Conexão Latina: Edu Schmidt

por Leonardo Vinhas

Há 10 anos, o músico argentino Edu Schmidt fazia parte do Árbol, uma banda que estava em seu auge. O grupo viera do underground, ganhou respeito do público independente e dos roqueiros, explodiu a ponto de virar sucesso entre crianças (basta ver o público presente no DVD ao vivo “Miau!”, de 2006) sem alienar totalmente os fãs adultos. Para efeitos de compreensão, pense em algo como o estouro da Blitz no começo dos anos 80. E foi nesse momento de pico comercial que Schmidt deixou a banda.

O baque não foi pequeno para os integrantes remanescentes, que recrutaram um psicólogo para ajuda-los no processo de composição e gravação que resultou em “Hormigas” (2007), o primeiro álbum sem seu principal compositor. Apesar do resultado musical agradável, a banda decaiu em popularidade e seu último suspiro foi o pavoroso “No Me Etiquetes” (2009). Em paralelo a isso, Edu se lançava em carreira solo, assumia mais trabalhos como produtor fonográfico, participava de gravações de outros artistas e até se jogou no estudo profissional de gastronomia.

O processo desses 10 anos, que ele define como “uma busca sem fim por autoconhecimento”, resultou em canções confessionais e diretas, embaladas no estabelecimento de sua identidade musical que também é parte dessa busca. Assim, “El Silencio Es Salud” (2009) ainda trazia elementos de punk e indie rock que eram comuns à sua antiga banda, mas também permitiam espaço para ska ou arranjos mais delicados. Essa delicadeza foi potencializada no excelente “Chocho!” (2013), um disco onde elementos do folclore e da canção popular argentina predominam. O ano de 2017 apresenta sua terceira cria, “Loco!”, que faz a ponte entre os mundos de seus antecessores de forma bastante exitosa.

Poucos dias antes de lançar “Loco!”, Schmidt atendeu ao Scream & Yell por Skype. Na longa conversa, falou muitas vezes do compromisso que assumiu consigo próprio de conhecer e respeitar a sinceridade de suas vontades. Avesso aos ditames da vida rockstar, aproveitou as economias feitas na época do sucesso massivo para estabelecer as bases da sua vida atual, na qual excursiona muitas vezes sem sua banda “porque é a maneira mais econômica”, ou viajando com os músicos em seu próprio carro, sem roadies ou assistentes.

Embora tenha feito seu primeiro disco por crowdfunding, abandonou as plataformas de financiamento coletivo “porque nem eu nem meus apoiadores tinham cartão de crédito”. Hoje, eventuais apoios são pedidos diretamente pelo Facebook – aliás, é o próprio Edu quem maneja suas contas nas redes sociais, sua página no Bandcamp (todos os seus discos estão disponíveis na modalidade pago quanto quiser: https://eduschmidt.bandcamp.com) e seu site oficial.

Se pensarmos bem, dá para dizer que Edu está mais punk que nunca: o “faça-você-mesmo” é indissociável da maneira como conduz sua carreira e grava seus discos. E, de fato, em “Loco!” há reminiscências dos tempos punk, seja no tango “Cemento” ou nas disparadas de “Caer”. Porém, há muito mais que isso: a influência da new wave argentina em “Si Salgo” e “Pasa”, o folk feliz de “Arriba el Sol”, a orquestração camerística de “Quien Era Yo”, a balada “Navidad” e a dolorida simplicidade de “Pez Volador” (com a voz de Sebastián Teysera, da uruguaia La Vela Puerca, acentuando a dureza do sentimento da letra). São todos reflexos musicais de quem parece viver sabendo que o risco, mesmo quando concretizado, vale mais a pena que a segurança.

