por Marcelo Costa
As vésperas de completar 60 anos, o diretor e roteirista Cameron Crowe entrou num projeto de série musical trazendo consigo JJ Abrams, o que gerou uma grande expectativa sobre “Roadies”, que estreou no dia 13 de junho de 2016 e viu seu décimo episódio ir ao ar no dia 28 de agosto já quando a série – com público médio de 300 mil pessoas – não tinha conseguido renovação para a segunda temporada. Ou seja, “Roadies” não terá continuação, o que por si só já deixa a questão: vale assistir apenas a esta temporada? Sim, vale.
Cameron Crowe sempre teve afinidade com a música pop. Quando criança, aos 14 anos, foi admitido como jornalista da revista Rolling Stone, episódio que ele relembrou com sagacidade no brilhante “Quase Famosos” (2000) – do qual “Roadies”, inclusive, soa uma continuação, piegas, mas uma continuação. Não que “Almost Famous” tenha sido a primeira incursão de Cameron na junção música e cinema, muito pelo contrário, já que quase todas as suas obras trazem momentos musicais simbólicos e emocionantes. Vejamos:
“Picardias Estudantis”, seu primeiro roteiro filmado por Amy Heckerling em 1982, encerrava com um moleque Sean Penn gastando a grana que ganhou numa recompensa contratando o Van Halen para um show privê para a galera. Em “Digam O Que Quiserem” (1989), seu primeiro filme como diretor, é mítica a cena em que John Cusack faz uma serenata para sua ex cantando “In Your Eyes”, de Peter Gabriel, debaixo da janela. “Singles – Vida de Solteiro” é um romance grunge (com direito a ponta do Pearl Jam atuando e vários shows).
A coisa não para por ai. O brilhante “Jerry Maguire”, de 1996, apresentou Tom Petty and the Heartbreakers pra muita gente que ouviu Tom Cruise esgoelando “Free Fallin” no carro. Em “Vanilla Sky”, de 2001, a trilha sonora espetacular move o roteiro embaralhando recados. Já em “Tudo Acontece em Elizabethtown”, de 2005, o personagem desesperado de Orlando Bloom faz um road trip musical que vale ser reprisada por cada fã de música. E tem “Pearl Jam Twenty”, com várias imagens que Cameron flagrou da banda antes deles estourarem.
Ok, Cameron Crowe é um apaixonado por música, e os quatro parágrafos acima tentam deixar isso claro para que você entenda os parágrafos abaixo, já que “Roadies”, a série, está longe de ser impecável, imperdível ou um clássico. Não é por esse lado. O que Cameron propõe na série, de forma emocional e muitas vezes piegas, é que é importante amar a música sobre todas as coisas. E, para isso, ele junta uma equipe de pessoas, roadies e produção, que trabalha nos bastidores de uma banda famosa e cria histórias de amor para com a música.
Como escreveu um crítico norte-americano, Cameron “pode ser brega, mas nunca é falso”, e a todo o momento isso é sugerido em cena em “Roadies”. No primeiro episódio, “A Vida é um Carnaval”, o grupo está acompanhando a Staton House Band, que sugere sem uma banda que fez muito sucesso nos anos 70 e continua grande, ainda que não do tamanho de Taylor Swift (ela é bastante citada na série). O primeiro show é em New Orleans e os personagens são apresentados aos poucos:
Bill (o insosso Luke Wilson) é o gerente da turnê, o cincoentão com fama de moleque que divide a função com Shelli (Carla Gugino, que vai conquistando o espectador aos poucos). A equipe ainda traz uma garota que faz de tudo um pouco, Kelly Ann (Imogen Poots, a Poléxia da vez), seu irmão maluco Wesley (o rapper Machine Gun Kelly), a operadora da mesa de som Donna (Keisha Castle-Hughes), o gerente de palco Phil (o ótimo Ron White) e Reg (Rafe Spall), o consultor financeiro enviado pelo empresário da banda para cortar os gastos da turnê.
Com esses personagens em cena dividindo o mesmo espaço, Cameron conta um pouco da história da música americana enquanto cria núcleos de comédia romântica que ora funcionam, ora parecem forçados. Assim como em “Vinyl” há um momento de uma música ao vivo, e ainda que não soe perfeita, a solução de Cameron é muito melhor do que a de Scorsese, que esvaziava a história. Aqui não, a música está conectada com o episódio, mas não deixa de soar um tiquinho forçado.
Há boas anedotas pelo caminho e, também, histórias comoventes (o trecho sobre o Lynyrd Skynyrd é muito bom) que seguem a trupe cidade após cidade. No segundo episódio, a equipe precisa lidar com os humores da banda após um show ruim. Em outro, um crítico musical detona a banda numa resenha escrita sobre um vídeo na web e é convidado para ver a banda ao vivo. Mais pra frente, a vítima será uma fotógrafa mais estrela que a banda. Os clichês do universo da música estão todos aqui, e Cameron os trata com reverência e interesse.
Após 10 episódios (alguns muito bons, outros, como o último, exagerados e desfocados) o que sobra é uma boa série sobre música. As tramas românticas são secundárias, as participações especiais também (Reignwolf, Jim James, Phantogram, John Mellencamp, Eddie Vedder, Robyn Hitchcock, Jackson Browne, Gary Clark Jr. e muitos outros), tudo soa secundário na série. O intuito claro é deixar com que a música brilhe, e Cameron consegue isso em alguns momentos, que recomendam ver a série sem muita expectativa, mas com ouvido atento para as canções.