Três perguntas: Flavio Tris

por Marcelo Costa

Quando era moleque, o paulistano Flavio Tris escutava muita música clássica, mas seu ouvido para música deu uma guinada quando uma professora lhe falou sobre Chico Buarque e um irmão gravou uma fitinha K7 com Chico de um lado e Caetano do outro. A música clássica permaneceu, mas precisou dividir espaço com Chico, Caetano, Gil, João Gilberto, Jorge Ben, Marcelo Jeneci, Tulipa, Filipe Catto, Leo Cavalcanti, César Lacerda e Luiz Gabriel Lopes, os dois últimos parceiros de Flavio na construção de “Sol Velho Lua Nova”, seu segundo disco solo.

Em texto escrito para a imprensa, Luzi Gabriel resumiu o processo de gravação de “Sol Velho Lua Nova”: “Numa imersão de quatro dias, cinco almas estiveram de ouvidos e corações atentos, num exercício de jardinagem capitaneado pelo espírito daquelas nove canções e suas florestas por dentro”. Flavio Tris, em conversa por e-mail, completa: “Posso dizer que foi das experiências mais fluidas que já vivi com a música. Não houve nenhum atravessamento, tínhamos vontades parecidas, todos concordavam com os rumos do disco”.

Recém-lançado pelo selo Circus e disponibilizado pelo artista para download gratuito em seu site oficial (http://flaviotris.com) “Sol Velho Lua Nova” é muito mais contemplativo e silencioso do que o festivo “Flavio Tris”, o bom álbum de estreia lançado em 2013: “’Sol Velho Lua Nova’ é definitivamente um disco bem mais homogêneo, mais curto e em geral mais enxuto. As canções estão valorizadas à medida que voz e violão se destacam”, explica Flávio, que abaixo fala sobre a produção do álbum, método de composição e a aproximação de Luiz Gabriel Lopes e César Lacerda.

Quatro anos separam seu disco de estreia de “Sol Velho Lua Nova”, mas vejo uma continuidade na sonoridade dos dois álbuns, ainda que o primeiro exiba uma linha mais variada, com ecos de música caipira, e o novo siga uma linha melódica que perpassa todo o álbum. Como foi pensar “Sol Velho Lua Nova”? O que você buscava?
Foi bastante curioso o processo de concepção artística do “Sol Velho Lua Nova”. Ele estava sendo gestado por mim desde 2015 e eu já tinha a intenção de enxugar a atmosfera sonora, portanto as novas canções já tinham uma pegada mais minimalista. Porém, até poucos meses antes de entrarmos em estúdio, não era muito claro o modo pelo qual realizaríamos essa vontade. Então certas circunstâncias inesperadas se apresentaram, tive que acionar um plano B e de repente as coisas todas se encaixaram. Uma nova equipe se formou e ali tivemos a clareza sobre a roupagem daquelas canções, sobre a sonoridade que queríamos para o disco. É definitivamente um disco bem mais homogêneo, mais curto e em geral mais enxuto. As canções estão valorizadas à medida que voz e violão se destacam, enquanto os demais elementos parecem circundar e dar suporte ao núcleo da experiência. Portanto bem diferente do primeiro disco, em que os arranjos são bem diversificados e mais complexos em termos instrumentais. Os espaços lá estão bem preenchidos, enquanto em “Sol Velho Lua Nova” há um certo silêncio que parece habitar todas as canções. De certa forma eu buscava esse silêncio e essa atmosfera contemplativa, e sinto que chegamos onde queríamos.

Em “Sol Velho Lua Nova” você trabalha com Luiz Gabriel Lopes e César Lacerda, dois expoentes da nova cena musical mineira. Você já os conhecia? Como foi a conexão e como fluiu o trabalho?
Eu conheço Luiz Gabriel e César já há muitos anos. Conheci ambos no mesmo dia, lá para os idos de 2010. Vieram a São Paulo para um show junto com a Luiza Brina e os três ficaram hospedados na minha casa, por sugestão da poeta Júlia de Carvalho Hansen. Desde lá nosso vínculo foi só se estreitando e ainda mais agora que ambos vivem em São Paulo. Tocamos juntos, compomos juntos. Mas não foi evidente desde o início a participação deles em “Sol Velho Lua Nova”. Eu já tocava há muitos anos com outros músicos e em princípio seriam eles a gravar o disco comigo, sob o comando de algum produtor que não sabíamos qual seria. Então, um dos membros da banda resolveu subitamente se mudar para a Bahia e todo o processo sofreu uma transformação radical. Eu já queria outra sonoridade para o álbum que estava chegando e naturalmente a solução foi dissolver a formação antiga e fazer nascer uma formação nova. Conversei de início com o Gui Augusto, que topou estar junto e ceder a Casa Lumieiro para as gravações. Depois falei com César, que também topou prontamente. Mas foi quando contactei o Luiz Gabriel que as coisas realmente tomaram forma. Luiz sugeriu que nos juntássemos dali a três semanas e gravássemos o disco num só respiro. Todos toparam, porém ainda faltava a pessoa para levantar o som, para cuidar da parte técnica. Assim é que, um dia antes do início das gravações, tivemos a confirmação de que Elisio Freitas viria do Rio de Janeiro para assumir essa parte. No final, Elisio fez bem mais do que apenas cuidar da parte técnica e acabou assinando a produção musical do álbum. Em resumo, nós cinco nos juntamos e ficamos imersos na sala de estar da Casa Lumieiro durante três dias e meio. Praticamente todas as canções foram gravadas por todos e arranjadas pelos cinco à medida em que eram gravadas, ou seja, os arranjos não foram montados previamente, mas durante as gravações. Posso dizer que foi das experiências mais fluidas que já vivi com a música. Não houve nenhum atravessamento, tínhamos vontades parecidas, todos concordavam com os rumos do disco.

De onde nascem suas canções? Como letra e música chegam para você? Há um modo único de trabalho ou cada canção pede uma experiência própria?
Não existe método no meu modo de compor canções. Cada uma nasce de um jeito. Geralmente a música chega antes, mas muitas vezes letra e música chegam juntas. É mais raro a letra nascer antes, mas também acontece. É importante dizer que a dimensão poética tem relevância especial no meu trabalho. As letras definitivamente não estão apenas preenchendo espaços destinados à voz, elas tem importância fundamental na compreensão da música que eu faço. O próprio conceito do “Sol Velho Lua Nova” não pode ser compreendido e fluído inteiramente se estiver descolado do universo lírico que propõe, ou seja, se o ouvinte não estiver atento ao que está sendo dito. Sinto que música e letra estão totalmente conectados e não podem ser separados sem que isso afete significativamente o entendimento do álbum. E esse conteúdo poético é representação fiel da minha visão de mundo, dos meus valores, é ali que está o coração do disco.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne. A foto que abre o texto é de José de Holanda / Divulgação

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