Em que esse novo disco, “Loco!”, se difere dos anteriores? ”El Silencio Es Salud” tinha uma conexão – pequena, mas tinha – com o que você fazia no Árbol. “Chocho!” apresentava outra proposta melódica e poética, mais madura e próxima do folclore. O que vem agora?
Esse segue o caminho de autoconhecimento que venho percorrendo, de ir me encontrando através das canções. Tenho 43 anos, e há 25 gravo discos e canções. Estou o tempo todo me questionando se devo continuar ou não, buscando fazer isso de uma maneira que me traga prazer. Porque se não me divirto [fazendo isso], me parece claro que quem escuta não vai apreciar também. Há um monte de músicos de quem gosto que não sabem nem o nome dos acordes que estão tocando, mas que tem algo na maneira em que tocam que me dá mais vontade de escutá-los do que a alguém que estudou em conservatório. Em “Chocho!”, quando eu abria uma faixa para mixá-la, havia como que umas 100 pistas de violinos, charangos, o que fosse. Era difícil andar com essa mixagem, cada vez que ia pegar uma dessas faixas, eu pensava: “Isso é uma maluquice”. E logo depois pensava: “Não, tudo aqui é canção, isso não é um trabalho louco”. Por isso pensei que o disco seguinte teria que ser louco, teria que ser o contrário do que habitualmente faço. As canções estão fechadas, têm letra definida, a melodia redonda. Enquanto posso passar meses ensaiando com um artista que estou produzindo, decidi fazer meu disco em quatro dias: juntei a banda que toca comigo ao vivo, passei as canções e ensaiamos na quinta e sexta, 12 horas por dia, e no sábado e domingo já estávamos gravando as bases. Não sabíamos o que iria sair. Saíram coisas simples, com cara de banda de rock, mas passei os três meses seguintes sozinho adicionando outros instrumentos e refazendo os arranjos. Quando foi a hora de ensaiar para a turnê que vem agora, alguns músicos nem reconheciam mais as canções de tão diferente que elas estavam [em relação à base gravada nas primeiras sessões]. Quem sempre gravava os violinos era eu, e para este disco chamei um amigo violinista do Teatro Colón – um cara muito bom, tecnicamente superior a mim – e me liberei de tocar violino. Ele levou o som do violino à outra dimensão, está tudo orquestrado, não está com o som que me é característico no instrumento. Não é que você vá escutar algo como Debussy um Brahms: são canções simples e diretas, mas atrás delas tem esse trabalho. Também cruzei com um amigo que toca clarinete e o convidei para experimentar no disco. É um instrumento que não se usa no rock, e que deixou sua marca no disco. Por isso que o disco é “Loco!”, que a foto de capa sou eu de cabeça para baixo. Eu não escuto meus discos: eu os termino e entrego para as pessoas. Mas esse estou ouvindo diariamente, gosto dele. Soa como se fosse de uma pessoa que não eu mesmo (risos),

Você falou que esse disco segue um caminho rumo ao autoconhecimento. Na sua carreira solo, isso ficou explícito. O “Chocho!”, inclusive, é um disco brutal na parte lírica, porque está tudo ali na cara, te mostra vulnerável. Se o disco é “para as pessoas”, e não seu, como você acabou de dizer, de que modo você combina essa questão tão íntima com a relação com o público?
Várias questões me ocorrem. Na minha vida pessoal, sou bastante tímido e introvertido. Sou bem o tipo de cara que fica em casa lendo, não escuto música. Sou um urso hibernando. Através das canções pude me conectar com o mundo. Sem elas, não teria feito muito contato. Aos 15 anos comecei a escrever, e depois passei a fazer música. Escrever canções foi a maneira de juntar as duas coisas, música e letra. Porém, basicamente sou um escritor que não lança livros, mas discos. Para mim isso é muito importante – estamos falando e interagindo agora porque estou lançando um disco. É isso que me salva um pouco de ser um antissocial. Com as canções, me permito liberar-me do cuidado que tenho com a minha vida pessoal. Tem toda uma viagem ao meu íntimo, e não é uma coisa deprê. É uma viagem compartilhada. Por exemplo: eu queria fazer um tango, sempre quis, e fiz um em homenagem a Cemento (nota: lendária casa de shows de Buenos Aires, que funcionou entre 1985 e 2010 e foi essencial para o rock independente argentino). Ali foi onde crescemos, foi minha adolescência, e achei que fazia sentido usar o tango para falar dessa nostalgia. Na canção falo de Cemento e outros lugares que não existem mais, falo dos punks, de sair para ver os shows e voltar para casa às sete da manhã. Se alguma vez você foi a Cemento, vai ouvir esse tango e sentir vontade de chorar, então esse é um exemplo: algo que me é muito pessoal e que se conecta com todos por meio de uma canção. É um tango brutal, mas também tem uma parte meio Beach Boys e… Bom, falar sobre música é como dançar sobre arquitetura (risos). Tem que escutar para sacar. Mas o disco está aí para ouvir de graça. Admito que isso que você falou sobre “Chocho!”, sobre a maturidade, está potencializado aqui.

