Texto por Bruno Capelas
Fotos por Fernando Yokota
Barulho e força jovem. É um bom jeito de definir como foi o Balaclava Apresenta Cloud Nothings, evento realizado pelo selo paulistano Balaclava Records no último sábado, 13 de abril. O minifestival trouxe ao Brasil pela primeira vez a banda de Cleveland, Ohio, acompanhados dos brasileiros eliminadorzinho e Lupe de Lupe, numa noite pra deixar os ouvidos zumbindo no Fabrique, um clube “suado” (o calor só não foi maior devido à friaca que fazia em São Paulo) localizado na Barra Funda, zona oeste da capital paulista.
Coube aos paulistanos do eliminadorzinho (assim mesmo, com caixa baixa e diminutivo) abrir os trabalhos. Em cerca de meia hora, o trio formado por Gabriel Garcia (guitarra e voz), João Pedro Haddad (baixo) e Tiago Schützer (bateria) mostrou que tem energia de sobra, em canções que remetem a bandas como Dinosaur Jr., Ludovic ou Sonic Youth. As letras que as acompanhavam, porém, eram meio inocentes, pueris até – a melhor delas, “Das Vezes Que Conversamos Na Cama e Acabamos Dormindo”, que encerrou o show, faz referência ao desenho Pokémon, por exemplo.
Não foi a única citação aos monstrinhos de bolso: a projeção no telão atrás do trio foi simplesmente dos minutos iniciais de “Pokémon O Filme: Mewtwo Contra-Ataca”, primeira animação da série japonesa a passar nos cinemas brasileiros, no ano 2000. À primeira vista, o eliminadorzinho parece ser uma banda que segue à risca, mesmo sem querer, a frase do cartunista Jules Feiffer: maturidade é uma fase, adolescência é para sempre. Ou não – é bom ficar de olho.
Na sequência, o quarteto Lupe de Lupe veio ao palco para um público já bastante respeitável. Diante de pelo menos 400 pessoas, a banda mineira mostrou porque o rock, essa criatura meio caquética, ainda pode fazer sentido em cima de um palco. O show começou com uma dupla de canções do mais recente disco da banda, “Vocação”, lançado no final de 2018, e integrante da lista de discos mais votados no Melhores de 2019 Scream & Yell. Em estúdio, “Fragua” e “Midas” soam como monólogos, respectivamente, do guitarrista Vitor Brauer e do baixista Renan Benini. Ao vivo, sob a cama da segunda guitarra de Jonathan Tadeu e a bateria de Cícero Nogueira, além do acompanhamento vocal da plateia, elas ganham muita força.
Era apenas o começo de uma noite marcante, uma caótica comunhão entre artistas e público. Logo depois, Vitor Brauer só precisou cantar a primeira frase de “Fogo Fátuo” para ver a plateia esbravejar a letra inteira, um desabafo no meio de um relacionamento em desencanto (“sendo que eu e você nem nos lembramos mais / como é estar bem” é um verso que machuca, machuca demais).
O mesmo aconteceu com “Gaúcha” ou “SP (Pais Solteiros)”, dois petardos do disco anterior da Lupe de Lupe, “Quarup”, de 2014: a primeira, uma balada insólita, arrepiou os pêlos dos presentes. Já a última, uma homenagem atualíssima a São Paulo e que dialoga com Caetano, Racionais e Jair Naves sem perder a pose maldita, rendeu uma roda de pogo intensa (ajudava o fato da canção trazer em seu nome uma referência à banda-mãe da Balaclava, os Single Parents; mais ainda o fato de que Brauer usava uma camiseta do Corinthians – embora este repórter prefira cantar que seu coração é alvinegro por conta de outro emblema).
Mas há mais um motivo pelo qual a Lupe de Lupe cometeu um grande show em São Paulo: é uma banda que tem dinâmicas interessantes ao propor “músicas tortas”. Eles saem do padrão convencional de outras bandas da mesma safra – canções sentimentais em hardcore acelerado ou viagens instrumentais de letras enigmáticas. Em meio à conexão de baixo-guitarra-bateria, surgem vocais fora das tonalidades habituais ou distorções a mais, em uma conexão que faz sentido: se a mensagem das canções da Lupe de Lupe mostra um mundo desalinhado, é justo que sua sonoridade também reflita isso em alguns momentos.
É algo que pode ser sentido em “O Brasil Quer Mais”, um hino não oficial do País em 2018, ausência sentida na Barra Funda neste sábado. Mas também presente em “Eu Já Venci”, outra canção que vagueia entre o textão de Facebook e o manifesto, defendida com tanto afinco por Brauer que ele até rompeu uma corda de sua guitarra no meio da canção.
Deveria ser o fim, mas a plateia tanto insistiu que a organização liberou mais uns minutos para os mineiros. Para encerrar sua passagem com “17” (escrita em 2012, longe da praga que caiu sobre o número nas últimas temporadas), Brauer precisou pegar emprestado o instrumento do colega Chris Brown, do Cloud Nothings. Nem por isso o mineiro de Governador Valadares teve medo de acabar seu show roubando a cena dos gringos, em uma apresentação marcada por suor e lágrimas do público.
