entrevista por Pedro João
Há quem diga que idade é um número desimportante, que não quer dizer nada sobre quem o carrega. No entanto, no caso da francesa Jain, seus 27 anos servem de ponto de partida para algumas questões importantes. Além do fato de ser uma artista prodígio – suas primeiras composições desabrocharam por entre os 12 e 13 anos –, ela também está inserida em uma geração que cresceu com a internet. Isso significa que desde cedo, como a maioria dos nascidos no começo da década de 1990, Jain está conectada com o mundo: enquanto geração, os “millennials” podem até discordar radicalmente entre si, mas, de alguma forma, estão brigando por tentar convencer uns aos outros de suas novas maneiras de transformar o mundo em um lugar melhor. Por isso os textões no Facebook, as infinitas “threads” no Twitter e os debates de mesa de bar que parecem nunca acabar – e andam cada vez mais acalorados.
Para alguém com acesso a tanta informação, é estranho pensar que Jain poderia nunca ter ouvido falar em apropriação cultural. No entanto, os desavisados que assistem aos seus clipes ou ouvem suas músicas – que combinam pop com Afrobeat e influências da música árabe – podem imaginar que trata-se de mais uma menina branca que acha que pode se aproveitar de culturas que não são suas. Usando-as como artigo decorativo, perfume ou enfeite na sua produção artística.
A nossa sorte é que essa primeira impressão está longe de condizer com a verdade. Apesar de ter nascido na França, a jovem musicista viveu por anos no Congo e nos Emirados Árabes. Sua infância foi marcada pelas mudanças de país feitas ao lado de seu pai que trabalha para a indústria do petróleo. Praticamente de três em três anos, Jain via sua vida virar de ponta cabeça: novos amigos, nova escola, novas músicas, novas culturas…
Tudo isso, de um jeito ou de outro, acabou entrando para o seu repertório. Depois desses deslocamentos, a artista se deparou com dois sentimentos abissais: o primeiro, uma solidão irresoluta usada como combustível para seus impulsos criativos; e o segundo, a crença de que é a alteridade e a noção de que somos todos iguais que vão trazer para essa sua geração inconformada o futuro pacífico tão sonhado. Não à toa, o show que ela trouxe para o Lollapalooza Brasil 2019 foi baseado em seu segundo disco “Souldier” (2018) – intitulado pelo amálgama das palavras inglesas “soul” (alma) e “soldier” (guerreiro/soldado). Em entrevista ao Scream & Yell, durante o festival, Jain falou sobre sua bagagem, sua música e a mensagem que tenta deixar em cada lugar que visita. Brasil incluso.
Você viveu em muitos países diferentes durante a sua vida. Como cada um desses lugares impactou você e sua música?
Eu jamais teria sequer feito música se não fossem por essas viagens. Quando se é uma adolescente viajando desse jeito, tudo muda muito agressivamente. Você tem que deixar tudo para trás várias vezes. Ao mesmo tempo que se abre para coisas novas o tempo todo: novos amigos, nova escola, tudo. De qualquer maneira, isso fez com que eu me sentisse muito sozinha. A minha música, na verdade, veio dessa solidão. Minha vida foi moldada por isso, eu sou feita dessas conexões e elas são tudo para a minha música.
Por causa da influência árabe e africana na sua música, você já foi acusada de cometer apropriação cultural. Como você lidou com essas acusações? Em algum momento elas fizeram você duvidar das escolhas que tomou?
A verdade é que em nenhum momento eu fui literalmente acusada de apropriação cultural. Ninguém afirmou assim tão categoricamente que meu trabalho se tratava disso. O que acontece, em geral, é que eu sou questionada a respeito do assunto. E é óbvio que eu tenho que me explicar. Mas, depois que eu explico, as pessoas sempre entendem. Eu sei o que eu vivi e sei que isso é verdadeiro e sei que não estou roubando uma cultura ou tentando fazer algo que não é meu parecer meu. Eu vivi nesses países, eu cresci com essas referências, então uma acusação dessas me pareceria um pouco nonsense. Meu trabalho, inclusive, é exatamente sobre o contrário: sobre união, sobre alteridade e esperança.
Na faixa “Makeba” do seu primeiro disco, você faz uma homenagem à Miriam Makeba que – além de ser uma cantora de sucesso – também foi uma importante ativista contra o Apartheid na África do Sul. Você acredita que a música tem o poder de aferir mudanças políticas no mundo? Se sim, de que maneira o seu trabalho faz isso?
Eu não sei dizer com precisão se a música tem, de fato, essa capacidade. O que eu posso dizer é que eu espero que tenha. Quando eu escrevi “Makeba”, meu intuito foi o de mostrar para o mundo – especialmente para as mulheres – o trabalho dessa ativista e artista única. São poucas as mulheres que lutaram como ela lutou e, para mim, é muito importante que saibam quem ela foi. Escrevo músicas porque sou uma sonhadora. O meu sonho é um mundo melhor, um mundo pacífico e é essa a minha abordagem à música. Escrevo e falo sobre esperança e queria muito que quem me ouve possa sentir isso também. É essa a conexão que eu adoraria que as pessoas tivessem com a minha música.
Se você pudesse incluir qualquer artista, vivo ou morto, no seu palco, quem você chamaria?
Nossa, essa é difícil. Hm… Acho que o Bob Marley seria muito divertido. O Kendrick Lamar, com certeza. E, uau, a Beyoncé! A Beyoncé, por favor.
Você é muito jovem e já está fazendo muito sucesso. Onde imagina estar daqui uns anos?
Espero continuar na música. Eu tento levar a minha carreira como uma maratona e não como uma corrida. Quero tomar o tempo que for necessário para fazer as coisas darem certo. Quero fazer a minha arte e não cair nessa armadilha do mundo dos negócios, quero continuar sendo verdadeira comigo. Vai demorar mais tempo, mas é assim que eu prefiro fazer as coisas. Se tudo der certo, daqui a pouco eu já estou de volta ao Brasil para a gente se divertir mais juntos.
E o que você achou do Brasil? Mesmo depois da chuva, o público continuou animado?
Foi muito legal! Mesmo depois da tempestade, eu amei a experiência. E amei a cidade. Conheci o Beco do Batman, sou fã de arte de rua! Fui a ótimos restaurantes que não lembro o nome, mas estou amando o Brasil.
Pedro João é jornalista tendo passado pelas redações da Elle Brasil e da Veja Comer e Beber. Conheça seu canal no Medium. A foto que abre o texto é de Will Keeler durante uma sessio na Minnesota Public Radio, em que Jain conversou e cantou três canções: “Makeba”, “Inspecta” e “Alright”. Ouça online a session.
Jain é demais! Grato pelo algoritmo do youtube que me permitiu conhecer o som dela.