Entrevista por Janaina Azevedo
Dirty Projectors é a banda que é a vida de Michael Azerrad. “Eu os conheci há uns 10 anos. Fiquei muito amigo deles. E fiquei amigo dos amigos deles. E agora a maioria dos meus amigos estão ligados ao Dirty Projectors. Além da minha carreira e minha família, meus amigos são a minha vida, então, o Dirty Projectors é a minha vida”, explica o jornalista e escritor. Ele falou com o Scream & Yell de Nova York, alguns dias antes de vir para o Brasil para o lançamento de “Nossa Banda Podia Ser a Sua Vida”, versão nacional de seu mítico livro, que finalmente temos nas bancas, depois de 17 anos, com tradução de José Augusto Lemos e Marina Melchers.
Em “Nossa Banda Podia Ser a Sua Vida”, Michael Azerrad (que também é responsável pela biografia oficial do Nirvana, “Come As You Are”) descreve de forma minuciosa e despojada a trajetória de 13 bandas independentes que trabalharam o terreno fértil no qual mais tarde floresceria a cena alternativa comercial. Nas 688 páginas do livro, Azerrad conversa com integrantes de Mission Of Burma, The Minutemen, Black Flag, Husker Du, Minor Threat, The Replacements, Butthole Surfers, Sonic Youth, Big Black, Fugazi, Mudhoney, Beat Happening e Dinosaur Jr..
Uma das proprietárias da editora Powerline Music & Books, Raquel Francese, conta que, na verdade, a ideia de criar a editora tem a ver com a vontade de lançar o “Our Band Could Be Your Life” no Brasil. “É o meu livro de música preferido, e do meu sócio (e marido, Leandro Carbonato) também. Assim que vimos que lançar livros seria viável, mandamos uma proposta para o Azerrad”. A Powerline existe desde 2014, como produtora de shows, e a entrada de Raquel como sócia, em 2017, veio junto com a possibilidade de lançar livros. “Pensamos que seria legal casar a tour das bandas com o lançamento dos livros, e que para quem gosta de música é um conteúdo complementar”, explica.
O jornalista e escritor Michael Azerrad esteve no Brasil no começo de dezembro para participar da SIM São Paulo 2018, mas já conhecia o país. Ele esteve aqui no Orloff Five Festival, em 2008 (evento que reuniu The Hives, Melvins, Plasticines e Vanguart no Via Funchal, em São Paulo) e, neste bate papo, aparentava estar feliz pelo reconhecimento do livro. Na entrevista abaixo ele ainda explica por que não pensa em fazer um segundo volume do livro, mas se anima com outra tema, fala o que é “escrever mal” sobre música, e conta um pouco mais sobre o sentimento de união e comunidade que perpassam as histórias dos livros, e que para ele estão ligados ao conceito de vida.
É notável como “Nossa Banda Podia Ser a Sua Vida” ainda causa interesse. Como é, pra você, ver essas reações tantos anos depois?
Acho que é porque ainda é muito difícil ser um músico. Em alguns casos, hoje em dia, é mais difícil ainda por causa do streaming. Porque músicos não fazem mais tanto dinheiro, e fazem menos ainda com seus discos. Então está cada vez mais difícil sobreviver na música. Dai acho que as pessoas leem o livro para se inspirar. Eles veem como essas pessoas (do livro) continuam, contra tanta oposição, e conseguem ter uma carreira sustentável. Nem todas as bandas do livro ainda estão ativas. E algumas delas acabaram e se reuniram de volta. Algumas se reuniram por causa do livro. Os tempos são muito diferentes. A tecnologia é muito diferente, mas de alguma forma, as circunstâncias são as mesmas, pois ainda é muito difícil (financeiramente) ser músico. E os músicos no livro são muito inspiradores, não só para outros músicos, mas para qualquer pessoa. E é por isso que o livro se chama “Nossa Banda Podia Ser a Sua Vida”.
Como foi o processo de escrevê-lo?