Que outros exemplos você pode destacar nesse aspecto?
Tem uma canção que é a mais triste que já escrevi, “Navidad”, sobre uma amiga cujos pais se foram da Argentina, e ela convive com uma das mais alegres que já fiz, que é “Caer”. Trata-se de um hino à queda, diz que você pode curtir enquanto cai. Porque a sociedade diz que você só tem que subir, subir e subir. Mas ninguém te avisa que depois de subir você tem que cair, é simplesmente a lei da gravidade. Jorge Serrano, dos Autenticos Decadentes (veterana banda que combina musica popularesca e rock), é o cantor convidado da canção, e ele para mim está no mesmo nível de Charly García e [Luis Alberto] Spinetta, que consegue fazer letras superfilosóficas na música popular, é um herói musical. Nesse disco, a alegria é muito alegre e a tristeza, muito profunda. É um disco emotivo, e de uma emoção compartilhada.

Curioso você falar da queda. Você optou por sair do Árbol quando a banda estava no auge. Sei que isso já faz tempo, mas não há como não pensar que essa canção, “Caer”, possa ser uma referência a isso, já que você voluntariamente abriu mão do sucesso massivo que a sociedade nos empurra como objetivo maior.
Sim, tem um pouco a ver. Desde que saí do Árbol, a temática das minhas canções é me encontrar, descobrir prazer nas coisas. É uma busca que não está 100% clara. Sempre fiz o que tive vontade, mas em alguns momentos eram vontades artificiais, e foi necessário deixá-las de lado. Disso eu me sinto orgulhoso: além das canções, isso tem a ver com o papel social que temos como – digamos – “artistas”. A mensagem não está apenas no que você diz nas canções, mas em como você diz, em quais lugares escolhe dizer e onde não dizer… É como o diretor de cinema que sabe que às vezes o mais importante é o que não coloca no filme. Deixar o Árbol foi uma decisão artística e social: uma mensagem para minha filha e para meu eu futuro. Agora quando tenho medo de fazer alguma coisa, eu penso: “Maluco, você já saiu do Árbol, da segurança econômica, de um futuro assegurado. Agora você vai ter medo do que? De dizer a uma mulher que gosta dela? De tomar uma decisão de trabalho?”. Paradoxalmente, abriu uma nova forma laboral: agora trabalho muito mais, mas estou desenvolvendo muitas outras coisas. Faço meus discos, faço trilha incidental para cinema e para televisão. Há um ano e meio tenho um projeto de ir às escolas da periferia de Buenos Aires para montar bandas de rock com os alunos: em dois dias ensaiamos, aprendemos e fazemos canções, e depois apresentamos em um show. É um projeto tremendo, e quero levá-lo também a hospitais e prisões. Quero também armar um projeto que una música e comida, e não deve demorar. Cozinhar é minha paixão, estou estudando gastronomia e nesse ano me formo como chef. Não iria poder fazer nada disso se estivesse no Árbol, porque tinha que estar em uma reunião de blábláblá. Me sinto mais ocupado e mais amplo como artista. Hoje, em alguns shows, recebo o público com comida: passo a semana preparando algum prato e sirvo no show.

Tá aí algo realmente diferente.
Não sou o mesmo artista se não faço isso. Não é por uma questão de marketing, é por me mostrar como sou. E sou assim. Se você é um amigo meu e vem à minha casa, sempre vou te receber com comida. Por isso faço isso nos shows.

