por Pedro Salgado, de Lisboa
De forma instintiva e progressiva, O Terno nunca fez o mesmo disco em 10 anos de atividade, fruto do sentido exploratório, da auto-crítica e das diversas fases emocionais do seu cantor e compositor Tim Bernardes. Numa entrevista à distância, na qual Bernardes respondeu às perguntas no formato áudio, via whatsapp, o novo álbum do trio paulista e alguns aspectos relacionados com o processo criativo e a carreira de Tim e do grupo dominaram o diálogo (completam O Terno o baixista Guilherme D’Almeida e o baterista Gabriel Basile).
Globalmente, “Atrás/Além” (2019), recém lançado quarto disco do trio, acentua o aventureirismo musical da banda, recorrendo à orquestração, exibindo arranjos elaborados e incorporando metais e cordas. Para além dos avanços sonoros é igualmente possível vislumbrar uma articulação temática entre a libertação e a nostalgia romântica, algo que merece a concordância do músico paulista. “Sim, acho que o disco tem uma ideia centrada na romantização da realidade, trazendo o romantismo de volta à realidade e a ilusão é o motor desse mecanismo. O disco situa-se entre a nostalgia e a esperança, olhando para trás e para a frente e tentando ter uma visão bonita disso tudo”, explica.
A faixa “Pegando Leve”, primeiro single e clipe do álbum, estabelece uma ponte entre a densidade e emotividade reinante no trabalho, conjugando o pop e o indie. Quando questiono a ligação do tema com o passado e a atual pegada sonora do trio, Tim Bernardes descarta a intencionalidade e realça o seu teor vívido. “É uma canção composta num período de transição, apresenta elementos fluidos e leves de uma faixa pop que busca a tranquilidade, embora também seja angustiada e agridoce. Mas ela está em sintonia com os sentimentos presentes e flerta com o pop mais descontraído que fizemos anteriormente”, analisa.
Recuando três anos no trajeto d´O Terno, na época do álbum “Melhor do que Parece” (2016), indico “Culpa” como um dos exemplos de maior eficácia musical alcançados pela banda e que ainda mantém o frescor inicial. “Fazer uma canção no formato pop chiclete, falando sobre culpa é para mim uma grande graça. Isso implica assistir às pessoas batendo palmas e cantando sobre algo angustiante e latente, mas que é tratado com ironia e seriedade. É um sentimento recorrente com o qual convivo, já que o Brasil é um país católico e profuso cheio de praticantes e profanidade”, conta.
A novo tour do grupo iniciou-se recentemente com passagens por São Paulo (Auditório do Ibirapuera), no qual o trio surgiu acompanhado por um quarteto de sopros, e no Rio de Janeiro a atuação no Circo Voador confirmou a boa interação que O Terno gera com o público. A digressão contemplou ainda um show em Portugal, integrado no festival Primavera Sound, no Porto. Nós estamos empolgados com todos esses desdobramentos que o show de “Atrás/Além” vai ter”, conclui. De São Paulo, Tim Bernardes conversou com o Scream & Yell sobre o novo trabalho e o momento atual d´O Terno. Confira:
A orientação quase cinematográfica de “Atrás/Além” e a amplitude sonora de várias faixas deve-se apenas a uma tentativa de diversificar a sonoridade d´O Terno ou espelha o caminho que pretendem seguir futuramente?
Acho que essa sonoridade tem muito a ver com o nosso momento presente. O disco “Melhor do que Parece” (2016) já tinha explorado aspectos novos para o grupo e elementos orquestrais. Nesse trabalho, eu fiz alguns arranjos de cordas, introduzi a harpa e os sopros. Quando entrei no estúdio para fazer o meu disco solo (“Recomeçar”, melhor disco de 2017 na votação do Scream & Yell) foi algo protagonista e estando no papel de produtor e arranjador eu pude explorar. O “Atrás/Além” inclui esses dois vetores, mas encontra-se num estágio superior. É um álbum que respeita o formato de trio, inclui orquestração e é um pouco mais intimista. Como banda, trabalhamos nos contrastes e igualmente no aspecto individual. Somos minimalistas e grandiosos, no sentido sonoro, ao mesmo tempo.
Como surgiu a participação dos músicos Devendra Banhart e Shintaro Sakamoto em “Volta e Meia”?
Conhecemos o Devendra em São Paulo, porque ele se apresentou lá e nós abrimos o show. Ele foi muito aberto, receptivo e simpático. Disse que estava contente por participarmos do show dele, já tinha visto os nossos clipes e gostava da banda. Poucos meses depois, encontramo-lo num festival na Alemanha, onde ele e nós tocamos, bem como o Shintaro, que já admirávamos, mas não conhecíamos. Nesse festival, Week-End, em Colônia, todos assistiram aos shows dos três, gerando uma admiração mútua, simples e tranquila. Quando regressamos ao Brasil e estávamos gravando o disco, surgiu esse conceito de agregar o discurso do Shintaro em japonês com o Devendra cantando em espanhol. Foi algo que imaginamos e perguntamos aos dois por email se isso lhes agradava. Eles ficaram animados e o Shintaro gostou do fato do Devendra estar na faixa e vice-versa. A união foi feliz para ambos os lados: o discurso do Shintaro foi gravado no Japão, a cantiga em espanhol foi registrada pelo Devendra nos Estados Unidos e nós juntamos tudo no Brasil. Foi muito emocionante que se concretizasse a ideia e a música é bastante especial.
