada) quando a vida está ganha e a poupança rendendo, tornando a equação deste show algo diametralmente oposto, mas que se completa: o Weezer é uma banda com todos os boletos pagos tocando para pessoas que precisam esquecer que boletos vão vencer.
Na pista de um Ginásio do Ibirapuera vazio (no set list oficial, a banda entrega que o local do show deveria ter sido o Espaço das Américas, o que faria a sensação de flop ser menor, mas a opção por “envelopar” o ginásio por uma marca de cerveja fez mais sentido… publicitário), o jornalista Bruno Dias, do Urbanaque, questiona: “Você acha que o público do Weezer diminuiu?”. E a minha leitura pessoal é de que nos Estados Unidos, o Weezer conseguiu fazer com sucesso o crossover do público “indie respect” para uma audiência mais… coxinha, FM, e desencanada (não a toa, a cover de “Africa”, do Toto, é um sucesso por lá), o que não aconteceu no Brasil, onde ainda eles estão posicionados no gueto indie.
É claro que o que afastou o público não foi isso, e sim os exorbitantes preços dos ingressos, uma estratégia questionável, já que são side shows do Rock in Rio que chegam em São Paulo praticamente pagos, o que permitiria colocar os ingressos na metade do preço que foram vendidos, permitindo assim o dobro de público que não só arrecadaria a mesma coisa, mas consumiria mais, deixaria o ambiente mais disputado e com jeitão de evento imperdível (o que era pra ser) e faria a festa do setor de marketing. Numa quinta-feira amena em São Paulo, porém, o Weezer tocou para menos gente do que ele merece, e esse é o único fato desolador da estreia deles em São Paulo, porque, no palco, o quarteto se divertiu e divertiu muito a audiência.
Do ponto de partida com o hino “Buddy Holly”, “o abraço definitivo à estética nerd”, segundo Marco Antonio Bart em seu “guia Weezer”, tocado com garra, vontade e um coro apaixonado do público, seguida de “Undone (The Sweater Song)”, para fazer o coração do fã de primeira hora disparar. “Hash Pipe”, do “Green Album”, manteve os ânimos em alta, e o power pop festeiro “My Name is Jonas” continuou fazendo com que a galera do gargarejo pulasse e cantasse e sorrisse, tudo ao mesmo tempo. Dai veio o primeiro momento “entretenimento” da noite, a cover de “Happy Together”, do Turtles, com citação de “Longview”, do Green Day, momento que seria perfeito para ir ao bar comprar cerveja (se ela não fosse uma Itaipava)…
“Holiday”, a quarta do “Blue Album” (1994) em seis músicas tocadas, acordou quem dormiu na cover anterior a tempo de cantar a fofa “Island The Sun” e a deliciosa “Perfect Situation”, um dos raros alívios do álbum “Make Believe” (2005) – que serão cada vez mais raros nos álbuns seguintes (e eles sabem tão bem disso que sete discos posteriores serão solenemente ignorados no set list – para felicidade geral). Vem então a cover improvável do A-ha, “Take on Me”. Indiscriminadamente, grande parte do público ri, mas canta. Olha para o lado para ver se as demais pessoas estão cantando para constatar que a vergonha é geral – e até comentar com o amiguinho do lado que além dela, o trio norueguês traz mais umas três canções que realmente vale a pena em sua carreira, a saber “Hunting High and Low”, “Stay on These Roads” e “The Living Daylights”).
Surge então uma música totalmente nova, “The End of the Game”, com introdução metalizada e pegada power pop tradicional, lançada como clipe e tocada pela primeira vez 16 dias antes, num show em Los Angeles, e tendo em São Paulo sua sexta execução. Ela é o single que anuncia o novo disco do Weezer, “Van Weezer”, para maio de 2020 (e olha que eles lançaram dois discos em 2019!). “Surf Wax America” faz o adolescente que existe em grande parte do público presente gritar a plenos pulmões, algo que a cover insossa de “Africa”, do Toto, joga pelo ralo, quatro minutos de tédio musical esquecidos assim que o riff de “The Good Life”, uma das grandes canções do grande segundo álbum da banda, “Pinkerton” (1996), ecoa no ambiente, e arranca urros da plateia.