Foi muito trabalhoso. Eu basicamente escrevia do momento que acordava até a hora de ir dormir, por três anos. Então foi muito exaustivo. Mas foi uma experiência incrível. Conheci pessoas memoráveis, inspiradoras. Fiz muitos amigos e aprendi muito sobre uma comunidade artística muito influente. Ou seja, houve uma junção de duas coisas antagônicas: tem a miséria de trabalhar muito duro, e aí tem a felicidade de encontrar todas essas pessoas, descobrir suas histórias e suas formas de viver.
Como era o relacionamento com as bandas? Eles ajudaram, colaboraram com a escrita do livro?
Entrevistei vários membros de cada banda…
Tu lembra, e desculpa interromper, mas tu lembra quantas pessoas tu entrevistou para o livro?
Pelos menos 80. Foi muita gente. E havia muita pesquisa envolvida além do processo de transcrever, checar. Sou muito grato, porque foi muito importante, e uma grande honra que eles me confiaram suas histórias.
Ficou alguma coisa de fora do livro?
Só coisas que não eram interessantes. Porém, não deixei de fora nada porque era controverso. Como dá pra imaginar, quando você entrevista 80 pessoas por uma hora e meia cada, vai ter muita coisa que não vai entrar no livro. Então coloquei o que achei que fosse construtivo para a história (que eu queria contar). Não acho que ficou nada bom de fora. Coloquei o que tinha de melhor.
E como seria o volume dois? Tu já pensou sobre isso? Seria sobre o que? Você não escreveria sobre novas bandas? Que estão ativas hoje em dia?
Não acho que tenha tanto um senso de comunidade agora como tinha naquela época. Em “Nossa Banda Podia Ser Sua Vida”, as bandas estão ligadas umas com as outras. Isso não acontece tanto hoje. Acho que por causa da internet, pois as comunidades agora são virtuais. E quando as comunidades são virtuais, não há tanto contato pessoal. E, consequentemente, existem menos histórias. Você pode publicar e-mails, posts, mas não seria o mesmo do que anedotas, coisas desse tipo. Coisas que realmente aconteceram. É possível, mas não é o mesmo. E eu também não gosto de me repetir, então não tenho certeza se faria a sequência do livro.
Como o underground evoluiu desde que você escreveu o livro?
Isso sim é um (outro) livro. Bem, acho que a maior mudança é que você tinha uma maioria esmagadora entre os membros da banda do livro que são homens. E essa é uma mudança grande: hoje existem muito mais mulheres nas bandas, fazendo o melhor da música. Podemos falar em mudanças estilísticas também, já que, certamente, a música do meu livro é muito mais agressiva, e a música indie foi ficando menos agressiva, menos combativa, talvez com menos guitarras também. Hoje há laptops, sintetizadores, coisas desse tipo, que são bem mais comuns do que na época em que o “Nossa Banda Podia Ser Sua Vida” foi escrito. Tem muitas mudanças, e também tem o lance da comunidade, que não é mais tão fisicamente situada como é situada na internet.
E se você fosse comparar a música? Melhorou ou piorou?
Não sei se vocês têm essa frase em português, mas em inglês a gente diz “é como comparar maçãs e laranjas”. É diferente. E eu amo maçãs, e amo laranjas. Na época do livro eram maçãs e hoje são laranjas, e eu amo ambas. Há bandas incríveis hoje em dia que e amo muito. Acho até que pode ter mais bandas boas agora, mas só porque, e isso é muito importante, porque tem mais bandas agora. E isso também significa que tem mais bandas ruins também. O lance é encontrar esse filtro, e entender como encontrar boa música nesse pilha gigante de bandas. Antes não era tão difícil, porque era um “pool” menor, e as que eram boas mesmo eram tão inspiradoras que você simplesmente ouvia falar deles, de algum jeito.
Você lançou um livro chamado “Rock Critic Law”, em que fala sobre “escrever mal” sobre música. O que é isso?
Então, o título é satírico, sarcástico. O livro é o que eu chamo de “leis”, coisas que críticos de rock devem escrever para parecerem que são verdadeiros críticos de rock. São clichês. [O livro] são 101 clichês que, pelo menos críticos americanos ou que escrevem em inglês, têm usado com frequência por décadas. Então, é uma sátira. Estou na verdade dizendo para as pessoas não usarem esses clichês.