Essa atitude dialoga com um desejo de deixar as coisas mais “caseiras”, mais domésticas, que você apresenta no seu perfil do Facebook e mesmo em algumas canções. Existe um acolhimento e uma busca por uma realidade melhor a partir dos pequenos aspectos da vida.
De fato. Procuro trazer coisas diferentes da realidade, pois vivemos uma realidade muito violenta. Isso é uma coisa que aprendi lendo coisas de Paul McCartney, que não é meu beatle favorito – esse seria o John Lennon (ri). Paul McCartney dizia que ao fim de cada música sua a pessoa tinha que estar melhor do que estava antes de ouvir. Isso não era, para ele, algo ingênuo e sim uma busca consciente e adulta. O cotidiano é uma luta que não pode ser vencida, então se você vai tentar mudar o mundo com uma canção, é provável que não consiga. Nesse copo de água que você tem aí na sua frente já existe um mundo enorme que não vemos e não entendemos. Então o mundo é muito grande para que uma canção o transforme. Mas que em algum momento uma canção te toque, e a letra faça você tomar uma atitude que modifique sua vida, aí sim. Nem que sejam só por aqueles três minutos que você passou se sentindo bem, deixando de lado o celular e o impacto da realidade. Minha vitória passa por aí: dizer de modo simples e que todo mundo entenda.

Nesse aspecto mais local, caseiro, vejo um paralelo entre seu trabalho e o de Arnaldo Antunes. Quando ele saiu dos Titãs, a banda ainda tinha respeito e presença comercial. Mas ele saiu para fazer as coisas que ele queria, mais plurais em linguagens e diferentes do que a banda vinha fazendo. Além disso, ele tem muitas canções sobre lar, família, lazer…
(sorri) Quando montamos o Árbol há 20 anos, foi proposital que colocássemos dois vocalistas. Tínhamos um conhecido que sabia muito de música brasileira e ele nos mostrou vídeos dos Titãs, com todos aqueles vocalistas saltando… Foi uma influência de som e de visual. Quando eu estava deixando a banda, em algum momento me lembrei de Arnaldo Antunes, cheguei a ir a um show, conheci seus livros de poesia… Ele faz o que tem vontade. Não é uma referencia que tenho diariamente [para minha música], mas a cada tanto me acontece algo que me faz lembrar dele.

Como é sua relação com os demais integrantes do Árbol?
Tivemos uma reunião não faz muito tempo, e nos contamos o que fizemos durante esses oito ou nove anos – alguns eu não via durante esse tempo todo. Foi bom para retomar contato. Em algum momento, Pablito, de um modo que é muito particular a ele, tocou a campainha da minha casa, e foi como um preâmbulo disso tudo. O engraçado é que eu estava no meio de uma produção, e os músicos que estavam ali ensaiando ficaram com cara de quem estava vendo um encontro histórico (risos). É uma relação complexa. Por sorte, nem eu nem eles ficamos falando mal um do outro, ficou claro que a saída foi uma decisão minha e a bronca ou o mal-estar que podem chegar a existir, como existe em qualquer divórcio, sempre foram tratados com educação e respeito. Obviamente aconteceram coisas, em qualquer separação se quebram pratos. Para eles levou muitos anos, mas acho que estão começando a entender minha decisão (risos). É uma banda super importante para a historia do rock da Argentina, e continua viva – canções como “El Fantasma” se ensina nos colégios, faz parte do repertório de quase todo mundo que está começando a tocar violão. Isso também acontece em outros países latino-americanos, pelo que sei. Principalmente no Paraguai. Eu continuo tocando as canções – elas fazem parte do meu repertório. Mas digamos que a banda é uma ex-namorada. (Nota: Pablo Romero inclusive voltaria a dividir vocais com Edu em “Contra Viento y Marea”, canção que encerra “Chocho!”)

