por Leonardo Vinhas
Para quem defende que o meme é uma nova forma de humor, o novo álbum do Weezer – 12º na carreira da banda – deve ser hilário. Afinal, o disco nasceu de um meme iniciado por um fã, que pediu que a banda regravasse “Africa”, hit do Toto, uma dessas cafonas bandas de soft rock que o revisionismo do tempo permite que seu trabalho seja visto como cult ou kitsch (alguém ainda usa esses termos?). A partir dessa ideia, a banda não só atendeu ao pedido como fez um álbum inteiro de covers. Como os de 1994, 2001, 2008 e 2016, este leva o nome da banda, recebendo na sequência o apelido da cor predominante da capa (“Blue”, “Green”, ‘Red”, “White” e agora, “Teal”).
Só que nem todo mundo acha meme engraçado. Tente contar um meme para alguém – não funciona. É um humor que só dá certo na sua forma, e dentro de um contexto particular ao grupo que é endereçado. Além disso, é algo de vida curta – ou você conhece algum meme “eterno”? Pois é mais para esse lado que esse “Teal Album” caminha: o da descartabilidade. Tudo é feito para durar o tempo de um meme – tanto que o disco foi lançado sem aviso prévio, e a banda já sinalizou que logo vai concentrar seus esforços em divulgar o novo álbum (“Black”, dessa vez), a ser lançado no começo de março. Ainda assim, esse “Teal” conseguiu atingir o quinto posto na parada da Billboard, e olha que está disponível apenas em formato digital.
Tem gente anunciando essa história como uma prova da “esperteza” e da “ousadia” da trupe de Rivers Cuomo, que “faz o que quer” e “desafia as normas da indústria” – enumerando “evidências” como a falta de divulgação “oficial” do álbum (e as redes sociais, são o que?), a “autossabotagem” que é lançar um disco de covers antes de um álbum de inéditas e coisas do tipo. O mais impressionante do marketing é que sempre vai ter quem compre a ideia como profunda, e ousada não importa quão rasa ela seja.
“Weezer (Teal Album)” é um disco que não entrega nada musicalmente, e que não tem nenhuma “ousadia” em sua estratégia de lançamento. É um disco preguiçoso, que compila recriações de hits massivos, testados e comprovados, em versões que parecem ser executadas por uma banda de casamentos, não por uma com 25 anos de carreira.
O disco é tomado por nostalgia, com o devido acréscimo da “ironia” e da “falta de preconceito estético” tão comuns a essa era digital. Assim, dá para ter baladinha sessentista (“Happy Together”, dos Turtles), hip hop noventista (“No Scrubs”, das TLC), pop sintetizado dos anos 80 (Tears for Fears, Eurythmics, A-ha), soft rock (Toto, ELO), hard rock (uma deslocadíssima “Paranoid”, do Black Sabbath, na voz do guitarrista Brian Butler) e soul muisc (“Stand By Me”, do Ben E. King). Quando só emula o original, timbre por timbre e nota por nota, é simplesmente oco. Mas quando o original é algo que requer um pouco de alma, o resultado é intragável e/ou digno de pena – caso de “Stand By Me” e de uma patética versão de “Billie Jean”, de Michael Jackson.
Se o ouvinte tem 15 anos ou menos, talvez seja a primeira vez que ele vai ouvir as canções aqui contidas. Mas se o ouvinte é um pouco mais velho fica difícil entender a quem o álbum apela – a não ser que se leve em conta esse fator da preguiça e da ironia da era digital.
Há quem diga que a tendência à formação de “bolhas” nos ambientes online nos tornou mais impermeáveis às novidades. Queremos sempre mais, desde que seja mais do mesmo. E se “o mesmo” for o que nos encantou nos nossos anos de formação, melhor ainda. Porque parecemos ter cada vez mais dificuldade em envelhecer. Mas parafraseando Fabricio Nobre, organizador do festival Bananada, quem tem saudade da música que ouvia aos 20 anos não tem saudade necessariamente das canções, e sim de ter 20 anos.
