por Guilherme Olhier
Neste 2017 repleto de datas marcantes de lançamentos musicais, o super clássico do AC/DC, “Let There Be Rock”, também festeja uma data especial: 40 anos de aniversário de lançamento (21/03) carregando o vigor de um dos maiores álbuns de hard rock de todos os tempos.Sem dúvida, esse é um daqueles discos que se pode ouvir com o mesmo entusiasmo sem pular nenhuma faixa.
Gravado entre janeiro e fevereiro de 1977, no Albert Studios de Sydney, terra natal da banda, o terceiro álbum do AC/DC (quarto na Austrália) foi produzido pelo mais velho dos irmãos Young, George, em parceria com Harry Vanda. Como em time que está ganhando não se mexe, a banda apostou na dupla Vanda & Young, que já havia produzido os primeiros álbuns, “High Voltage” (1975), “TNT” (1976) e “Dirty Deeds Done Dirt Cheap” (1976).
Em 1976, apesar do AC/DC ter começado a colher os frutos dos primeiros álbuns fora da Austrália, principalmente no Reino Unido e na Europa, o cenário já estava mudando com o início da explosão do punk rock, principalmente na Inglaterra.
Já no cobiçado mercado americano, a Atlantic Records USA havia rejeitado o antecessor, “Dirty Deeds”. Os chefões da gravadora americana queriam encerrar o contrato com a banda, já que não viam nenhum potencial neles para desbancar os medalhões de sucesso do período nas rádios, nomes como Rod Stewart, The Eagles e Elton John. Esse balde de água fria forçou a banda a retornar para a terra natal e gravar um novo álbum no mesmo estúdio onde haviam gravado os primeiros, mas com um pensamento diferente e dessa vez com muito mais atitude e cheios de raiva para mostrar que os yankees tinham mexido com os caras errados.
O resultado foi um dos mais conceituados álbuns em toda a longa história dos australianos e que realmente alavancou a carreira da banda. “Let There Be Rock” traz uma grande evolução no som do AC/DC e consegue transportar todo o peso que a banda tinha ao vivo. Na época do seu lançamento, tanto os fãs quanto os críticos o consideraram como o primeiro álbum de verdade do AC/DC.
Em uma entrevista para a revista Guitar World, ainda nos anos 90, Angus Young, lembra da atmosfera das gravações: “O álbum que mais tivemos que fazer trabalhos na guitarra provavelmente foi ‘Let There Be Rock’. Do início ao fim do álbum são muitos solos de guitarra. A música ‘Let There Be Rock’ foi um grande desafio para mim. Lembro do meu irmão, George, me dizendo no estúdio: ‘Vamos lá, Ang. Vamos fazer algo diferente’. Na última faixa, lembro de um dos amplificadores começar a explodir no final. Eu disse: ‘Hey, os alto falantes estão indo pro saco’. Dava pra ver no estúdio toda aquela fumaça e faíscas saindo e ele gritava pra mim: ‘Continue tocando, continue tocando””.
O álbum
Logo de cara já dá pra perceber que a banda não está de brincadeira e abre com a poderosa “Go Down”, que na versão lançada em CD posteriormente é pouca coisa maior do que a originalmente lançada em vinil. Bon Scott trouxe histórias da vida real para os temas das músicas e “Go Down” foi inspirada em uma groupie apelidada de Ruby Lips que o vocalista conheceu.
A letra da segunda faixa, “Dog Eat Dog”, fala por si só e foi lançada como single na Austrália, incluindo como Lado B a música “Carry Me Home”, que mais tarde foi lançada na caixa “Backtracks”, em 2009.
A faixa título conta a história do surgimento e do desenvolvimento do rock n’ roll e pega uma frase emprestada de “Roll Over Beethoven”, de Chuck Berry. No caso, o clássico do pai do rock n´roll trazia “Tell Tchaikovsky the news” (Conte a novidade a Tchaikovsky, em referência ao compositor clássico russo Piotr Tchaikovsky) e em “Let There Be Rock” se transformou em “But Tchaikovsky had the news”, dizendo que a novidade já havia sido contada e que ele a compartilhou com todos, dizendo “que haja som, que haja luz, que haja bateria, que haja guitarra, que haja rock”. A letra da música se desenvolve em contar o surgimento de várias bandas e com isso o crescimento da fama e a riqueza dos músicos e dos “homens de negócios”. A música é um dos maiores clássicos da banda e foi figurinha carimbada em todos os shows do AC/DC, com a inclusão de um extenso solo de guitarra de Angus Young sem o acompanhamento da banda, um dos momentos mais marcantes das apresentações.