Não que a apresentação do Cloud Nothings tenha sido ruim, pelo contrário, foi um show bastante divertido, dividido em duas partes. Na primeira, os americanos comandados por Dylan Baldi (guitarra e voz) executaram na íntegra seu mais recente álbum, “Last Building Burning”, de 2018. Houve refrões cativantes, sim, como o de “Leave Him Now”, que poderia enganar um incauto ouvinte pensando se tratar de um outtake do Hüsker Dü.
No entanto, ao deixar o hardcore de lado e embarcar em viagens noise, como nos mais de dez minutos gastos em “Dissolution”, a banda de Ohio trouxe à tona um som derivativo. Era como se o virtuosismo dos quatro músicos (a formação é completada pelo baixista TJ Duke e pelo baterista Jayson Gerycz) saltasse à frente da graça pela exploração sonora – às vezes, tão importante quanto o caminhar é saber aonde se quer chegar.
Na segunda metade de seu show, a banda aproveitou para passear por temas de seus outros quatro discos, lançados entre 2011 e 2016, em um repertório que variava entre o power pop (“Modern Act”), o emo e o post-rock, contagiando a plateia, não faltando oportunidades para o stage diving. A própria banda estava animada por tocar no Brasil e estar em fim de turnê – em certo momento, Baldi se apresentou na língua local e comentou o show da noite anterior, em Chapecó (SC). “That’s a weird place!”, disse o rapaz – que provavelmente não teve tempo de conhecer a grande banda Repolho. Uma pena (nota do editor: como comentou Demétrio Panarotto no final do texto, o Cloud Nothings conheceu sim a banda Repolho, o que justifica ainda mais o ‘That’s a weird place!’, pois eles tocaram na 4ª edição do Magnólia Festival junto a Dingo Bells, Terno Rei, Defalla, Frankenchrist, Disaster Cities e… Repolho!)
Mas faltava um “algo a mais”: seja no modo “raivoso” ou no modo “calminho”, o som do Cloud Nothings saía das caixas acústicas limpo, organizado, algo que deve ter dado trabalho ao engenheiro de som local, mas que deixava o conteúdo da banda “um nível” abaixo do desejado, especialmente depois do trator Lupe de Lupe. No bis, essa noção se tornou novamente perceptível, quando a banda embarcou por outro número na casa dos dez minutos, “Wasted Days”. Ali, o quarteto de Ohio voltou a trafegar sem rumo e sem juízo.
No saldo geral, uma noite interessante e divertida. Pontos a favor para a organização no horário dos shows – eram pouco mais de 22h quando os portões se abriram para o público voltar para casa – e na acústica, algo ainda raro em pleno 2019 da nossa era digital. Contra, porém, pesou o calor do Fabrique e o preço das bebidas (R$ 15 numa long neck de Budweiser, o puro creme do arroz, é muita sacanagem).
Enquanto eliminadorzinho e Cloud Nothings apresentaram dois bons shows, a Lupe de Lupe se mostrou uma banda inspirada em uma noite inspirada. Se por acaso os mineiros passarem perto de você, caro leitor, mesmo que seja numa biboca em um bairro esquisito do outro lado da cidade, não hesite em conferir. Perder uma grande apresentação pode doer mais que beber mercúrio.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista do caderno Link, de O Estado de São Paulo. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
Queria fazer uma pequena correção só.
Quem tava tocando guitarra na Lupe de Lupe substituindo o Gustavo nesse show era o Jonathan Tadeu.
valeu, Gabriel! Eu o reconheci numa foto na bateria, e fiquei na dúvida!
Pelo contrário, acharam o lugar estranho pois assistiram o show da banda repolho; abraços;
“A própria banda estava animada por tocar no Brasil e estar em fim de turnê – em certo momento, Baldi se apresentou na língua local e comentou o show da noite anterior, em Chapecó (SC). “That’s a weird place!”, disse o rapaz – que provavelmente não teve tempo de conhecer a grande banda Repolho. Uma pena.”
Olha, com todo o respeito, mas o show do cloud nothings foi absurdamente bom. Não ouvi esse som límpido. Pelo contrário, um som com duas camadas, uma de fato mais na linha punk, post rock, e uma guitarra solo totalmente dostoante mas paradoxalmente complementando perfeitamente. O outro guitarra que nao o Dylan, toca num mundo paralelo, riffs nao convencionais, sons que contrapõe o que a banda faz. O lupe de lupe fez um bom show, mas só. A qualidade de som de Qualquer banda gringa comparada com as nacionais é absurda. O lupe de lupe as vezes soa como uma banda amadora do fundo de garagem. De novo, recomendo o show dos caras, mas o amadurecimento em termos de produção e som ainda deixa a desejar.
O show do Cloud Nothings foi devastador. Qualquer descrição diferente disso está equivocada. É uma tradição dos rapazes essas músicas de 10 minutos e os fãs entendem bem essas viagens. É um charme a mais. Que show… Tomara que voltem e logo.
Na boa, pode ser o melhor som do mundo mas um nome desse (eliminadorzinho) faz perder toda a credibilidade, dá nem vontade de procurar saber mais sobre a banda