por Ana Clara Matta
Elogiemos os homens ilustres, diz, no título de um dos seus livros, o escritor James Agee. Ano após ano, na era do jornalismo musical, celebramos aniversários de lançamento de discos que mudaram paradigmas da música e marcaram de maneira irreversível a vida de certas gerações. Esses discos geralmente incluem todos os fatores que justificam seu status como “ilustres” no nosso consciente coletivo – ambição, escopo, um conceito que alinhava cada música, uma evolução considerável em relação à carreira da banda, ao status quo do gênero ou ao momento musical vivido. Resumindo em uma palavra maldita, pretensão.
E quem elogia os homens nada ilustres?
E aqueles discos que trocam a pretensão por sua antítese?
Em 2016 comemoramos os 20 anos de lançamento de um disco que, de acordo com a tese defendida nesse texto, é a epítome da ausência de pretensão. Esse disco tem pedigree, não se deixe enganar por seu clima relaxado. Suas palavras saem da caneta e da boca de Jakob Dylan, filho de um dos homens ilustres da música. No comando dos botões e alavancas da produção, T-Bone Burnett, uma lenda viva. Esse disco se chama “Bringing Down The Horse”, da banda The Wallflowers, e – confie em mim – ninguém está escrevendo nesse momento sobre seu aniversário de maneira emocionada e elegíaca.
Podemos dissecar “Bringing Down The Horse” nesse texto, mas existe algo mais interessante a ser dissecado a partir da existência desse álbum, que viveu como lenda e morreu como indigente. “Bringing Down The Horse” é um disco quádruplo de platina, contém no mínimo dois dos maiores hits que o rock produziu nos anos 90, e foi indicado a três Grammys. Mas “Bringing Down The Horse” não pretendia mudar o rock, a estrutura de suas composições é convencional, o som não desafia o ouvinte comum a redefinir aquilo que lhe agrada os ouvidos. Não é grunge nem uma resposta ao grunge, não é um precursor do indie rock nem um throwback direcionado a um gênero ou artista clássico. Alguns chamam esse tipo de som de pop-rock, termo que pode até ser usado como xingamento para aqueles que acreditam que o pop é uma chaga e um pedido de misericórdia ao leviatã do mercado. Esse tipo de som, porém, merece outro termo – um gênero em si que surge até certo ponto da ausência de gênero: o rock pedestre.
O que é o rock pedestre, você pergunta. Bem, para responder essa pergunta não há nada mais pedestre que se possa acionar do que o dicionário. De acordo com o Michaelis:
pe.des.tre
adj m+f (lat pedestre) 1 Que anda ou está a pé. 2 Designativo da estátua que representa um homem a pé. 3 Humilde.
É a terceira definição que nos interessa. O rock pedestre não quer mudar a sua vida e não discute grandes temas. Ele é acessível, digestível, desce macio como um domingo à tarde na frente da TV. Ele não mudará a sua vida, mas ele faz algo que é possivelmente mais importante: ele é a trilha sonora invisível da sua vida, contém as músicas que marcam suas fases de formação musical e se torna refúgio nostálgico constante nas suas mixtapes. E acima de tudo, o rock pedestre está morrendo, vítima de um tiro no coração dado pela fase de alta ambição que veio com o rock alternativo dos anos 00.
Podemos listar as bandas ativas nos anos 90 que se encaixam nesse subgênero: The Wallflowers, Gin Blossoms, Counting Crows, Semisonic, New Radicals, Third Eye Blind, Goo Goo Dolls, Matchbox Twenty. Essas bandas não estavam nas páginas da NME, estavam no topo do Disk MTV. Hoje membros dessas bandas escrevem músicas para gigantes do pop, como Dan Wilson, do Semisonic, e sua parceria com Taylor Swift no álbum “Red” ou Gregg Alexander, do New Radicals, indicado ao Oscar por canção que chegou ao público pela voz de Adam Levine, “Lost Stars”. O pop os abraçou, mas o rock os rejeitou. Não existe espaço para esse tipo de radiofonia em um cenário pós “Kid-A”?
