Texto por Marcelo Costa
Wado convida Kassin e Cícero, Sesc Pompeia (22/09/2017)
Nesta pobre terra arrasada chamada Brasil em que o povo tem muito a temer sobre um futuro sem direitos ditado por corruptos, aproveitadores e pobres pessoas que veem na arte um inimigo que precisa ser combatido, Wado construiu uma carreira artística sólida que engloba nove álbuns que estão entre o que de melhor a música brasileira produziu neste século, mas, ainda que tenha respeito e reconhecimento da crítica, nenhum dos discos alcançou o mainstream e a aclamação popular, uma situação que se arrasta por mais de 15 anos e que parece torturar a alma do artista. “Ivete” (2016), seu ótimo disco recente, teve uma boa repercussão (até a musa do axé colaborou), mas não foi dessa vez que o nome de Wado saiu do circuito cult, uma situação que parece corroer o fazer artístico do músico, que nas duas últimas apresentações em São Paulo (principalmente em 2015 no Sesc Belenzinho) surgiu abatido, reflexivo, distante, aparentemente lutando contra um fantasma sobre o palco.
Paradoxalmente, essa sensação de vulnerabilidade de Wado surge no melhor momento de sua banda de apoio nos últimos 10 anos, com Rodrigo Peixe (bateria), Dinho Zampier (teclados), Vitor Peixoto (guitarra) e Igor Peixoto (baixo) perfeitamente entrosados. Ainda assim, após um show sold out em 2013, esse retorno de Wado a um Sesc Pompeia parcialmente ocupado foi marcado pela inquietação. No set, um passeio por sua bela discografia: “Sexo” abriu a noite e vieram, intensas, “Sotaque” (2002), “Estrada” (2009), “Alabama” (2017), “Fortalece Ai” (2008) com Lili Buarque nos vocais, e uma sensacional versão de “Tormenta” (2004), com direito até a “Deserto de Sal” (2004), rara em shows, improvisada. Os convidados Kassin e Cícero surgiram com canções próprias, o que dividiu (e confundiu) o show em dois, mas a banda retomou o brilho (e o drama) para si com “Rosa”, “Pavão Macaco” (pedida pelo público) e “Tarja Preta”, numa noite em que o fantasma de Wado esteve o tempo todo ao seu lado.
Pato Fu, Sesc 24 de Maio (12/10/2017)
Não poderia ter sido mais perfeito: na data em que se comemora o Dia das Crianças, o Pato Fu estreava no teatro do imponente novo Sesc erguido no centro de São Paulo, a poucos metros da Galeria do Rock, o show “Música de Brinquedo 2” diante de uma plateia majoritariamente de pais e muitos filhos. “Paaaato Fuuuu, vem logo”, clamava um bebê de dois anos na terceira fila. Primeiro de oito shows sold out no novo teatro, a apresentação que abria a maratona também era a primeira da turnê, e banda e equipe ainda ajustavam detalhes com novos instrumentos de brinquedo, os bonecos e toda parafernália infantil. Elegantemente vestidos, os Fus tomaram seus lugares enquanto Fernanda Takai explicava: “Esse show ficou pronto… há dois minutos”, cortou brincando John. “Vocês gostam de coisas experimentais?”, provocou Fernanda, e diante da aprovação da plateia, alguém completou: “Todo mundo fã do Frank Zappa”. Mais Pato Fu que isso, impossível.
Quando “Música de Brinquedo 2” foi revelado, acusaram o Pato Fu de repetir uma formula, mas basta uma olhadela atenta no novo repertório para perceber que os mineiros avançaram no território das “canções para adultos com instrumentos de brinquedo” que o primeiro disco apenas acenava. Tal qual a ponta de um iceberg, se o volume 1 “provocava” o ouvinte mirim com “Ska”, “Ovelha Negra” e “Live and Let Die” (as duas últimas estão no novo show), o que dizer de “Livin’ la Vida Loca”, “Severina Xique Xique” e do hino “Rock da Cachorra”, clássico de Dusek que pede para trocar cachorros por crianças pobres? Alguém comentou no Twitter: “Achei estranho ‘I Saw You Saying’ num disco pra crianças”, e o Pato Fu respondeu: “É porque você não traduziu ‘Datemi Un Martello’”. A apresentação segue essa vibe irreverente, com John solando animadamente em “Private Idaho” (“Uma das favoritas do disco”, contou), o baterista Glauco Mendes, tenso, soltando o primeiro sorriso na 12ª música, “Every Breath You Take” sendo conduzida por canos de plástico (no melhor estilo Hermeto Pascoal) e os bonecos do Giramundo brilhando em “Não Se Vá”, clássico brega de Jane & Herondy, num dos shows mais divertidos do ano.
Paul McCartney, Allianz Parque (15/10/2017)
E lá fomos nós para o 18º show de Paul McCartney no Brasil apenas nesta década (ele chegaria a 20 com os shows seguintes em Belo Horizonte e Salvador) e o terceiro do resenhista em terra pátria (pode colocar na conta um no Festival da Ilha de Wight, na Inglaterra, em 2008?). O que esperar? Bem, mais do mesmo, ou seja, um show absolutamente arrebatador num set de quase 40 canções. Não é pouco. Se a One on One! Tour, iniciada em 2016, pouco (ou nada) se diferencia da Out There! Tour (que viu oito shows de Paul no país), não importa. O que importa é que Paul McCartney está diante de nós, e, mesmo sem voz, arrisca falsetes, gritos roucos e tudo mais para conquistar a plateia, que já entra no estádio sabendo que terá cerca de duas horas históricas pela frente. Uma pequena parte dessa certeza surge da confiança na banda impecável que acompanha o ex-Beatle, mas a maior parte da aposta certeira deve ser creditada a um dos repertórios mais irrepreensíveis de toda a história da música pop.
Paul e banda adentram o palco, ele com o já típico cacoete de quem está assoprando as mãos porque as cordas de seu clássico contrabaixo Hofner estão pegando fogo, e então “A Hard Day’s Night” abre a festa na segunda vez que um beatle toca a canção de 1964 no Brasil em toda história (e a primeira havia sido dois dias antes em Porto Alegre). Um festival de câmeras e celulares tentam registrar o momento, um ato que se repetirá umas duas dezenas de vezes nas próximas duas horas. “Oi, Sampa, tudo bem? Vou tentar falar um pouco de português está noite”, brincou, para delírio de quem estava vendo o cirquinho pela primeira vez – não teve “Tudo Bem In The Rain” desta vez, mas antes de “FourFiveSeconds”, parceria com Kanye West e Rihanna (só ela apareceu no telão), ele avisou que iria tocar “uma música rente”, para se corrigir na sequencia: “Espere: uma música recente” (sua professora de língua portuguesa o ensinou bem). Melhores momentos? “Jet”, “Let Me Roll It” (com citação de “Foxy Lady”, de Jimi Hendrix), a rebolada em “And I Love Her”, “Maybe I’m Amazed”, “Love Me Do” (dedicada a George Martin), “Eleanor Rigby”, “Being for the Benefit of Mr. Kite!”, “Live and Let Die”, “Helter Skelter” e… quem estamos tentando enganar… o show todo. Até o ano que vem?
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne. Fotos: Wado por Marcelo Costa; Pato Fu por Liliane Callegari, Paul McCartney por MRossi / Divulgação
Paul é o maior músico vivo. O Show dele é simplesmente “o” show