resenha por Adriano Mello Costa
É sempre louvável quando uma banda/artista sai em busca de novos horizontes musicais, tecendo sonoridades diferentes daquelas que a consagraram, mesmo que isso gere rebuliço entre os fãs de primeira hora. A mesmice é algo realmente devastador dentro desse universo, apesar da segurança garantida – na maioria das vezes. Todavia, não necessariamente essas guinadas resultam em trabalhos de boa qualidade. Admirar a coragem de mudar é uma coisa, apreciar o trabalho já é outra bem diferente.
E é o que vem acontecendo com o Arcade Fire desde “Reflektor” (2013). Depois de uma trinca de discos iniciais que elevaram a banda ao posto de fenômeno indie e mais além, fechando festivais no mundo todo, o fraco álbum de 2013 já apresentava outra postura, mais oitentista, dançante, pop e brilhante, o que não funcionou muito bem. No sucessor “Everything Now” (2017), os canadenses avançaram ainda mais nessa pegada festeira incluindo sonoridades disco e mais dançantes, o que também não rendeu bons frutos.
E foi com a turnê desse álbum – intitulada “Infinite Content” – que o grupo desembarcou no Brasil para shows no Rio de Janeiro e em São Paulo. A turnê no Brasil sofreu bastante pelo tamanho que banda e produtores imaginaram. O Arcade Fire, que na época de “The Suburbs” (2010) realmente era uma das maiores bandas do planeta, diminuiu a partir do momento que os discos foram ficando ruins. Essa é a relação direta, diga-se. Pela pegada mais dançante, imaginou-se que um novo público viria e shows maiores esgotariam. Ledo engano.
São Paulo foi um desses casos. O show do último sábado (09/12), antes previsto para o espaço tradicional do sambódromo no Anhembi com capacidade entre 25 mil e 30 mil pessoas, foi redirecionado para uma outra área que comporta cerca de 10 mil (e que devia ter um pouco menos na noite do show). E isso acarretou num acerto, pois ficou do tamanho justo e proporcionou ao público que estava alocado na pista normal ficar na arquibancada em posição muito melhor, onde a participação no show teve ótimos reflexos.
O show de abertura dos colombianos do Bomba Estéreo, calcado em sua fase mais recente, foi desanimador e ainda além: bastante constrangedor e sofrível. Pontualmente às 21h30, a papagaiada da entrada do Arcade Fire no palco começou, com uma apresentação remetendo ao boxe e o palco com cordas de ringue. Engraçado, divertido, mas percebe-se o tanto que a produção viajou na maionese no atual momento da banda. Win Butler (que já havia passeado lá por baixo antes) e trupe subiram com a missão de convencer o público da validade das suas escolhas.
Com muita vontade, mas muita mesmo, e total entrega no palco, o Arcade Fire começou com “Everything Now”, provavelmente a única canção que se salva no novo disco junto com “We Don’t Deserte Love” – que apareceu no bis. Depois o grupo engatou, para catarse geral, “Rebellion (Lies)”. Quando veio a dobradinha “Here Comes The Night Time” e “Haiti”, a bateria da escola de samba Acadêmicos do Tatuapé subiu para engrossar a batucada e, depois de um começo meio desconexo, até que rendeu um bom resultado, ainda que muita gente possa ter entendido como desnecessário.
Além da postura energizante no palco e do cuidado com os fãs, tentando apresentar a maior simplicidade possível, a banda ainda se envolve em causas válidas constantemente. No show de São Paulo, por exemplo, doou parte do cachê para um projeto social, assim como já tinha feito no Rio. Intercalando músicas novas bem sofríveis como “Chemistry”, “Peter Pan” e “Eletric Blue”, com algumas das suas grandes canções como “Neighborhood #1 (Tunnels)”, “The Suburbs” e “Ready to Start”, o show se sustentava interessante, principalmente pelo público que se envolvia bastante mesmo que tocasse um tango no palco.
