entrevista por Homero Pivotto Jr.
O vocalista Phil Anselmo rugiu alto e conquistou visibilidade à frente do Pantera, um dos nomes mais ferozes para o metal moderno — considerando-se a agressividade sonora e o sucesso comercial alcançados pela banda. Discos como “Cowboys from Hell” (1990), “Vulgar Display of Power” (1992), “Far Beyond Driven” (1994), “The Great Southern Trendkill” (1996) e “Reinventing the Steel” (2000) foram guias em meio à selva que era o mainstream da música pesada durante os anos 1990. Mesmo com o sucesso, a impetuosidade característica dos que não se deixam domesticar fez com que o grupo texano implodisse, anunciando a separação em 2003.
Phil continuou sua saga com o Superjoint Ritual, o Down, o Arson Anthem e outros projetos. Mas a natureza foi implacável: além de ter que lidar com problemas envolvendo drogas, o frontman ainda precisou engolir a morte de dois antigos colegas. Um foi o guitarrista Dimebag Darrell, caçado e morto em pleno palco enquanto se apresentava com o Damageplan, em 2004. O outro foi o baterista Vinnie Paul, irmão de Dime, que deixou este plano em razão de complicações cardíacas no ano passado.
A fera estava então ferida, e havia cicatrizes a curar. Algumas da alma (o ressentimento com os antigos parceiros), outras do corpo (problemas nas articulações e colunas, entre outras enfermidades). Mas o bicho conseguiu ir adiante. Não sem dar alguns tropeços feios pelo caminho, como o que rolou no Dimabash 2016, festival que reúne músicos amigos do finado Dimebag para homenageá-lo.
Combalido, Phil abandonou hábitos antigos, como a bebida, e passou a extravasar sua fúria com os filhotes do The Illegals. As patadas agora se concentram nesse projeto, que lançou o álbum “Choosing Mental Illness As A Virtue” (2018) e na turnê em tributo ao conjunto que lhe garantiu posição privilegiada na cadeia alimentar da música extrema. Batemos um papo com Phil para entender melhor sua luta por sobrevivência, pessoal e profissional, e o que esperar dessa tour Brasil.
Você é meio workaholic. Scour e The Illegals são dois exemplos de projetos musicais seus na ativa atualmente. O que te motiva a se manter trabalhando, escrevendo? Fazer música é uma necessidade?
Penso que sim. Creio que é tudo o que sei fazer bem. Velho demais para mudar. Eu amo filmes de terror (N.d.E: Phil é dono da Housecore Records, que organiza o Housecore Horror Film Festival, dedicado à música e ao cinema fantástico), mas prefiro assisti-los do que trabalhar neles. Tudo que eu quero fazer é escrever música. Para ser honesto com você, é uma terapia maravilhosa fazer som
Alguma outra empreitada musical atualmente, além das duas mencionadas?
Tem uma banda chamada En Minor em que estou trabalhando, que não tem nada a ver com heavy metal. Tem ainda um disco de death metal que nunca saiu. É de 2014 e foi baseado numa história de assassinato que ocorreu no México. Tem a ver com Palo Mayombe (religião com base na adoração dos espíritos de antepassados, crença no poder da natureza e uso de partes de cadáveres em certos rituais) e Adolfo de Jesús Constanzo (serial killer, traficante e líder de seita). Eventualmente esses dois trabalhos vão sair. É isso, cara: estou sempre ocupado!
Como manter a voz em dia com tantos projetos? Tocar e ensaiar com todas essas bandas, ainda mais gritando por aproximadamente 30 anos, é tarefa que exige.
Na real, o jeito para manter a voz na melhor forma é usá-la tanto quanto for possível. Parece que, quando tiro uns tempos pra descansar, ela desaparece. Costumava levar uns dois dias para aquecer. Agora é, tipo, uma semana para realmente engrenar. Estamos ensaiando há uns cinco ou seis dias e a última noite foi minha melhor. E ainda não está perfeito. Mas quando eu viajar para a turnê sul-americana vou estar bem preparado pra caralho.
Phil H. Anselmo and The Illegals lançou o disco “Choosing Mental Illness As A Virtue” no ano passado. Como foi a recepção, do público e da imprensa?
Eles não sabem o que pensar sobre mim. Todos esperam que eu lance o próximo Pantera ou um novo Down ou sei lá com o que as pessoas estejam acostumadas. E com certeza o disco do Illegals é extremo e barulhento. Eu estou cantando de um jeito diferente, e quem ouve acha estranho. Mas muita gente realmente curtiu. É um álbum que não é para todo mundo, mas é assim que a música é: nem toda música é para todo mundo. É como comida, você ama ou odeia ou é indiferente. Eu já esperava essa reação.
Por que resolveu colocar seu nome para batizar a banda agora (Phil H. Anselmo and The Illegals)? Por que não só Illegals?
Eu não sei por que fizemos isso. Para mim, a única razão é que Phil H. Anselmo and The Illegals soa como uma antiga banda dos anos 1960 ou 1970. Eu curto a sonoridade. Eu amo sons dos 50’s, dos 60’s e dos 70’. E até dos 80’s, como Joan Jett and The Blackhearts. Algo desse tipo.
A turnê que você e os Illegals trazem o Brasil tem metade do repertório dedicado ao Pantera. Por que revisitar a antiga banda agora? O que levou você a pensar que este é o momento ideal para esse revival?