Atualmente, você e a sua banda vivem um período de grande destaque. Como é que você reage a esse hype?
Estou contente por os trabalhos serem elogiados e estarem em evidência. Aproveito esse fato para fazer mais músicas sinceras da forma que me agrada, sem pensar numa fórmula ou num formato que dê certo. O mais legal de tudo é que a minha música, que não foi feita pensando no mercado, está sendo tão bem recebida. Procuro potencializar esse interesse para despejar mais temas que eu e o grupo curtimos, explorando coisas diferentes, para esse público que é muito atencioso e se liga na música. Isso tem acontecido no Brasil como em Portugal, as pessoas sentem-se marcadas pelas canções. Isso é bom, porque O Terno é muito esteta, mas coloca bastante sinceridade na composição. Quando uma pessoa é tocada no coração por uma faixa, isso é mais importante do que qualquer destaque.
Li uma entrevista sua, na qual dizia que “Recomeçar” (o seu disco solo) abordava “sentimentos e pensamentos que lhe vinham em fases de solidão após o fim de alguma estrutura anterior como um namoro ou uma fase da vida”. Sente-se mais estimulado para fazer canções em momentos de tristeza ou animação?
Às vezes me pergunto se a tristeza ou a alegria são mais estimulantes para compor. Em momentos de solidão e vazio essa inquietação que é gerada faz-me tocar ou cantar. Quando você está contente, feliz ou pleno talvez vá ao cinema, curta um romance ou se distraia. Talvez eu me veja menos em situações solitárias compondo no quarto. Gosto de compor sozinho, mas não acho que haja um clima favorável para fazer canções, esses momentos apenas produzem músicas diferentes. “Volta”, por exemplo, é uma canção que eu fiz animado, embora algumas pessoas interpretem a faixa como o fim de um namoro ou alguém pedindo para voltar, mas é mais relacionada com a saudade e evoca alguém que está longe. Trata-se de uma música que exalta e vê beleza num amor correspondido. Enquanto “Não”, do meu disco solo é uma música muito triste. Sinto que as duas coisas podem virar canções bonitas e intensas. O que me agrada é o fato da alegria e da tristeza gerarem temas belos.
Gostaria que definisse o relacionamento da sua banda com o grupo português Capitão Fausto e me falasse do vosso show conjunto na próxima edição do Rock in Rio 2019?
Nós soubemos da existência do Capitão Fausto um pouco antes de termos ido pela primeira vez a Portugal, por volta de 2015 e 2016. Eu gostei da banda e falei com o Domingos Coimbra (baixista) pelo Facebook. Ele contou-me que estava escutando O Terno, gostava da nossa sonoridade e quando trocamos ideias percebemos que tínhamos muitas referências e caminhos semelhantes. Quanto mais fomos conhecendo o Domingos, sentimos uma afinidade maior e tivemos a percepção da nossa trajetória comum. O senso de humor, a procura da originalidade e o crescimento aos poucos enquanto banda, para ganhar espaço, valeu para o Capitão Fausto como vale para O Terno. Também foi importante falar com uma turma da mesma idade e refletir sobre a nossa época. Somos bastante parecidos ao nível da vivência. Nós pretendemos fazer o show do Rock In Rio inteiramente juntos com as duas bandas no palco durante o tempo inteiro tocando repertório de ambos, com arranjos novos e invertendo funções: eu cantando músicas de Tomás e ele interpretando canções minhas.
Acredita que futuramente O Terno poderá alcançar um público mais vasto como aconteceu com o Los Hermanos?
Sinceramente, não lhe sei dizer. Há pouco tempo, eu abri dois shows de estádio da nova turnê do Los Hermanos e o tamanho do público, tal como o grau de interação, é muito impressionante. Quando você vê o Maracanã cantando as músicas deles entende que se trata de um fenômeno extraordinário. Eu encontro algumas semelhanças no meu público e d´O Terno (também acontece com o Los Hermanos), pela paixão da música e pelo fato das canções entrarem como trilha sonora da própria vida. Relativamente à legião de fãs d´O Terno, constato que vem crescendo. Nós começamos 10 anos depois do Los Hermanos e existem vários fatores que eu não posso prever, porque esse grupo apareceu numa época em que estavam encerrando as gravadoras e a internet e o streaming não eram desta forma. Eles tiveram um grande sucesso no início da carreira e ficaram conhecidos a nível nacional. Ao mesmo tempo, O Terno vem de uma época independente, criando o seu próprio caminho. Desconheço as vantagens e desvantagens de cada um desses processos e dos resultados. No entanto, encontro semelhanças por serem públicos carinhosos, que amam as músicas e eu ficaria muito feliz que nós conseguíssemos ter a dimensão e o número de pessoas que eles atingiram, porque é muito bonito de ver e agrada-nos que saibam as canções quando queremos falar com o público.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.