Porém, no terço final do show tudo caiu acentuadamente, em uma confusão insípida de canções como “Reflektor”, “Afterlife”, “We Exist”, “Creature Comfort” e até mesmo “Neighborhood #3 (Power Out)”. Minutos pareceram horas. O bis veio com a bonita e já citada “We Don´t Desert Love”, que trouxe Win Butler novamente no chão com a galera, mais uma vinheta de “Everything Now” e o tradicional final avassalador com “Wake Up”, que fez até mesmo esquecer temporariamente as partes ruins.
Entre as conclusões que podemos chegar depois de duas horas e meia de show (um pouquinho mais), a mais importante talvez seja que o Arcade Fire ainda é uma grande banda no palco, capaz de envolver o público e promover momentos emocionantes. Até mesmo as canções fracas ficam menos piores ao vivo (ainda que não se tornem boas) e não há o que reclamar da postura e envolvimento da banda. Apesar dos pesares, o show de São Paulo mostra que não se deve desistir deles e que é permitido acreditar… ainda.
SET LIST
Everything Now
Rebellion (Lies)
Here Comes the Night Time (com a bateria do Acadêmicos Do Tatuapé)
Haïti (com a bateria do Acadêmicos Do Tatuapé)
Chemistry
Peter Pan
No Cars Go
Electric Blue
Put Your Money on Me
Neon Bible
Neighborhood #1 (Tunnels)
The Suburbs
The Suburbs (Continued)
Ready to Start
Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)
It’s Never Over (Oh Orpheus)
Reflektor
Afterlife
We Exist
Creature Comfort
Neighborhood #3 (Power Out)
BIS:
We Don’t Deserve Love
Everything Now (Continued)
Wake Up (com a bateria do Acadêmicos Do Tatuapé)
– Adriano Mello Costa assina o blog de cultura Coisa Pop: http://coisapop.blogspot.com.br
Leia também:
– “The Suburbs”, a guerra suburbona de Win Butler em Houston, por Marcelo Costa (aqui)
– “Neon Bible”, o fim do mundo como nós o conhecemos, por Marcelo Costa (aqui)
– “Funeral” fala sobre a vida de todos nós, todos nós, por Marcelo Costa (aqui)
1. Discordo que Reflektor seja um disco fraco; aliás, é meu favorito do Arcade. Por sinal, fiquei feliz que no show do Rio eles tenham tocado 5 faixas deste álbum, sendo 4 delas em seqüência. A propósito, “We Exist” ficou até melhores ao vivo.
2. Concordo que Everything Now seja fraco – se comparado com os 4 álbuns anteriores, que estabeleceram um patamar altíssimo -; mas, também acho que é um disco que melhora a cada audição. Odiei-o na 1ª vez que o ouvi, porém aos poucos fui entendendo a “guinada irônica” da banda e gostando mais do álbum. “Peter Pan” é mesmo medíocre, mas as outras 6 canções escolhidas para o show são boas – e os destaques são mesmo a faixa-título e “We Don’t Deserve Love” (embora “Creature Comfort” tenha crescido na versão ao vivo em relação álbum).
3. O show do Rio, a julgar pela sua descrição da apresentação em SP, foi melhor. Não senti essa caída na metade final, a platéia estava bem animada e a banda, afiada. Ajudou o fato de que tocaram “My Body Is A Cage” em vez de “Chemistry” e que a bateria só entrou em “Wake Up”, levando a um final apoteótico.
Acho furada esse lance das bandas gringas aqui no Brasil colocarem participações especiais para “homenagear” o país como bateria de escola de samba e “dream team” do passinho, entre outras coisas. Soa forçado, não acrescenta em nada a interação. Lembro que vi um show do Guns´n Roses no Rock in Rio que ele chamou a bateria da Mangueira, ninguém entendeu nada, teve sentido nenhum. O problema não é a mistura, Paul Simon com Olodum ficou sensacional, mas chamar por chamar, pra ganhar like, fazer marketing …