Como produtor, você tem que entrar no mundo do artista que te convidou ou contratou. Ao mesmo tempo, tem que fazer a identidade dele sobressair, e não a sua – ainda que, evidentemente, você tenha sua personalidade na produção. Como você obtém esse equilíbrio?
A produção artística é muito complexa. Com [Gustavo] Santaolalla, que era produtor do Árbol (e de artistas de sucesso, como La Vela Puerca, Molotov, Bersuit Vergarabat e outros) aprendi que há duas partes: a profissional e a afetiva. Na profissional, trato de encontrar o que para mim é o mais representativo no grupo, e às vezes o próprio grupo não se dá conta. Eu só entendi minhas canções através do olhar do Santaolalla sobre elas: com os sublinhados dele, com o que ele deixava fora e o que deixava dentro, foi assim me conheci, e trato de fazer isso [como produtor]. Em um primeiro momento, busco que o artista conheça a si mesmo a partir de suas canções. Depois, ao contrário de outros produtores, posso partir para o embate, uma luta dialética mesmo: eu te desafio, você me desafia, e assim sucessivamente, mando ideias, não sou um produtor passivo. Além disso, durante aqueles três ou quatro meses me torno um integrante a mais na banda, compartilhando tudo. Sei tudo sobre o disco: os arranjos, as harmonias, as letras. Conheço mais dos artistas que produzo do que dos grandes que me influenciaram. Quando produzo, sou um músico a mais e sinto que, ao final, esses discos são meus também. Imagina a diferença que isso representa: como artista solo, lançou um disco a cada três ou quatro anos, mas como produtor são três, quatro discos por ano! Abre demais a cabeça!

E quando você é um músico convidado? Qual é seu aporte?
Aí, até por uma questão de tempo, o artista vem, me diz o que quer e rapidinho gravamos. É isso. Se tenho tempo, sou muito aberto para ir além. Posso até fazer tudo, porque tenho um pequeno estúdio na minha casa, e aí se chegar alguém, mesmo que um artista desconhecido, podemos chegar, conversar e fazer algo.

Nesses anos todos que está produzindo, tem algum trabalho que te agrada mais?
Vários. Há alguns que me deixam orgulhoso pelo sucesso que tiveram. “Sin Restricciones”, o disco mais famoso do Miranda (nota: banda de electropop indie que saltou à massividade com o álbum em questão), foi um estouro. Na época (2004), eles eram uma banda que levavam umas 50 pessoas aos bares mais glamorosos da capital [Buenos Aires] e depois se tornaram um sucesso em toda a América Latina. Obviamente algo coincide para que o artista esteja em aquele momento criativo, mas era o segundo disco que eu fazia – o primeiro foi o dos Los Tipitos [“Vintage”, de 2001], que agora também são importantes, mas na época tocavam nas ruas e nos ônibus, mal se apresentavam em bares. Depois desse disco, eles passaram a lotar shows em Cemento. Esses dois discos, aliás, produzi com Pablito (Pablo Romero, o outro vocalista do Árbol). Houve outras coisas também, como um grupo chamado Semilla, de folclore. O disco que eu, Pablito e Santaolalla produzimos para eles (homônimo, de 2007) foi muito emblemático para as bandas do novo folclore argentino, principalmente para aquelas que misturam o estilo com rock. Gravamos com os violões atrás, baterias à frente, mixamos em Los Angeles… Não foi um disco tão massivo, mas pegou forte com os artistas do folclore. Também tem o disco que fiz para Los Caligaris [“Bailarín Apocalíptico”, de 2011], que não eram tão conhecidos quando os produzi. São uma banda de cuarteto cordobês (estilo musical popular característico da província de Córdoba), que fazem música para dançar, com piadas. Eles têm umas canções incríveis, com rock, arranjos de metais lindos, dos quais estou muito orgulhoso. Se continuamos falando, vou me lembrar de mais coisas, porque às vezes me recordo de uma canção de algum trabalho que participei e sempre me dá muita alegria.

