Resenhas por Renan Guerra
“SASAMI”, SASAMI (Domino Records)
Sasami Ashworth não é nenhuma novata: a musicista californiana toca instrumentos como baixo, guitarra, teclados e trompa e já trabalhou ao lado de gente como SoKo, Wild Nothing e Curtis Harding. De 2015 a 2018 ela foi responsável pelos synths do Cherry Glazerr, até que decidiu sair da banda e se lançar em carreira solo. Estilizando seu nome para SASAMI, tudo em caixa alta, saiu em março de 2019 seu disco homônimo, uma espécie de tratado sobre desilusões embebido em muitas guitarras e sintetizadores. As desilusões amorosas são ponto de partida para canções que soam barulhentas, como “Callous”, ou pops, como a grudenta “Jealousy”, tudo com tons que nos fazem passear por diferentes referências, como PJ Harvey e Liz Phair nos anos 90 ou certo flerte com o shoegaze. “SASAMI”, o disco, conta com a presença de SoKo, Dustin Payseur (do Beach Fossils) e Devendra Banhart, esse último na lânguida e bela “Free”. O resultado geral é um disco de estreia muito sólido, que parece revisitar universos já conhecidos dando novos olhares e novas sonoridades, tornando esse um passeio encantador e barulhento. É quando uma mulher empunha uma guitarra que o rock tem se mostrado mais interessante nos últimos muitos anos (vide Angel Olsen, St. Vincent, Courtney Barnett e Sharon Van Etten, entre muitas outras), por isso SASAMI merece a sua atenção.
Nota: 8
“Quiet Signs”, Jessica Pratt (Mexican Summer/City Slang)
A voz anasalada e estranha de Jessica Pratt parece ter chegado ao seu melhor momento em “Quiet Signs”, seu terceiro disco, lançado em fevereiro. Há em suas composições quase como que uma timidez em se expor, sua dor e seus medos são parte de um misterioso universo melancólico e quase atmosférico. Sua voz ganha contornos ainda mais complexos através de sua pronunciação poética, que deixa certas palavras quase incompreensíveis, já que ela parece dar diferentes entonações ou divisões silábicas às palavras – ouça “Crossing” e perceba isso. A precisão e a delicadeza de cada instrumento no disco parece conduzir Jessica para diferentes rumos, flertando com o folk, o freak folk e o pop de câmara, tudo de forma bastante própria. Os ecos de gente como Joni Mitchell, Cocteau Twins e Nico se fazem presentes, porém há uma estranheza bastante singular em “Quiet Signs” que o faz parecer um álbum antigo, perdido, que ficou empoeirado em algum canto e que podemos redescobrir agora, de forma bastante eficaz. Pode até parecer que esse é um disco datado ou saudosista, porém é o contrário: Jessica pede a atenção do ouvinte e a cada nova audição vamos compreendendo a sutileza e delicadeza de suas construções sonoras. Canções como “As The World Turns”, “Poly Blue” e “This Time Around” mostram um romantismo bastante peculiar, que transforma melancolia em beleza, em alento. Vale uma audição cuidadosa.
Nota: 9
“Remind Me Tomorrow”, Sharon Van Etten (Jagjaguwar)
Desde o excelente “Are We There”, de 2014, a norte-americana Sharon Van Etten deu à luz ao seu primeiro filho, entrou na faculdade de Psicologia e participou das séries The OA e Twin Peaks. Seu retorno com “Remind Me Tomorrow” (2019), cinco anos depois, é uma excelente surpresa que só vem a somar em uma carreira exponencial. Nesse novo disco, os temas clássicos da artista ressurgem, porém ela parece buscar novos caminhos e possibilidades para os seus anseios: o amor, a maternidade, o amadurecimento são pontos de partida para canções complexas, que reafirmam Sharon como uma das grandes letristas da atualidade. Evitando o mais do mesmo, a produção de “Remind Me Tomorrow” ficou a cargo de John Congleton (que já trabalhou ao lado de St. Vincent e Angel Olsen), que conversa de forma mais ampla com as intervenções eletrônicas, como em “No One’s Easy To Love” ou “Comeback Kid”, por exemplo. A maternidade de Sharon parece ser um ponto importante de todo o universo do álbum, que vai desde a capa, que exibe um caótico quarto infantil, até canções que parecem conversar com sua filha, como “Stay”. Os momentos mais interessantes, por outro modo, surgem quando a artista parece olhar para o passado e rever sua juventude, como em “Comeback Kid” ou na excelente “Seventeen”, um tratado interessantíssimo sobre amadurecimento. No final das contas, “Remind Me Tomorrow” reafirma mais uma vez Sharon Van Etten como uma das melhores artistas de sua geração, em um disco que cresce a cada audição e se mostra mais complexo e interessante em seu olhar sobre o nosso caos cotidiano. Para ouvir em volume alto.
Nota: 9
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o site A Escotilha.