por Marcelo Costa
“I Saw The Light”, de Marc Abraham (2016)
Ícone da música country considerado um dos músicos mais importantes e influentes do século 20 nos Estados Unidos, Hank Williams fez um imenso sucesso na virada dos anos 40 para os 50 tendo lançado 31 singles em seis anos de carreira, sete deles alcançando o topo das paradas (e outros cinco batendo na segunda posição do ranking). Sua morte precoce aos 29 anos em 1953 não só colocou fim a uma história vertiginosa de sucesso como também alimentou o mito que Hank se tornaria, e que é mal explorado nesta cinebiografia fraca, linear e confusa. Baseado em “Hank Williams: The Biography”, livro de Colin Escott, George Merritt e William MacEwen lançado em 1994, “I Saw The Light” dividiu a família de Hank já na escolha de um ator britânico (Tom Hiddleston) para o papel principal: o neto Hank Williams III criticou violentamente o que chamou de “falta de alma” na atuação de Hiddleston enquanto sua meia-irmã Holly elogiou o ator. O problema, porém, não reside na atuação de Hiddleston, correta e convincente, mas sim no desleixo de um roteiro que não soube usar os momentos de clímax da biografia de Hank e oferece ao espectador uma narrativa linear, sem brilho e emoção. Falta ritmo e sobra apatia; falta profundidade e sobram momentos de bocejo num filme que não honra a história do mito. Esqueça este grande erro chamado “I Saw The Light” e tente ir atrás de “Hank Williams: Honky Tonk Blues” (2004), documentário da série American Masters, da rede de TV norte-americana PBS, que vale mais a pena.
Nota: 1
“Miles Ahead”, de Don Cheadle (2016)
A maioria dos artistas geniais na história das artes alcança o topo do Olimpo criativo uma única vez na vida, tal qual uma benção divina, e passa o restante de seus dias sob a sombra da obra intocável que criou. Motivados pela passagem da adolescência para a vida adulta, alguns deles mudam uma única vez na tentativa de fugir da prisão artística que criaram para si próprios e, por conseguinte, criam novamente algo atemporal para, enfim, descansarem. Há, porém, um terceiro grupo ainda mais raro, o dos artistas inquietos e revolucionários que irão fazer de sua vida uma fonte inesgotável de criatividade artística alternando o rumo das artes a cada nova fase, e Miles Davis está nesse grupo (ali ao lado de Picasso). É fácil contar a história dos dois primeiros modelos de artistas (um único clímax de mudança é tudo que um roteirista deseja), e praticamente impossível condensar a genialidade de nomes como Miles Davis. Talvez pensando nisso, o ator e diretor Don Cheadle optou por fazer em “Miles Ahead” um recorte chapado da vida de Miles (o período conturbado de exilio criativo e drogado que o músico viveu na segunda metade dos anos 70) que não funciona como cinebiografia, mas resulta em bom cinema. Há, claro, momentos biográficos (o famoso e vergonhoso ato racista de policiais na porta do Birdland, por exemplo), mas o roteiro se prende a um jornalista fictício da Rolling Stone (Ewan McGregor) que se envolve no roubo de uma fita máster de Miles numa trama que se desenrola como um filme de ação (com direito a tiroteios e perseguição de carros) resultando em um filme (excelente, mas) muito mais Miles Davis do que sobre Miles Davis. Muito bom, mas não vá esperando “conhecer Miles” que a decepção será certa.
Nota: 8
“Born To Be Blue”, de Robert Budreau (2016)
Mais quadradinho no quesito formato de cinebiografia ficcional do que “Miles Ahead”, mas nem tanto, “Born To Be Blue” lança luz sobre a lenda Chet Baker (aqui revivida pelo ator Ethan Hawke), e o flagra exatamente no momento mais doloroso de sua vida: em 1966, vivendo o auge de sua carreira (iniciada em 1953, quando saiu da sombra de Charlie Parker para se tornar um dos maiores sucessos do selo Pacific Jazz) e de seu vício em heroína, Chet Baker é espancado por um traficante e seus capangas sofrendo vários cortes na boca e perdendo os dentes da frente, o que quase coloca fim a sua carreira. Com a embocadura totalmente prejudicada, Chet precisa reaprender a tocar o instrumento que o fez famoso (numa das cenas mais impressionantes do filme) tanto quanto se livrar das drogas (um oficial da condicional está em seu pé). Para isso, ele recebe o apoio de sua então namorada, a atriz Jane Azuka (um personagem ficcional interpretado por Carmen Ejogo, muito bem no papel), que passa esse tempo de recuperação ao seu lado enquanto o casal vive em uma Kombi a beira do Pacífico californiano. O bom roteiro escrito pelo próprio diretor junta momentos conhecidos da biografia de Chet com trechos ficcionais interessantes (como Chet atuando em um belo filme de fotografia P&B que Dino de Laurentis nunca fez) soando eficiente ao passar para espectador o drama de Chet Baker (melancólico, autodestrutivo e assombrado pelo fantasma de Miles) tanto quanto sinaliza seus problemas com drogas e com a família. É uma boa introdução ao mito…
Nota: 8
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Miles Ahead parece mais um filme sobre o jornalista que sobre Miles Davis. O Born to be Blue mostra bem a melancolia do Chet Baker. E como a melancolia de Chet Baker, é um filme triste, mas bonito.