Textos e fotos por Marcelo Costa
Se o Sesc Pompeia abriga o excelente Prata da Casa, um dos projetos mais interessantes de São Paulo no que tange a abrir espaço para novos artistas (todas as terças, gratuito), o Sesc Belenzinho vai na contramão com um projeto tão interessante quanto o Prata: chamado Álbum e surgido em dezembro de 2010, o projeto visa “trazer à tona títulos expressivos da discografia da música brasileira e apresentá-los para o público em formato de show” numa forma de resgate do passado. Na arte gráfica, um folheto caprichado em formato de compacto explica a importância do álbum recuperado na noite, padrão Sesc de qualidade.
De dezembro de 2010 para cá já passaram pelo Sesc Belenzinho muitos clássicos da música brasileira: “Vivo”, o histórico disco de 1976 de Alceu Valença, abriu o projeto, que já contou com shows sobre “Dança das Cabeças” (1977), de Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos; “Lobo Solitário” (1983), de Edvaldo Santana; “Selvagem?” (1986), dos Paralamas do Sucesso; “Da Lama ao Caos” (1994), Nação Zumbi; “Violeta de Outono” (1987), do Violeta de Outono; “Amor Louco” (1990), do Fellini; “Chaos A.D.” (1993”, do Sepultura; “Cabeça Dinossauro” (1986), dos Titãs; e “Pânico em SP” (1987), dos Inocentes, entre muitos outros.
Na sexta-feira, 07 de outubro, foi a vez de um representante do underground paulistano dos anos 80 subir ao palco do Sesc Belenzinho para o primeiro show em 25 anos e quatro dos cinco integrantes da formação “mais conhecida” da banda (a que gravou o álbum homônimo, e único disco do grupo, lançado de forma independente pelo selo loja Baratos Afins em 1984) se reuniram para esta noite: Nasi (Ira!), Thomas Pappon (Fellini, Gilbertos e Smack), Miguel Barrela (Agentss, Gang 90, Alvos Móveis) e Giuseppe Lenti (Alvos Móveis). Para ocupar o lugar do ausente Ricardo Gaspa (Ira!) nesta noite, a baixista Sandra Coutinho (Mercenárias).
Mais do que rememorar as oito canções do álbum “Voluntários da Pátria”, a noite foi especial tanto para confirmar (mais uma vez) a forte influência que o Gang of Four exerceu sobre o underground paulistano da primeira metade dos anos 80 (aliás, no show de 2006 do Gang of Four no saudoso Via Funchal, Edgard Scandurra e Dado Villa-Lobos estavam presentes para reverenciar Andy Gill – Sérgio Brito, dos Titãs, que “emprestou” uma estrofe inteira do clássico “Damaged Gods” e colocou em “Corações e Mentes”, não apareceu) quanto para ouvir as histórias de Nasi, que, tal qual um mestre de cerimônias pós-punk, recuperou histórias imperdíveis da época.
“A Voluntários da Pátria teve várias formações”, comentou o vocalista em certo momento. “A Sandra (Coutinho) chegou a fazer testes muito antes de mim, lá por 1981/1982. O Minho K, o Guilherme Isnard e o Akira S também passaram pela banda”, contou. “Nessa época, além do Ira!, eu tinha uma banda com o (Ricardo) Gaspa chamada KGB, especializada em covers de bandas esquerdistas, veja só”, brincou. “A gente tocava The Clash, Stiff Little Fingers, Gang of Four, The Specials… dai quando a Voluntários passou por uma grande mudança, assumi o vocal e trouxe o Gaspa, que nessa época ainda não estava no Ira!, para o baixo”, relembrou.
“Voluntários da Pátria”, o álbum, tem oito faixas sendo duas instrumentais, e uma delas, “A Marcha”, foi escolhida para abrir a noite trazendo consigo “Verdades e Mentiras”, a provável melhor canção do registro, que promove uma interessante leitura de época através de uma letra que flagra um grupo de moleques questionando os mais velhos (“Os velhos corrompem os jovens”, diz um trecho; “Um velho que conta histórias é um velho que conta mentiras”, diz outra parte da letra) sendo que, em 2016, a média de idade no palco é 55 anos. Em certo momento, Nasi reconhece um amigo de escola na plateia: “Ele era o goleiro do meu time”! Mudou o mundo ou mudamos nós?
O show segue com números deliciosamente inocentes como “Iô-Iô” (do verso “meu iô Iô não quer subir / vou reclamar na Coca-Cola” – essa só pra quem viveu os anos 80) e “1, 2, 3, Eu Te Amo” ao lado de interessantes versões de “O Homem Que Eu Amo” (a história de São Francisco de Assis em versão pós-punk) e (a atualíssima) “Cadê o Socialismo?”. Após as oito canções do disco, o quinteto enveredou por covers gringas (Gang of Four, Stooges) perdendo a oportunidade de aprofundar a memória do underground paulistano ao deixar de fora canções das Mercenárias, do Fellini, do Ira! e do Agentss. No bis, repeteco de “Verdades e Mentiras” e “Cadê o Socialismo?”.
“A próxima reunião será em 25 anos?”, brincou Nasi no final de uma noite de celebração (presente na plateia, Luiz Calanca, da Baratos Afins, foi homenageado) e descompromisso, que se musicalmente soou assombrada pelo fantasma do pós-punk britânico (tal qual era na época e será sempre – está na gênese do álbum, da banda e do underground nacional do começo dos anos 80), tematicamente mostrou que mesmo após 30 anos alguns temas do século passado continuam atuais já que “os fatos estão na revista, mentiras invadem a cidade, o homem mente, é verdade”.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Pra ver como o pós-punk britânico assombra essas bandas, ao menos nos ensaios rolou uma versão de “In Your House”, do Cure, que virou “Em Tua Casa”.
Se eu não me engano a banda tocava essa versão nos anos 80.
Só não foi melhor porque realmente a banda não precisava repetir as músicas. Tinha muita história no palco e podia ter entrado mesmo canções de bandas dos outros integrantes. Uma hora até pensei que ia rolar “Rock Europeu” do Fellini, mas não era. Mas valeu bem, apesar disso.