por Marcelo Costa
“A Grande Jogada”, de Aaron Sorkin (2017)
Não se engane: você já viu esse filme. Praticamente todo ano, Hollywood produz uma obra como “Molly’s Game” (título original). Às vezes o resultado é pífio, como “Joy” (2015), de David O. Russell. Às vezes esbarra no sensacional, como “O Lobo de Wall Street” (2014), de Martin Scorsese. “Molly’s Game” pende mais para o segundo, ainda que o texto apressado do estreante na direção Aaron Sorkin (indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, estatueta que ele já tem na estante por “A Rede Social’, 2011) muitas vezes confunda quem não domina um dos temas que movem o filme: o pôquer. Antes, porém: “Molly’s Game” é baseado no livro de memórias (que está sendo lançado pela Intrínseca) de Molly Bloom, jovem esquiadora que se acidenta violentamente quando está tentando uma vaga para as Olimpíadas de Inverno de 2002, em Salt Lake City (o início que relata o que atletas acreditam ser o pior que pode acontecer no esporte – “brasileiros dizem que é perder para a Argentina… não só na final, em qualquer situação” – é brilhante). Com a carreira esportiva encerrada (aos 24 anos), Molly decide tirar um ano sabático e se muda do Colorado para Los Angeles, começa a trabalhar num pub, conhece um cara que a oferece uma oportunidade de trabalho e, quando percebe, está coordenando um encontro de pôquer com valores astronômicos e participantes milionários. O que se segue é… óbvio: muito dinheiro, muita droga, máfia russa, FBI e todo o pacote num filme que permite a Jessica Chastain dar um show de atuação e sedução, até mesmo para aqueles que reconheçam o clichê dessa história autenticamente norte-americana. Detalhe para a ponta bacana de Kevin Costner num dos grandes momentos do filme e para Michael Cera interpretando o Jogador X, um ator (real) de Hollywood cujo projeto pessoal é foder com a vida de todo mundo (quem será o Benedito?). Um filmão menor.
Nota: 7
“Roman J. Israel, Esq.”, de Dan Gilroy (2017)
É um imenso pecado que essa fábula surrealista moderna escrita e dirigida por Dan Gilroy tenha entrado no Oscar para tapar um buraco: James Franco era presença certa na categoria Melhor Ator (por sua boa atuação na piada sem graça “Artista do Desastre”), mas as acusações de assédio que recebeu fizeram com que Hollywood preterisse seu nome e abrisse os braços para receber Denzel Washington em sua 8ª indicação (ele levou a estatueta dourada por “Tempo de Glória”, de 1989, e “Dia de Treinamento”, de 2001). Errado? De maneira alguma! Esse lugar já deveria ter sido dele! Denzel realiza em “Roman J. Israel, Esq.” uma das melhores atuações de toda a sua carreira. É sério. Ajuda que o personagem principal, um advogado ativista exemplar, mas repleto de TOCs e praticamente nenhum tato na convivência com qualquer outra pessoa, lhe dê material de sobra para criar, e o resultado é irrepreensível. Dan Gilroy retorna à Los Angeles de “O Abutre” (2014), sua sensacional estreia na direção, para contar a história de Roman J. Israel, este advogado (que conhece o Código Civil de cor e) que ficava na penumbra de um pequeno escritório ativista da cidade “carregando piano” enquanto o dono era a face pública da empresa. Certo dia, o dono sofre um infarto e Roman J. Israel precisa ir para os holofotes. Com fones de ouvido martelando Marvin Gaye, Pharoah Sanders, Bill Evans Trio e Funkadelic (na melhor trilha sonora que você ouvirá no cinema nesta temporada), Roman J. Israel inicia uma escalada pessoal que o levará a questionar suas próprias atitudes, e tomar uma decisão surreal: mover um processo contra si mesmo. Numa temporada de ótimos filmes nota 8, este sublime “Roman J. Israel, Esq.” se junta a “Mudbound” e “Projeto Flórida” na categoria “injustiçados do Oscar 2018”, pois são muito melhores do que vários dos indicados na categoria principal. Não cometa o mesmo equivoco que a Academia: valorize esse baita filme.
Nota: 9
“Trama Fantasma”, de Paul Thomas Anderson (2017)
O cineasta Paul Thomas Anderson nunca optou pelo caminho cinematográfico mais simples – talvez “Boogie Nights”, de 1997, seja o mais próximo do popular que ele tenha chegado, e olha que é um filme sobre os bastidores da indústria pornô. “Phantom Thread” (no original), seu novo projeto indicado a seis Oscars, já traz em seu pré-conceito um rigor artístico que o cineasta vem perseguindo arduamente desde “Magnólia” (1999), que alcançou seu ápice em “Sangue Negro” (2007), e rendeu ainda grandes momentos posteriores (grandiosos e nada fáceis) com “O Mestre” (2012) e “Vicio Inerente” (2014). Desta forma, é possível vislumbrar uma linha visual, textual e sonora (na quinta colaboração consecutiva de Jonny “Radiohead” Greenwold com o diretor, talvez a melhor) que PTA persegue filme após filme, e que faz de “Trama Fantasma” uma (nova) obra atemporal que mais tem relação com a Arte (com A maiúsculo) do que com a programação tradicional de entretenimento semanal dos cinemas. Não há aceleração, correria, desperdício. Pelo contrário, o tempo parece quase parar em “Trama Fantasma”. O espectador observa como o cotidiano metódico de Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis), um renomado estilista que trabalha ao lado da irmã, Cyril (Lesley Manville), para vestir grandes nomes da realeza e da elite britânica nos anos 50, se altera com a chegada de Alma (Vicky Krieps), sua nova modelo de inspiração, cujo destino é embalar e aguçar a criatividade de Reynolds até que ele se canse dela e a dispense (lembra “mother!“?), a não ser que Alma ofereça a ele algo que nenhuma outra tenha oferecido. Silenciosamente cômico, elegantemente cínico e meticulosamente apaixonante, “Trama Fantasma” é a simples construção de um código de conduta entre duas pessoas, algo que acontece toda hora, todos os dias, ainda que não com o delicioso sarcasmo deste filme que deve ser saboreado nos mínimos detalhes, como uma frestinha de sol que insiste em iluminar o olhar e sumir em meio a nuvens densas de um dia londrino frio, cinzento, nublado e chuvoso. Aproveite este pedacinho de luz até o último segundo.
Nota: 10
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne