Texto por Marcelo Costa
Fotos por Marcos Hermes
São Paulo, 26 de março de 2019. Paul McCartney estava prestes a fazer sua 25ª apresentação ao vivo no Brasil (a 21ª só nesta década!), e a grande maioria das 45 mil e 600 pessoas que marcaram presença na primeira noite de Macca no Allianz Parque sabia de cor o roteiro do show, afinal juntando Beatles, Wings e carreira solo, Paul tem mais de 400 canções, mas já faz uns 10 anos que ele toca as mesmas 30 canções, brincando de variar levemente as outras 9 (num set list que costuma fechar com 39 canções). Se todo mundo já sabe como será mais de 70% do show, o que atrai tanta gente toda vez que o homem pisa nessa pobre terra miserável?
Talvez, conforto. Quem sabe escapismo. Ou apenas entretenimento para a alma, música como válvula de escape para sobreviver em um país que parece ter perdido sua humanidade e dirige aceleradamente em direção a um muro visando um violento acidente do qual não haverá sobreviventes, pois a perda da humanidade não consagra vitoriosos: somos todos perdedores. Nesta noite no Allianz, porém, a história é outra: somos todos apaixonados por música (ok, ok, nem todos), e a zona de conforto do show de Paul é o melhor ambiente para uma reunião familiar desde que o Whatsapp implodiu as festas de fim de ano e outras confraternizações.
Com a Freshen Up Tour, no entanto, Paul McCartney traz uma carta na manga. Na verdade, três: Mike Davis, Paul Burton e Kenji Fenton, o trio de metais que atende pelo nome de Hot City Horns e que estreou ao seu lado no segundo semestre do ano passado, dando vida nova a velhas canções que todos conhecem. No show, eles surgem no meio do público, no fundo da área vip (em São Paulo) durante “Letting Go” (do Wings) e emocionam em “Got to Get You Into My Life”, e a boa surpresa se estenderá durante grande parte das intervenções do trio na noite (que incluem, ainda, “Ob-La-Di, Ob-La-Da” e, mama mia, “Live and Let Die”).
Dito isto, e juntando ainda as quatro músicas novas do bom “Egypt Station”, de 2018 (sim, a ‘homenagem’ “Back in Brazil”, uma das novas, marcou presença no set, e é tão fraca ao vivo quanto em disco) que bateram ponto na noite, é possível dizer que esse foi um dos mais interessantes shows recentes de Paul no país, com muitas novidades e um clima descontraído entre músico e banda (e a própria produção), o que resultou em pequenos erros aqui e ali (no caso da produção, os fogos não funcionaram em “Live and Let Die”), contornados por uma entrega de quase três horas ao vivo. Ahhh, a voz de Paul não mostrou os sinais de cansaço de 2017.
Nas curiosidades, as brincadeiras e citações permanecem as mesmas: logo no começo, Paul conta que irá falar um pouco de “português”, depois dedica “Here Today” ao “irmão” John Lennon, homenageia o amigo George Harrison com “Something” (Ringo precisará morrer para ter um “espacinho” nos shows de Paul), dedica “My Valentine” a atual esposa Nancy e, num sutil momento de quebra de protocolo (político), diz que irá tocar uma música sobre “Human Rights”, e reforça em português, “Direitos Humanos” – nas vezes anteriores que veio ao Brasil, e não foram poucas, ele não “precisou” dizer o tema de “Blackbird”, mas dessa vez achou importante avisar. Será que algo mudou? (a pergunta é cínica, caro leitor).
“Let Me Roll It”, com homenagem a Jimi Hendrix via citação de “Foxy Lady” na coda, “Band on The Run” (com aquela passagem de violão linda da primeira para a segunda parte do arranjo) e a tempestuosa “Helter Skelter” (um brilhante decalque de Who) continuam sendo os principais momentos de um show incrível que ainda emocionou com o estádio todo iluminado por luzes de celulares em “Let it Be” e com cartazes de “Na Na” (distribuídos pelo patrocinador) no coro de “Hey Jude”. No fim “Golden Slumbers”, “Carry That Weight” e “The End” – e a frase (que faz temer pelo Brasil atual) “and in the end the love you take is equal to the love you make”. Acabou… e deixou saudades. Que em 2020 ou 2021, ele esteja de volta… e nós também.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.