A falta de bandas identificáveis de “rock pedestre” no cenário atual cria um fenômeno interessante – é mais difícil começar a se interessar pelo rock do que por outros gêneros musicais na adolescência e na infância, pois poucas bandas fazem a ponte para o gênero nos rádios e paradas. Festivais de música lotam seus lineups com divas pop e rappers para conseguir travar um diálogo com uma geração que nunca foi convidada por um som fácil e despretensioso a apreciar o rock.
Após o lançamento de “Bringing Down The Horse” até mesmo o Wallflowers foi se afastando do subgênero que seu som incorpora. O bicho da ambição também mordeu Jakob Dylan. Mas é difícil se manter imune em um mundo em que comédias leves não ganham Oscars e sitcoms são substituídas por séries conceituais dirigidas por auteurs do cinema. O trânsito está desfavorável aos pedestres.
– Ana Clara Matta (@_ana_c) é editora do Rock ‘n’ Beats e do Ovo de Fantasma
Leia também:
– “Breach” é para conquistar os 6 milhões de fãs do Wallflowers. Precisa mais? (aqui)
Disco legal. Simpatizo com o Jakob. Muito interessante e bem escrito o texto. Muito pertinente esse termo “rock pedestre”. Mas discordo de uma parte. Não faltam bandas rock pedestre. Todas as bandas que se dizem de rock hoje são “rock pedestre”. A internet e os downloads tiraram a importância do rock por mais que existam e apareçam grandes bandas, grandes discos e grandes canções. Eles não significarão o que significaram.
“A internet e os downloads tiraram a importância do rock”. Sério, foi ISSO mesmo que realmente tirou a importância do rock. Não foram outras formas musicais (como o rap, r&b, funk e outros subgêneros eletrônicos) que tomaram seu lugar e tornaram-se mais relevantes no momento? Não são downloads ou internet que tiraram a relevância do rock (que teoria mais furada, pô), foi seu próprio desgaste, sua incapacidade de continuar mudando e manter-se relevante. O rock ficou meio bobo, repetitivo, inofensivo ideológica e esteticamente (salvo raríssimas exceções, cada vez mais difíceis de listar) . Bem na real, a evolução meio que parou no punk e pós-punk, o resto é tudo arremedo e caco, um apanhadão de referências. Pra se ter ideia, a última grande banda (falo em termos de ser iconoclasta, marco geracional etc) continua sendo o Nirvana (e isso já tem 20 anos). Ainda existem boas bandas, mas só isso.
Bem interessante a teoria da falta de bandas “de entrada” pro rock, realmente faz sentido em um mundo de bandas ou radicalmente artísticas ou vergonhosamente banais.
E, Paulo Diógenes, vc está completamente errado, meu chapa. A evolução não parou a trinta anos atrás, vc é que tá desatualizado.
Tente ouvir Ulver, Deafhaven, Sun O))), Circa Survive, Ceremony, Cloud Nothings, DIIV, Goat, Jennifer Lo-Fi, Ventre, Battles, Airs, Mogwai, Ought, Clinic, Boris, Yeti Lane, White Lung, Godspeed You Black Emperor, Whirr, Solkyri, The Life and Times… Todas bandas atuais.
Falar de algo que não se conhece é fácil, campeão.