Parece que Santaolalla foi uma influência muito grande para você, como pessoa e como músico. Na época de “El Silencio Es Salud”, você comentou muitas vezes do apoio que ele te deu para que você se lançasse solista.
Na verdade, antes de lançar esse disco, tivemos uma reunião, e acredito que ele preferiria que eu tivesse permanecido no Árbol. Mas sim, eu estava lhe mostrando as canções ainda em demo, e ele me dizia que elas tinham muito mais potencial. Ele me incentivou para melhorá-las, para que eu entregasse um disco melhor do que eu havia lhe mostrado. Ele é um sujeito que põe muita pressão na produção, e mobiliza tudo para que a coisa cresça. Recém terminei de ler uma biografia de Steve Jobs e houve muitos trechos que me fizeram recordar de Santaolalla. Ele não precisa estar todo o tempo ali. São duas ou três intervenções, mas são vitais. Um olhar que ele te dá é certeiro. Já não trabalho com ele há alguns anos, e isso foi pouco como um adolescente que sai de casa para fazer as coisas por si próprio (risos).

Você disse a pouco que não escuta música em casa. Ainda assim, queria saber se tem algum artista que você ouviu nos últimos cinco anos, na estrada ou no rádio, que te chamaram a atenção.
Sim, tem muitas! Tem muitas coisas legais aqui. Uma que gosto muito já tem, acho, uns oito anos, que é o Kumbia Queers (nota 10 anos, na verdade). Gosto do som e da estética. Também adoro o El Mató a Um Policia Motorizado – ok, eles já têm vários anos nas costas. Tem o LeonChalon, uma banda de reggae típica – são uns 10 ou 12 caras (nota: oito, na realidade), que detonam ao vivo. Gosto do Pérez, uma banda de La Plata que é meio garage e tem letras ótimas. Escuto muita música, na verdade – quando cozinho (risos) ou quando estou no carro. Mas não escuto a mesma quantidade que escutava antes, como na época de Cemento, em que sentia que qualquer banda nova podia detonar tua cabeça. Talvez seja algo da idade, também, porque tem estudos que dizem que, depois dos 30, você dificilmente forma gostos novos. Porque se é para por algo, ponho Bob Marley, é o primeiro que vejo. Me faz bem. Não sei nem o que dizem as letras (risos), mas acho muito bom. Pelo estético, pode ser que eu vá escutar Beatles, mas por prazer, é Bob Marley, que já não está aqui há quase 40 anos e continua sendo impressionante. E também o que veio depois: Mano Negra, Manu Chao, Clash…

Como está a divulgação do disco?
Sei que esse vai ser um ano complicado. Argentina, assim como Brasil, está em um momento difícil. Excursiono com a banda ou sozinho, mas tem muitos lugares fechando, e outros não te dão nem a grana básica para as despesas de chegar até lá. Mas sei que vou tocar muito. O ideal seria fazer todos os shows com a banda, mas acredito que vou ter que fazer muitos solos e levar discos, levar discos, levar discos! Porque vendo discos nos shows! Uns 15, 20, por show. Foram 4 mil cópias de “Chocho!” só nos shows, dando autógrafo e posando para fotos. Estou pagando uma pessoa para ajudar com a parte de imprensa, especialmente para que o álbum chegue à rádio e à televisão, mas nada me garante que o disco vai tocar em todos os lados. É que esse é um disco que tenho muita vontade de mostrar. Já lancei discos os quais não tive vontade de dar entrevistas nem nada. Esse é um disco que está me puxando, sei que vai ser um passo muito importante. Eu tenho uma situação na qual lanço um disco se tenho vontade; caso contrário, não lanço. Não tenho nenhuma necessidade econômica ou espiritual ou seja qual for. Mas esse me ganhou. Vou fazer uma campanha para levar o disco às casas das pessoas, um por um de cada comprador, num carro plotado, e vou eu, levando a comida – um pudim, sei lá (risos) – ou tocando uma canção na casa, mas quero separar um mês para isso. Tudo ao contrário do que sempre fiz.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

Leia também:
– Três vídeos: Edu Schmidt acústico (assista aqui)
– Árbol (2007): Santolalla sempre foi decisivo na hora de fazer um disco (aqui)
– André Mendes regrava “El Fantasma, do Árbol. Ouça as duas versões (aqui)
– Conheça o tributo “Somos Todos Latinos”, com brasileiros gravando versões latinas (aqui)

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