Depois do estouro do “Blue Album” (1994) 25 anos atrás, Rivers Cuomo fez um álbum de adultescência, o excelente “Pinkerton” (1996). Mas os fãs não aceitaram que aquele cara que cantava sobre isolar-se numa garagem cheia de RPGs e action figures agora cantasse sobre abusos químicos, estafa sexual e o desejo de se entregar a uma fã japonesa de 18 anos. Para eles, Cuomo tinha que continuar sendo aquele nerd sexista, saudosista de um tempo que não viveu e obcecado por cultura pop. Cuomo parece ter atendido aos apelos dos fãs, e passou os anos seguintes se repetindo, cada vez com menos estofo musical, e a única brecha para mudança eram acenos para o rock mais farofa ou o pop mais meloso.
As resenhas no Scream & Yell acompanharam esse processo: “Se perderam em inocência, ganharam em cinismo” escreveu André Fiori em 2001 sobre o “Green Album”; O disco seguinte, “Maladroit” (2002), foi “feito com as mãos nas costas, sem muita obrigação e sem toda inspiração”, resenhou Marcelo Costa; “Make Believe” surpreendeu Tomaz de Alvarenga: “É um prato cheio pra quem tem fome de boa música” (2005); Já no “Red Album” (2008) havia sinais do que contaminou a banda, pois ele “soa preguiçoso (não confunda com simplicidade)”, palavras de Marcelo Costa, que bocejou, mas ainda dava crédito para banda em “Raditude” (2009 – “É pouco, mas é Weezer”) e perdeu a paciência em “Hurley” (2010 – “eles se divertem lançando algumas canções geniais perdidas em álbuns ridículos”). Marco Antonio Bart deu sequencia ao legado falando de “Everything Will Be Alright in the End” (2014) – “Não seria o primeiro caso de uma banda que atinge seu ápice cedo demais e, exaurida, gasta o resto de sua discografia tentando buscar o brilho perdido” –, e ninguém se animou a mergulhar no rock farofa e no pop meloso de “White Album” (2016) e “Pacific Daydream” (2017).
Os fãs, porém, parecem estar nessa pegada. Todo mundo chafurdando nas lembranças do próprio passado por conta da incapacidade de encarar o presente. E se o presente pode ser entendido como “Can’t Knock the Hustle”, medíocre single do vindouro “Black Album” (olha a repetição de novo…), dá até para se apiedar de quem prefere o passado. O Weezer se tornou uma banda incapaz de criar algo sólido, e que conta com meia dúzia de truquezinhos para manter a engrenagem funcionando – truquezinhos que espelham a crescente falta de critérios que norteia o consumo de música em larga escala hoje. E com esse disco “verde-azulado”, conseguiu fazer pior que lançar um disco ruim: lançou um álbum lamentável.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
Bela resenha!
Achei a resenha um pouco radical, embora concorde plenamente em alguns tópicos. Nem o excelente White Album – depois de várias “pisadas” da banda – foi poupado pelo resenhista a
ponto de tachá-lo de “rock-farofa e pop-meloso (!!??)…..enfim, achei interessante esse Teal
Album, e, penso que um disco de “covers”, não requer necessariamente que as músicas nêle
contidas sejam tocadas diferente das originais…Teal Album, é um ótimo disco, penso assim !
É meu xóven! Gostei muito da tua percepção e observação acerca desse tal de “TEAL” Album desses
piá véio do Weezer : Rivers (Never Johnny Rivers/Buddy Holly) Cuomo. Você sabe e sente que o potencial da banda não tem sido explorado ou internamente (ou integralmente) manifestado (pelos próprios membros desse grupo alternativamente criativo) que um dia já te surpreendeu e que, devido ao teu olhar e opiniões, talvez você ainda ame ou quem sabe, sinta um pouquinho de carinho lá (lá) no fundo. Mas assim : Acontece que tudo e todo mundo aparentemente está numa fronteira disruptiva no estilo “Mad Max – Mel Gibson & Tina Turner” versus “Pre Millenium Tension – Tricky” (AC/DC – Antes da covid/Depois da covid), e daí pode ser que muitos valores, vivências, memórias e percepções do passado funcionem ou atuem como influências estruturais, ou seja, certas músicas trazem a segurança emocional de um passado que sabemos não mais possível. Bem, confesso que gostei do disquinho do Weezer e da surpresa em ouví-los como uma banda cover despretensiosa (total formatura/casamento). Acho que eu realmente não vou mais me casar nessa vida, mas posso deixar um último pedido em testamento : “Island In The Sun” na trilha sonora do meu velório.