E quem escreve mal sobre música?
Todos nós. Acho que há alguns escritores impecáveis aqui nos Estados Unidos, ou que escrevem em inglês, a única língua que leio. Não poderia te falar sobre outros idiomas. Mas todos nós escrevemos clichês às vezes. Porque é um atalho. É uma forma de te economizar umas palavras, mas também te poupa de pensar. É difícil encontrar uma linguagem original, então tu só volta para o clichê. Por exemplo: você tem dois guitarristas tocando com uma linha melódica em harmonia. Você poderia dizer que eles estão tocando guitarras gêmeas. É uma frase clássica da crítica de rock. As pessoas a disparam porque é fácil, foi dito um milhão de vezes e as pessoas sabem o que é. Então, talvez haja uma outra forma de dizer isso, uma forma mais criativa que expresse a sua individualidade e quem sabe se aproxime mais da sensação das duas guitarras tocando ao mesmo tempo. Isso é o que o livro provoca as pessoas a pensar.
O que um bom crítico pode fazer pela música e pelos fãs?
Para um leitor, um ouvinte, [pode ajudar a] ouvir a música de uma forma que não iria imaginar de outra forma. Pode dar insights que talvez a maioria das pessoas não iria imaginar nem descobrir. Tem vários escritores com muito conhecimento que conseguem fazer isso, e que fazem o mesmo pelo músico. Porque, quando você é um artista, e lança algo, você só trabalha naquilo até parecer que está bom. Talvez, você não tenha a perspectiva de analisar muito, porque é o seu trabalho. Pode ajudar ter alguém que ouça a música e diga algo sobre ela, para que você possa entender como sua expressão é percebida pelas outras pessoas. E isso é algo muito raro, um grupo muito seleto de pessoas pode fazer isso: ajudar o músico a ver o que ele não tinha visto na própria música, e que não conseguiriam porque é muito subjetivo. Mas acho que a maior responsabilidade é com o leitor, o fã: ajuda-los a ter perspectivas que eles não teriam sobre a música.
No que tu tá trabalhando agora?
No audiobook [“Nossa Banda Podia Ser a Sua Vida” ganhará mais uma nova versão, dessa vez um audiobook do original, em produção agora, prevista pra sair em maio de 2019 lá fora]. Fred Armisen lerá o capítulo do Butthole Surfers. Jeff Tweetdy está lendo o do Minutemen. Estamos anunciando aos poucos. Mas tem muita gente legal. Vou ler a introdução e o epílogo.
Mais algo?
Bem, isso já é bastante trabalho. Acho que… na verdade não posso falar mais sobre.
Qual é o teu papel na gravação do audiobook?
Além de narrar, basicamente é pensar em quem convidar para ler os capítulos, encontrar um contato, mandar um convite. Se eles concordarem, os coloco em contato com a editora, que vai viabilizar a gravação. Essa é uma forma de, também, mostrar o legado dessas bandas. Elas não simplesmente fizeram música e sumiram. Elas plantaram sementes, fizeram música e inspiraram outras pessoas em irem lá e fazerem as próprias músicas. Por exemplo, também teremos o Colin Meloy, do Decemberists, lendo o capítulo do Husker Du. São duas bandas que não têm nada a ver (estilisticamente), mas Colin foi muito inspirado pelo Husker Du. Isso é algo legal de apontar, que tem uma diferença entre influência e inspiração. Você pode ser influenciado por uma banda, e soar como ela, ou por ser inspirado por uma banda, o que significa que algo que ela fez o motivou a ir lá e fazer algo por você. É algo muito poderoso. As bandas no livro são muito inspiradoras. E isso também mostra o legado do livro. Muitos músicos ainda hoje me dizem “a gente leva [o livro] na van, lemos em voz alta”. Já se passaram 17 anos, e isso ainda tá acontecendo. É um livro de músicos, e eles amam o livro. E o fato de que músicos estão lendo, também é parte dessa ideia, do legado do livro.
– Janaina Azevedo (www.facebook.com/janaisapunk) é jornalista e colabora com o Scream & Yell desde 2010. A foto que abre o texto é de Haley Dekle / Divulgação.