Devendra Banhart ao vivo em São Paulo

texto por Marcelo Costa
fotos por Liliane Callegari

Em um trecho do divertidíssimo livro “Joy Division: Unknown Pleasures”, Peter Hook define de maneira soberba não só o punk rock, mas o descompromisso sonoro que se seguiu após a explosão do movimento no final dos anos 70. Desta forma, quando Hook escreve que “logo de cara fiquei intrigado com uma banda que parecia, sei lá, humana”, ele pode tanto estar falando do Sex Pistols e do The Clash e do Ramones quanto de Devendra Banhart, porque a sensação que o músico texano criado na Venezuela passou para o público paulistano na edição 49 da Popload Gig, em São Paulo, foi exatamente essa: a de um músico “humano”, igual a eu e você, mas que por um feliz acaso está sobre um palco entretendo o público com canções.

Por mais que a casa Tropical Butantã não parecesse o local ideal para receber Devendra em São Paulo, o público que lotou o enorme galpão despido de charme e com filas enormes para comprar bebida deu uma aula de respeito mantendo-se em silêncio nos momentos acústicos e delicados do show principal. A noitada, no entanto, começou bem antes com Gregory Rogove, multi-instrumentista, compositor, cantor e baterista da banda de Devendra tocando algumas canções de seu único EP, “Hooops”, lançado em 2016. Com um pequeno público ocupando cerca de 30% da casa, Rogov conseguiu cumprir a missão de chamar a atenção dos presentes, que até ajudaram o músico no coro de sua última canção.

Na sequencia, O Terno subiu ao palco para um set curto de apenas seis canções tocadas com paixão, diversão e qualidade num show que ainda teve na excelente iluminação um diferencial aos outros shows da noite. O trio Tim Bernardes, Guilherme D’Almeida e Gabriel Basile abriu a noite com a grudenta “Culpa”, um dos vários grandes clipes do grupo paulista, cantada em coro por um Tropical Butantã já bastante lotado. Privilegiando exclusivamente o terceiro (e mais recente) disco (“Melhor Do Que Parece”, lançado em 2016 e editado em vinil em 2017 pelo Noize Record Club) seguiram-se “Deixa Fugir”, “Lua Cheia”, “Volta”, “Não Espero Mais” e a faixa título em versões poderosas e contagiantes.

Com cerca dos 2 mil lugares da casa ocupados, Devendra assumiu o palco para o derradeiro show da noite (e o quinto dos sete que ele faria em solo brasileiro nesta turnê) acompanhado de sua banda cujo destaque é o produtor e guitarrista Noah Georgeson (um dos braços direitos de Devendra nos discos também colabora com Cate Le Bon, Rodrigo Amarante, Charlotte Gainsbourg e Joanna Newsom, entre outros), o maestro cuja tarefa árdua é tentar organizar o caos desleixado que concede charme para a apresentação, com Devendra falando pelos cotovelos em inglês, francês, espanhol, português, portunhol e muitas vezes tudo isso junto numa mesma frase ininteligível – fica a dica: alguém precisa juntar ele e Otto no palco.

Assim como os demais shows desta turnê latina, “Saturday Night”, “Good Time Charlie” (as duas do álbum “Ape in Pink Marble”, de 2016) e “Für Hildegard von Bingen” (de “Mala”, 2013) introduzem a audiência no mundo todo particular de Devendra. A palavra mais usada durante toda a noite será “desculpa”, que Devendra utiliza tentando justificar seu desprendimento com o show como um objeto de arte em permanente construção: seguindo o caminho contrário, ele descontrói a apresentação parando as canções no meio, começando outras e parando novamente, atendendo a pedidos da audiência (que está em suas mãos) e até chamando gente da plateia para assumir o seu lugar no palco.

O descompromisso da apresentação encanta, e números festejados na noite como “Baby”, “Mi Negrita”, “The Body Breaks”, “Quédate Luna” e “Fancy Man” (com direito a citação de “You Don’t Know Me”, de Caetano, um ídolo para Devendra) ganham arranjos despretensiosos, quase quebráveis de tão delicados. Ainda que peça desculpas a todo momento, Devendra Banhart parece feliz e assassina de maneira fofa “My Sweet Lord”, de George Harrison, avisa que “canção de amor é toda gente e logicamente é verdade” (?) e diz que não fala português, mas fala “brasileiro”. Após “Foolin’” ele declara “São Paulo é muito amor” encerrando um show que, sonoramente, soou indie folk, mas exibiu uma atitude punk inocente e poética que fez o excelente público voltar para casa sorrindo.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
– Liliane Callegari (@licallegari) é fotógrafa e arquiteta: http://lilianecallegari.com.br/

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