“Bad Boy Boogie” e “Problem Child” trazem a mesma temática de um garoto problema, que gosta de fazer tudo o que não deve. As letras inclusive são bem parecidas. Na primeira: “Eles dizem pare, eu digo vamos. Eles dizem rápido eu vou devagar. Eles dizem sim eu digo não. Eu faço o boogie do garoto mau.” Já em “Problem Child” a letra crava: “O que eu quero eu pego. O que eu não quero eu quebro. Sou uma criança problemática e sou selvagem”. Exatamente como era a personalidade de Bon Scott, que não dispensava uma farra.
A versão internacional do álbum trazia o mesmo tracklist australiano, com a faixa “Crabsody in Blue”, mas a Atlantic Records (de novo ela) por conta da palavra “chatos” na letra, a substituiu por uma versão mais curta de “Problem Child”, que havia sido lançada no LP australiano de “Dirty Deeds Done Dirt Cheap”, ironicamente o álbum que havia sido rejeitado por eles meses antes. “Crabsody in Blue” também foi lançada posteriormente no box “Backtracks”.
“Overdose” supostamente teria sido inspirada em uma garota chamada Judy King, que Scott havia conhecido em 1975 e que haveria tido uma overdose de heroína junto dela e de sua irmã mais velha Christine. O fato é que a música conta a história de um homem que tem uma overdose, não por conta de drogas, mas sim por uma mulher, mas é claro com várias referências.
“Hell Ain’t Bad Place to Be” já antecipava a temática demoníaca do grupo que viria a ser consolidada em “Highway To Hell” e também acabou entrando no disco ao vivo “If You Want Blood, You Got It”, de 1978, e só saiu do setlist da banda durante pouco tempo nos anos 80.
A faixa que fecha o disco, um mega clássico do AC/DC, “Whole Lotta Rosie”, também conta uma história vivida por Bon Scott. A música é sobre uma mulher obesa da Tasmânia chamada de Rosie por conta do seu cabelo vermelho, a qual Scott havia tido uma noite em um motel de beira de estrada no subúrbio de Melbourne. Além de detalhar os atributos e medidas de tal mulher, Scott ainda conta na letra que ela é uma grande amante.
A versão original da música, um pouco mais lenta, se chamava “Dirty Eyes” e foi gravada no verão de 1976 junto com “Carry Me Home” e “Love at First Feel”, para o lançamento de um possível EP, que foi rejeitado. “Love At First Feel” foi parar no álbum “Dirty Deeds” e “Carry Me Home” no single de “Dog Eat Dog”. “Dirty Eyes” foi refeita e se tornou o clássico que todos conhecem. A música mais tarde foi lançada no boxset “Bonfire”, que resgata a era Bon Scott no AC/DC.
Assim como “Let There Be Rock”, “Whole Lotta Rosie” é tocada em todos os shows da banda e também é uma das poucas músicas, junto com “The Jack”, a figurar em todos os álbuns ao vivo do AC/DC. Aliás, a apresentação ao vivo de “Rosie” é um show a parte. Além de a plateia entoar o nome de “Angus” no intervalo do riff inicial, uma boneca inflável gigante de Rosie toma o palco e a banda transforma a música de uma maneira impressionante.
O filme
O sucesso do álbum resultou no filme “Let There Be Rock: The Movie”. Além do show gravado no Pavillon de Paris, na França, em dezembro de 1979, durante a turnê do álbum “Highway to Hell”, o filme trazia entrevistas e imagens do dia a dia dos integrantes da banda, no mesmo estilo dos filmes/show da época que eram exibidos nos cinemas como “The Song Remains the Same”, do Led Zeppelin.
O filme e o VHS foram lançados em setembro de 1980 em homenagem a Bon Scott, que faleceu em 19 de fevereiro daquele ano, devido a uma hipotermia depois de dormir no banco traseiro de um carro após uma noite de bebedeira. Um CD duplo com a trilha sonora do filme foi incluída no boxset “Bonfire” de 1997, porém trazia a faixa “T.N.T.”, que não aparece nas telas.
O legado de “Let There Be Rock” ecoa até hoje, já que o álbum conseguiu resistir à fúria dos punks e ao mesmo tempo a alegria da disco music. Em um ano de transição na música, reinou sozinho no seu próprio estilo, resgatando levadas do rock n’ roll dos anos 50, a virtuose dos solos de guitarra das maiores bandas da época e toda a atitude punk dentro e fora dos palcos. Com essa mistura certeira, não será nada espantoso se “Let There Be Rock” ainda for assunto daqui 40 anos.
– Guilherme Olhier (@guilhermeolhier) é, segundo descrição no Twitter, um jornalista saudosista
Se alguém diz que gosta de rock e diz que não gosta de ac/dc desconfio muito.