por Pedro Tavares
Parece fácil. Junte algumas câmeras e uma dúzia de atores. Veja com aquele amigo se ele pode disponibilizar a casa como cenário, rabisque algumas historinhas cotidianas e, voilá, você tem uma série digna de Netflix nas mãos.
Deve ser o que muitos pensam ao assistir “Easy”, liberada no canal de streaming no último dia 22 de setembro. Essa impressão provavelmente se dá pois a série segue o movimento mumblecore, surgido no cinema independente norte-americano e que preza pelo baixo custo de produção, roteiros abertos para o improviso, iluminação natural, cenários reais, entre outras coisas.
O movimento artístico vem ganhando força nos últimos anos e pode ser reconhecido em alguns filmes como “Frances Ha” (2013), e séries, como “Girls”. A naturalidade na construção das cenas e na interação entre os atores é o ponto forte de “Easy”, que trata das relações humanas de maneira muito leve e chamativa, conquistando o espectador desde o primeiro episódio.
A série, produzida, roteirizada e dirigida por Joe Swanberg, funciona como antologia, com oito episódios de aproximadamente 30 minutos que não dependem um do outro. Apesar disso, podemos ver participações de alguns personagens em mais de um capítulo. Swanberg também dirigiu um dos episódios da série “Love”, outra recém estreia da Netflix que, na mesma linha de “Master of None”, conseguiu fazer um bom barulho.
Mas “Easy” tem vida própria.
A primeira cena da série já dá o tom do que veremos pela frente, com um diálogo muito bem construído em uma típica reunião de amigos de 30 e poucos anos na casa de alguém. Aliás, a série depende e se apoia bastante na força das falas e das atuações, sempre passando muita veracidade e naturalidade.
Há aquele sentimento de “isso poderia acontecer comigo”, ou mesmo “isso já aconteceu comigo”. Sejam situações vividas ou angústias e dúvidas do dia a dia. Um exemplo é o episódio “Vegan Cinderella”, que explora a dedicação de uma jovem a mudar de acordo com os gostos de sua nova namorada (sem ela ter pedido), o que acaba inibindo sua própria personalidade.
“Easy” também acerta quando, sem forçar, tem um elenco diversificado, com atores de todas as faixas etárias, nacionalidades e raças. Diferente de outras produções, a impressão não é de que aquilo está ali para cumprir certa “obrigação” de diversidade, mas sim por que aquilo é um retrato da vida, pura e simplesmente. Como tudo na série, assuntos como homossexualidade, sexo nas diferentes idades, sexo à três, traição, e outros, aparecem espontaneamente.
Neste ponto, as cenas de sexo também chamam a atenção. O movimento de câmera é muito eficiente e dá a impressão, para o espectador, de que ele está junto dos personagens. Assim, em muitos momentos, parece que estamos naquele ritmo frenético, de perda de fôlego. Ao invés de vermos uma cena ensaiada, como se fosse um balé, com os atores se movendo para o lado certo, e fazendo tudo como máquinas, vemos as reais dificuldades que se pode ter nesse momento, de não saber onde enfiar a mão, ou ficar preso ao tentar tirar a camiseta. Além disso, as imperfeições naturais de cada corpo estão lá, sem truques ou maquiagem.
Apesar de muitos momentos cômicos, “Easy” apresenta força ao pincelar discussões densas. É como um pontapé inicial para um debate que não poderia ser feito em 30 minutos, mas que pode ser ao menos colocado na mesa. Em “Controlada”, por exemplo, há uma cena em que uma mulher e um ex-namorado transam após uma noite no bar. Apesar de isso não estar exposto no episódio, ficamos com uma pulga atrás da orelha se aquilo se tratou de um sexo consensual. É bem provável que a própria personagem tenha suas dúvidas em relação a isso também.
Em “Art and Life”, outra discussão importante nos dias de hoje. Um cartunista que utiliza sua vida, e a das pessoas com quem ele convive, como objeto de sua arte, prova do próprio veneno quando uma jovem fotógrafa faz o mesmo com ele. O episódio acerta em não tentar dar respostas para os debates e em colocar personagens suscetíveis a mudar de pensamento. O protagonista, vivido por Marc Maron em ótima atuação (a série também conta com nomes como Orlando Bloom, Dave Franco, Malin Akerman, entre outros), é moderno, mutável e interessante ao espectador.
Essa modernidade atraí, mas “Easy” se faz interessante por muitos fatores. Do talento dos atores à agilidade da narrativa. Da despretensão das falas ao visual chamativo. Tudo funciona dentro da série, que se torna imperdível e um dos grandes acertos da Netflix em 2016.
Parece fácil, mas só parece.
– Pedro Tavares (fb.com/pedro.tavares.779) é jornalista e assina o Rotina e Chinelos
Dois episódios que pra mim valeram foram o segundo da garota se tornando vegan e o sétimo das duas mulheres. Foi bem delicado a visão das duas sobre relacionamentos e solidão. Os outros achei bastante machistas (precisavam de dois episódios sobre os irmãos que fabricam cerveja?) e misóginos abusando da nudez das atrizes, em especial o do ménage com Orlando Bloom e Malin Akerman.
PS. um adendo Pedro, o “homossexualismo” no texto deve ser trocado por homossexualidade.