Resenhas por Bruno Capelas
“The State of the Union”, Nick Hornby (Riverhead Books)
Um dos valores mais exaltados sobre o início da carreira literária do inglês Nick Hornby, nos longínquos anos 1990, sempre foi o da identificação. Seja falando sobre a paixão por futebol (“Febre de Bola”), por música (“Alta Fidelidade”) ou mostrando homens heterossexuais adultos meio largados ou imaturos (em “Um Grande Garoto”, “Juliet, Naked” e “Funny Girl“), Hornby se fez à imagem e semelhança de seus leitores. Muitos deles não envelheceram, mas o escritor sim – e é por isso que “The State of the Union”, seu mais recente livro, soe estranho à primeira vista. Adaptada dos roteiros da série de TV homônima escrita por Hornby para o canal SundanceTV, a novela flagra um casal – Tom e Louise – sempre no mesmo local: no bar, antes de sua sessão semanal de terapia de casais. No começo, é difícil se engajar com a velha discussão de relacionamentos em crise: “algo errado aconteceu aqui, mas de quem é a culpa mesmo?”. Fica mais difícil quando Hornby dá um nó em seu velhos leitores e faz de Tom um jornalista de música frustrado, mas tão frustrado que é capaz de votar a favor do Brexit. Mas, aos poucos, como acontece quando há vontade, as coisas se encaixam e é curioso participar da intimidade desse casal de meia-idade, tentando fazer as coisas darem certo de novo. Além disso, é de se destacar o talento de Hornby para destacar pequenas cenas de seus personagens secundários – como o casal de velhinhos que “pega” o horário antes de Tom e Louise nas sessões. Ou de gerar pequenos diálogos marcantes – um bom exemplo é o que Tom explica porque ninguém mais quer ler sobre música. (Prove que ele está errado, leitor!). O resultado final é um livro de um escritor mais maduro – o que nem sempre quer dizer mais divertido ou marcante –, como, sei lá, um disco recente do U2.
Nota: 7
“A Redoma de Vidro”, Sylvia Plath (Biblioteca Azul)
Publicado inicialmente em 1963, “A Redoma de Vidro” é costumeiramente recebido de duas formas: como um romance de formação, uma vez que narra a primeira experiência em Nova York de Esther Greenwood, uma escritora aspirante dos subúrbios de Boston, mas também como uma autoficcção, inspirada na vida da própria autora, Sylvia Plath – embora o romance, o único da poeta americana, tenha sido originalmente trazido à baila sob o pseudônimo de Victoria Lucas. Há semelhanças, de fato: da bolsa de estudos que a protagonista e a escritora receberam aos distúrbios mentais que marcaram a carreira de Plath, que se suicidou um mês após a primeira edição de “A Redoma de Vidro” sair na Inglaterra, onde ela vivia na época (uma adaptação de sua vida para o cinema – com Gwyneth Paltrow no papel principal – foi lançada em 2004) . Ler “A Redoma de Vidro” apenas como parêntese biográfico, no entanto, é perder o melhor da leitura contemporânea que se pode fazer deste romance. O que Plath descreve aqui, seja na fase das descobertas na cidade ou da “queda” em um hospital psiquiátrico, é uma experiência muito forte sobre a depressão, o lugar da mulher na sociedade (e apliquem-se aqui todos os anacronismos necessários) e o velho dístico entre “expectativa e decepção” no amadurecimento – afinal, se éramos jovens tão promissores e cheios de planos, o que aconteceu conosco? Mais ainda: em uma época em que muito se fala sobre exposição a questões psicológicas nas redes sociais (ou qualquer meio em que se põe comparações com outros), é uma leitura salutar para enxergar que estes podem ser problemas universais, mas agravados pelo progresso tecnológico. Vale conferir a recente edição feita pela Biblioteca Azul, selo literário da Editora Globo.
Nota: 9,5
“Meet Me In the Bathroom”, Lizzy Goodman (HarperCollins)
Há livros que já nascem clássicos por serem capazes de definir uma época com exatidão. É o caso deste “Meet Me In The Bathroom”, uma história oral do rock novaiorquino entre o final dos anos 1990 e o começo dos anos 2010, escrita por quem a viveu – colaboradora de NME e Rolling Stone, Lizzy Goodman também trabalhou na noite e foi amiga dos Strokes antes deles estourarem. Não são poucas as similaridades com “Mate-Me Por Favor”, outro clássico que narra o punk… de Nova York: os dois trabalhos não falam só sobre música, mas sobre casas noturnas, zines, restaurantes, bares. Mais que tudo, são grandes declarações de amor a uma cidade pulsante – aqui, por meio de dois grandes fios condutores. De um lado, a turma “indie” de Strokes, Interpol e Yeah Yeah Yeahs. Do outro, a galera do “dance rock” e da DFA Records, capitaneada por James Murphy e Tim Goldsworthy. Ambos vão do lixo ao luxo, dos inferninhos ao Madison Square Garden, com drogas, sexo e… ah, você sabe. É um livro extenso – até para abarcar um sem-número de outras bandas da época e da cidade (o capítulo que destaca Conor Oberst é uma aula de política que vale a qualquer músico em qualquer era). Às vezes, pode se tornar bastante cansativo entre algumas fofocas, enquanto dá pouco espaço para descrições de canções e gravações – algo que os nerds de música amam. Lizzy Goodman também detalha pouco algumas (grandes) bandas da fase final do período que abarca, como Vampire Weekend, The National, Grizzly Bear e Dirty Projectors. Ainda assim, é difícil reclamar de um trabalho tão extenso de pesquisa, feito com alma e humor. Daqueles livros para se ter na estante – e torcer por uma tradução brasileira assim que for possível.
Nota: 9,5
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista do Estadão. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.