introdução por Bruno Lisboa
Com 20 anos de bons serviços prestados à música, Fernando Persiano é um multifacetado artista mineiro cujo trabalho se estende como vocalista da banda Vitrolas (hoje em inatividade), na sua carreira solo ou no elogiado Mordomo, projeto paralelo em que ele se deixa levar por influências diversas que geralmente resultam em trabalhos elogiados pelo público e pela crítica.
Lançado em abril deste ano através do Selo Tangerina, “Pessoas Reais Disponíveis Para Conversar” (download gratuito no Bandcamp) é o sucessor de “Art La Vista” (2014), seu primeiro álbum solo. Ambos foram produzidos, compostos e gravado em formato artesanal por pelo próprio Persiano.
Kraftwerk, Brian Eno e Metronomy são algumas das referências do universo da música eletrônica que serviram de inspiração para o ar etéreo do novo disco. Já nas letras, Persiano se espelha no quotidiano e reflete, por exemplo, o quão imersa a sociedade está da tecnologia, cada vez mais distante de si mesmo e do convívio natural de outrora.
O faixa a faixa abaixo, escrito especialmente para o Scream & Yell por Persiano, ajuda a compreender um pouco mais das inspirações deste disco estranho (no bom sentido da palavra), provocativo , mas que cresce a cada audição. Eis uma das boas surpresas deste primeiro semestre na música brasileira. Confira!
“Pessoas Reais Disponíveis para Conversar”: Iniciamente era uma baladinha de dois acordes. Durante a pré-produção, período em que fui testando sons e efeitos é que ela foi ganhando corpo. A música é um convite a uma viagem ao próprio interior, parar para se ouvir. Denuncia a falta de tempo, o mecanismo, a vida no automático. Brinca com um futuro próximo onde “pessoas reais disponíveis para conversar” serão coisas do passado. O pano de fundo é uma viagem de trem, onde cabem várias interpretações, eu mesmo tenho várias, uma delas é o ser humano robotizado, apático, congelado, mas que do outro lado busca pelo abraço, pelo calor, pelo contato físico. De uma certa maneira, essa música sintetiza o espírito do trabalho, tanto em sonoridade como no conceito
“O Negócio é Fazer”: Faixa bem curta onde é levantada a questão da enxurrada de informações que recebemos nos dias atuais e a constante necessidade imposta pela sociedade de ter que fazer para ser, fazer pra comer e receber em troca. Tem também o flerte com a infância, dos pais já embutirem essa lógica, “se não fizer não tem sobremesa”, deixando a vida ainda mais corrida e competitiva, levando muitas vezes o ser humano ao colapso mental. A sonoridade é bem eletrônica com robôs passando a mensagem de uma maneira massacrante e repetitiva. Ao mesmo tempo tem uma onda zen de viver o agora e se concentrar apenas e plenamente numa atividade, sendo assim, fazendo de uma maneira mais presente.
“Primos de Fora”: Faz um paralelo entre a leveza e as brincadeiras de uma infância que não existe mais com o amadurecimento e realidades da fase adulta – no início, crianças brincando na rua, turma, carrinho do picolé, depois adultos enquadrados no sistema, sozinhos, saudosos e muitas vezes perdidos. As expressões usadas na música são todas reais, “coisa que a gente ouvia na infância”, os personagens também são verdadeiros. O grupo Rumo, da vanguarda paulista, é uma grande influência pra mim, eles trabalhavam muito com entonações da fala, diálogos, foi o ponto de partida pra eu fazer o texto desta canção. É um das mais dançantes do disco.
“Luli”: É basicamente a história de uma pessoa em busca de individualidade, no caso da canção, uma menina que sai de casa atrás da sua própria realidade, encarando e lutando contra uma superproteção ilusória imposta pelos pais e pelas constantes mensagens de que o mundo lá for a é duro demais. A canção é narrada de como se fosse um filme.
“Centro de Crédito Online”: Baseada nessas linhas de espera no tel. Tem uma sonoridade bem eletrônica , assim como “O Negócio é Fazer”, faixa bem dançante, tem uma onda de timbres na praia do Kraftwerk
“Carlos Alberto”: É um diálogo mental. A música debate questões existenciais, valores, medos, direcionamentos, solidão, conformismo, o viver no automático, questão mais uma vez pautada no disco. No final, o personagem da canção, atende um insistente toque de celular no silencioso, trazendo-o para a realidade de novo. A sonoridade é bem flutuante, eletrônica, com uma melodia principal feita no órgão pontuando a canção.
“As Leis do Condomínio”: Letra baseada no livro de reclamações do prédio onde moro. É tudo real, só adaptei a letra. Situações comuns de quem vive em comunidade . É a canção que mais flerta com o rock.
“Tentar Conseguir”: Música curtinha que surpreende do final, expressa a vontade de muita gente. É uma das músicas que mais tenho feedback das pessoas. É composta por uma sonoridade bem flutuante, marcada por sintetizadores e camadas sonoras.
“Lendo o Perfil que Fizeram do Amanhã”: Quatro pequenos poemas que são recitados em forma de narração, como em velhos discos de historinhas. O texto brinca com o tempo e a conjugações. O personagem transita pelo passado, presente e futuro, que na canção, formam um lugar só. Como em “Carlos Alberto”, outra canção falada, “Lendo o Perfil” tem uma melodia instrumental que direciona a canção até o fim.
“A Rede Virou Contra Mim”: Linchamento na net. Brinca com os relacionamentos virtuais, onde beijos e abraços são substituídos por áudios e fotos no snap, flores pelo whatsapp. É uma canção bem minimalista e com uma suavidade bossa nova.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão.
O som parecer ser interessante, com ideias bastante originais. Fiz o download para ouvir com calma. Vou procurar conhecer melhor o trabalho desse cara.