A morte do Vinnie Paul. Depois de o Vicent nos deixar, eu comecei a me preparar para essa primeira tour de retorno. Tem muitos fãs que querem ouvir nossos sons antigos. Você tem de entender que há, creio, umas duas gerações que nunca tiveram a chance de ver o Pantera. Então, para mim, pareceu que, enquanto eu estiver fazendo isso em tributo aos dois irmãos Abbot (Dimebag & Vincent), e pelo tempo em que pessoas quiserem ouvir e estiveram curtindo a ideia, eu vou seguir. Mas depois não sei. Vai depender da receptividade do público, em primeiro lugar. Segundo, porque eu preferiria escrever um novo disco heavy metal com os Illgelas que seja diferente dos demais — como todos os álbuns da banda acabam saindo diferentes. Mas tocar Pantera pareceu mais importante agora do que em outros tempos. Antes, era como um truque ou só uma jam session. Eu já fiz isso, de me juntar com outros músicos para mandar sons do Pantera, só que nunca havia levado a ideia a sério. Neste momento, quero fazer justiça às composições do Pantera, especialmente na questão dos vocais. E parece que isso está mesmo rolando. Sinto que está cada vez melhor. E tenho de dar créditos aos Illegals. Eles são um bando de caras hardcore e death metal que cresceram com esse estilo. Então, pedir para aprenderem as faixas do Pantera, que foi o que fiz e eles aceitaram, os faz merecer meu respeito.
Como tem sido a reação da plateia quando vocês tocam esses clássicos do Pantera? Como é a vibe dos shows?
Fudidamente insano, energizante, violento e louco! Fucking loco, babe!
Os shows até momento incluem músicas como ‘Mouth of War’, ‘Walk’, ‘I‘m Broken’, ‘This Love’, ‘Fucking Hostile’ e ‘A New Level’. Por que escolher esses sons: são temas que você curte ou que acredita serem da preferência do público?
Para mim, honestamente, parece que, quando se junta sons do Pantera, há alguns que tem de ser tocados. São necessários. Mas há sempre uma vontade minha de tocar outros menos conhecidos também, menos populares, mas que os fãs do Pantera devem conhecer. Tipo ‘Primal Concrete Sledge’ ou ‘Use my Third Arm’.
Quais lembranças você tem quando canta Pantera hoje em dia?
(suspiro) Bom, obviamente de turnês com a banda e de ter crescido com os caras. Ter aprendido com eles. São lembranças bem complexas. Umas ótimas, outras nem tanto. Algumas lindas, outras bem tristes. O que acontece é que, uma vez que eu vejo a galera mais nova, molecada que nunca conseguiu ver o Pantera, enlouquecendo, é só nisso que posso prestar atenção. Isso me mantém focado.
No fim de janeiro completa-se três anos do fatídico episódio no Dimebash de 2016. Como isso te afetou? Tirou lições desse ocorrido?
Com certeza aprendi algumas lições. Eu não sou uma pessoa política e qualquer um com juízo sabe que aquilo foi apenas eu sendo idiota. Foi isso! Não era nenhuma porra de declaração ou insulto. Eu fui um idiota e era isso.
E para quem não é próximo a você ou não curte seu trabalho — ou mesmo fãs que gostam, mas se sentiram ofendidos —, como acreditar que foi apenas um erro?
Não foi nem mesmo um equívoco. Fui eu sendo estúpido, sarcástico. Eu já me desculpei. Para quem ainda está ressentido, me parece que o problema é mais dessas pessoas do que meu.
Alguns músicos que se diziam amigos seus deram declarações não muito lisonjeiras sobre você depois do Dimebash. Mas outros, como Doug Pinnick (baixista do King’s X, que é gay e negro), te defenderam. Foi dolorido ter pessoas próximas te detratando?
Foi algo desagradável e hipócrita.
Tem contato com algum deles atualmente?
Não, quero que se fodam.
Você parece estar mais cuidadoso com a saúde agora, certo? Parou de beber e perdeu peso. Está dando mais atenção ao próprio corpo?
Estou bem magro mesmo. É preciso fazer isso. Minha carreira toda parece uma grande lesão. Dos joelhos aos ombros, passando pelas costas… Tenho de ter cuidado.
O Down tocou em Porto Alegre em 2011, lembra de algo sobre a passagem pela cidade?
Sempre que viajo e não tenho chance de visitar a cidade ou alguma área em específico, é apenas uma viagem de avião, um quarto de hotel e o show. Então, o que recordo é uma ótima participação da plateia, muita energia da galera e nada menos do que muito amor. E isso são ótimas lembranças.
Falando sobre o Down: a banda planeja algo para este ano ou está em hiato?
Está em hiato, mas é preciso entender que o grupo é composto por membros de outras diferentes bandas (Corrosion of Conformity, Crowbar, Eyehategod) e todos estão trabalhando. Eu fico feliz com isso. Podemos ficar sem tocar por quatro ou nove anos, mas sempre acabamos nos encontrando com o Down. Todos estão se dando bem, e isso é a boa nova. Quando for a hora e todos estiverem prontos, estaremos bem.
– Homero Pivotto Jr. é jornalista e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal. Entrevista cedida pela Abstratti Produtora.
Ótima entrevista.