por Fernando Neumayer
A imagem de Phil Collins andando de forma um pouco frágil com sua bengala até o banco posicionado no meio do palco pode ser chocante. O cantor e compositor britânico, de 67 anos, aparenta, hoje, bem mais idade. Devido a complicações de saúde e também pessoais que passou nos últimos 10 anos, incluindo aí um divórcio traumático – hoje resolvido e com o relacionamento de volta aos trilhos – e diversas enfermidades, Phil está muito debilitado fisicamente. Mas o público no Allianz Parque o recebeu com muitos aplausos e gritos. Era a segunda noite de Phil no estádio e a terceira da turnê brasileira que acontece, surpreendentemente, pela primeira vez, depois de tanto tempo.
É um começo simples. Phil senta, agradece a plateia com um “obrigado” e acena com a cabeça para que o tecladista Brad Cole solte os primeiros acordes de “Against All Odds”, ovacionada pelo público. Uma escolha inusitada para começar um show daquele tamanho – e pinçada de um repertório com tantas outras mais, digamos, animadas –, mas é certeira e vem sendo a escolhida desde a volta aos palcos no ano passado. O público acompanha Phil nos vocais, chora e, em segundos, se acostuma com o senhorzinho ali na cadeira, onde ficaria até o fim dos show, de aproximadamente uma hora e 40 minutos.
“Another Day in Paradise”, um de seus maiores hits e que fez tremendo sucesso no Brasil, na trilha da novela “Gente Fina”, de 1990, continuou a euforia. O público embalou junto e cantou tudo, até mesmo o tema de teclado. Pérola do disco de estreia, “Face Value” (1981), “I Missed Again” cheia de groove, com um afiadíssimo naipe de sopros, tem aquele sabor soul que Phil Collins injetou um pouco no Genesis na virada dos anos 80 e escancarou tão bem em sua carreira solo, de forma sempre reverente. “Hang in Long Enough” segue o mesmo caminho e é nessa hora também que a banda começa a brilhar – além do citado Brad Cole, há o núcleo principal com o veterano baixista Leland Sklar, o guitarrista Daryl Stuermer (parceiro de Genesis há décadas), o amigo de adolescência Ronnie Caryl e o baterista Nicholas Collins, 16 anos, filho do chefe e com uma técnica e segurança que impressionam.
“Wake Up Call”, de seu último disco de inéditas, o irregular “Testify” (2002), vem na sequência e esfria um pouco o clima no estádio. Um disco menos ouvido quando Phil já estava fora de rota. Ao anunciar a faixa, em um dos poucos momentos que falou com o público, Phil brinca apontando para a lateral do gramado e diz que cinco ali tinham comprado o álbum. Mas, em seguida, uma surpresa para os fãs de Genesis. “Throwing It All Away”, hit da era pop da banda, traz tudo de volta e todo o calor que um hit desses, feito sob medida para grandes arenas, emana. Sem anúncio, nem menção a uma das mais importantes bandas dos anos 70 e 80, vem o dedilhado marcante de “Follow You Follow Me”, faixa que marcou o começo bem-sucedido da segunda fase do Genesis, quando Phil substituiu o vocalista Peter Gabriel e, junto com Mike Rutherford e Tony Banks, transformou aquilo em algo gigantesco e onipresente. O público se emocionou com as imagens de arquivo da banda no telão, em um momento de homenagem.
Sacada de “No Jacket Required” (1985), “Who Said I Would” ainda não tinha aparecido no show do Maracanã e nem na noite anterior em São Paulo, que tiveram os mesmos sets, com a troca pela igualmente empolgante “Only You Know and I Know” no lugar. Elétrica, “Who Said I Would” traz os metais novamente, e um ritmo frenético pilotado por Nic. “Separate Lives” (Stephen Bishop) vem em seguida e acalma os ânimos. FM no ar, a canção mostra que Phil, mesmo debilitado, está com a voz lá. Bridgette Bryant, backing vocal da banda, vem pra frente do palco e canta nas alturas.
A segunda metade do show abre com “Something Happened on the Way to Heaven”, música-assinatura de sua carreira e que traz memórias do “disco do carrossel”, “Serious Hits… Live!”, que toda casa no início dos anos 90 tinha na estante. Após o baile, um clima etéreo e indefinido vinha do palco. Em alguns segundos, os ruídos deram lugar a introdução de “In The Air Tonight”, talvez a maior contribuição de Phil Collins para a música pop. A explosão vem com a tão famosa virada de bateria, perfeitamente reproduzida por Nic e o final quase claustrofóbico, com o público gritando junto.
O show fica leve e continua com “You Can’t Hurry Love” (Holland/Hozier/Holland), “Dance Into the Light” e chega a mais uma do Genesis. “Invisible Touch”, hit da fase mais pop do grupo, cai perfeitamente no repertório e abre as portas para a irresistível e dançante “Easy Lover”, com o solo sempre marcante de Daryl Stuermer. Com o show em clima de encerramento, “Sussudio” veio colorida e cheia de papel picado e serpentinas voando. Depois de uma breve saída do palco, “Take Me Home” exerce seu papel de sempre, que é fechar o espetáculo de forma saudosa.
Ainda que não tenha mais a habilidade vocal de antes, a voz está no lugar e Phil a domina hoje melhor que nos primeiros shows da “Not Deat Yet Tour”, quando realmente parecia lutar para estar em cima do palco. Mesmo sentado e sem muito de sua personalidade mais divertida, ele coloca a energia lá pro alto – e sua banda exala uma empolgação incomum, característica sempre presente nos seus shows. Para usar os maiores e inevitáveis clichês: o público cantou, dançou e chorou. Phil, que hoje passa por certo revival entre os novos artistas, sempre teve sua carreira colocada em xeque e – equivocadamente – é constantemente crucificado pelo sucesso estrondoso do Genesis, mas é inegável seu lugar na primeira classe do pop. Gosto se discute – e com Phil Collins isso sempre vai acontecer. Pra quem gosta, Phil está vivo. Ainda bem.
– Fernando Neumayer (fb/fernando.neumayer) é jornalista e um dos sócios da produtora tocavideos. Todas as fotos do texto são de Stephan Solon / Divulgação Move Concerts Brasil