Dai em diante, a sensação é de que a noite já valeu a pena, algo que nem as covers (dispensáveis, ainda que bem executadas) de “Paranoid”, do Black Sabbath, e “Lithium”, do Nirvana atrapalham – aliás, Nirvana e Sabbath nunca atrapalham, afinal, se todo mundo já ouviu – e cantou junto com – uma banda cover tocando essas em um Café Piu Piu da vida, melhor aproveitar que a banda cover aqui é de primeiro escalão mundial, e ela também faz covers de canções do Weezer, veja só! Surgem então a maravilhosa “Pork and Beans”, talvez a última grande coisa que eles tenham feito (no “Red Album”, de 2008) e com direito a jogralzinho no final, e “Beverly Hills”. No bis, uma versão a capela de “Buddy Holly” e, para mandar todo mundo pra casa sorrindo, “Say It Ain’t So”.
Em São Paulo, 2019, o Weezer conseguiu cumprir com louvor o que vem se propondo em seus últimos 20 anos: fazer a galera esquecer-se dos boletos que estão para vencer (e um pouco mais, já que os problemas do Brasil em 2019 não se resumem apenas nos boletos) e durante, ao menos, 80 minutos, cantar, dançar, sorrir. É um show adulto, meio coisa de tiozão roqueiro (o que as covers escolhidas apenas referendam), e é… divertido. Se um dia esperamos mais do que isso (principalmente após a empolgação da paixão avassaladora e adolescente pelos dois primeiros álbuns), a culpa é muito mais nossa do que deles, pois a proposta do Weezer sempre foi utilizar os chavões da música pop (de Beach Boys a Black Sabbath) a favor do entretenimento de massa. E eles sabem fazer isso como ninguém – como mostraram em São Paulo.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
Todo mundo morre de medo de gostar do a-ha
Curioso, o TMDQA! Tbm usou essa piadinha dos boletos.. criativo hein…
Enfim, eu já temia esse excesso de covers, não me surpreendeu. Só espero que evitem isso no Rock in Rio, festival não é lugar de cover, pelo menos não de Toto e A-ha. E sim, eu serei o fã chato que ira te lembrar que o Everything Will Be Alright in The End (2014) e o White Album (2016) são ótimos discos, trocaria facilmente 3 sons de cada pelos 6 covers. Até os leads singles dos horrorosos Raditude e Pacific Daydream eram mais bem vindos.
E sim, os preços com certeza pesaram. 300 reais o ingresso mais barato é piada. Eu mesmo não fui por isso. Temo q nunca verei Weezer em terras tupiniquins, já que duvido muito que voltem. Só vieram porque o management é o mesmo do Panic at the Disco e Dave Matthews Band
Jarbas, fui até ver o texto do Tony, que inclusive é um grande amigo, e não encontrei a referência a boleto (acharia divertido demais se nós dois tivéssemos a mesma ideia sem ter se encontrado no show). Será que não é você que está sendo criativo demais e vendo coisas onde não tem?
Quanto ao resto, fã chato é redundância 🙂 mas concordo muito contigo: preferia fácil músicas próprias dos álbuns renegados pelo Rivers do que as cinco covers. Ainda mais porque os caras nunca descem pra cá, então a chance de ouvir mais coisas do Weezer era agora ou… viajando atrás de shows deles, coisa que nesses tempos bicudos está cada vez mais difícil.
Abraço
“No processo, nos relembrava de dias melhores em que o Rock Alternativo embalava as nossas vidas com bem menos preocupações e boletinhos pra pagar” Ta ai o trecho.
E o que eu temia aconteceu, no RiR tbm meteram covers e ainda cortaram as duas do Pinkerton.. Uma pena.
É, passou batido pelo meu control f pelo diminutivo 🙂 E acabei não vendo o show do RiR, mas só pela ausência das duas do “Pinkerton” já é uma perda imensa no balanço final do set.