Fio, conheço tudo essas porra aí. E daí, cê acha que essas bandas é tudo novo, a reinvenção da roda, algo que quebra barreiras e nichos? Várias são ótimas, mas não acho que o Mogwai (e eu AMO Come on Die Young) tenha muito relevância pro mundo de modo geral não kkkkkkk. Ou a recente trilha sonora deles prum documentário sobre radiação e energia nuclear da bbc KKKKK. Black Metal moderninho, Drone Music, HArdcore moderno, pós-rock, math-rock, sério que cê acha essas coisas novas ou revolucionárias??? Brother, se descola, filhão. Adoro tudo essas porras, porque sou viciado em música desde sempre, desde trilha sonora de filme de terror lado b até o último single da Rihanna, tá ligado… Mas tudo isso que vc lista não faz o rock ser relevante culturalmente, não na escala que estou pensando. Um single da Rihanna, do Drake, da Beyonce, do Mc Bin Laden ou do Emicida ou do Criolo ou dos Racionais ou do Kendrick Lammar ou sei lá o que, bota tudo isso no bolso, cê entende??? Tô falando de relevância cultural de verdade, não de música de nerd que nem nóis viciado em som doido e maluco ouve… Sunn O))), e daí (e eu gosto), sério que cê acha que isso tá levando o rock pra frente, botando ele na linha de frente?? A molecada não quer nem saber dessa porra…Teve uma época que o rock foi iconoclasta, ditou moda-comportamento-orientação-política-filosófica-existencial-sexual-du-caralho cê entende? Hoje, ou é vazio, burro e superficial (a fatia mais água-com-açucar de bandas) ou é música de nerd e meia-dúzia (a fatia mais avant-garde e experimental). Agora, cê tu quiser continuar achando que White Lung é algo conhecido e importante para mais de 5 pessoas na minha cidade (300 mil habitantes) KKKKKKK, problema teu.. E porra, Godspeed já é uma banda velha pra caralho e ninguém sadio ouve (eu sim kkkkk). Já imaginou a molecada de carro rebaixado, rodão e boné de aba reta ouvindo a todo volume GYBE kkkkkkk… KKKKK. Então, rapaz, te liga: só nóis ouve essas pira, o mundo normal não KKKKKKKKKKKK
Não há nada mais pedestre do que acionar o próprio pé…
Mas há uma confusão no texto, que cruza vetores diferentes. Um seria a pretensão do roqueiro. Outro seria a presença do gênero como dominante na cultura. No bandcamp ou no soundcloud é possível encontrar zilhões de exemplares de rock humilde.
New Radicals talvez não seja um bom exemplo. Era uma grande banda, nada humilde, e muito diversificada musicalmente. O impressionante hoje é ter feito sucesso (o maior hit era tão sarcástico quanto Pavement).
Então o problema se torna o segundo vetor: o papel do rock na cultura. O rock pedestre não pode mais servir de trilha insuspeita da vida porque não temos mais condições de sermos assaltados por esse gênero no cotidiano.
Qual a diferença entre a energia violenta de Song 2 e uma sequência de power chords do Sheer Mag?
A própria forma de recepção cultural mudou. É difícil que alguém hoje que ame música e tendo escolha, o que era muito mais difícil em 96 do que em 2016, vá se submeter a ouvir uma banda de que não goste. Downloads, streaming, YouTube.
Hoje é muito mais fácil conhecer toda a história do metal norueguês do que nomear cinco hits do Justin Bieber.
Agora, a questão então é de fato se precisamos do rock pedestre. Quem vai caçar rock pedestre no bandcamp quando pode se dedicar a tags bem mais curiosas?
Mas se não precisamos e só queremos o verniz, podemos daqui 20 anos apenas contar histórias de “quando eu era jovem ao som de Sam Smith, aquele, lembra, até ganhou oscar”. O importante não é a trilha, mas a história. E como os tempos mudaram, qualquer pessoa com acesso a um computador hoje pode escolher a sua própria trilha (ou delegar aos algoritmos, o que seria uma forma de reencontrar esse cenário antigo, de rádios e tops televisivos). Dá pra fazer o Churrascão só com aquelas bandas australianas de hard rock.
Nelly Furtado obcecou o Nick Hornby e quase todo mundo que viveu aquele ano, mas no nível entretenimento Taylor Swift é igual, e na qualidade é sem duvida superior (a menos que o Ryan Adams, outro partidário do suposto rock pedestre – o disco dele de 2014 é um grande disco de rock – decida fazer sua versão de im like a bird).
Todo esse problema podia ser personificado na figura do Tom Petty, um roqueiro clássico e pedestre que chegou um pouquinho tarde demais (ele é a trilha dos passeios de carro do Tony Soprano com a Carmela quando eram jovens).
Assim, o rock pedestre, como Romeu naquele filme, deve morrer, a menos que sejamos Peter Pans.
Todos os artistas de todos os estilos musicais são pedestres hoje. A internet e os downloads tiraram a importância não só do rock mas da música. Nenhum artista musical significa ou significará o que os artistas do passado significaram. Mas que esse disco é bem legal é. Melhor e mais bem feito do que muitos “ilustres” principalmente de 2000 pra cá.
Esse álbum agradava qualquer pessoa que gostasse de boa música quando foi lançado (quem leu o “cabra-cega” com Benito de Paula, acho que da Folha de SP, nesta época?). Foi bem feito, tem pelo menos 5 faixas boas. Perdeu um pouco do frescor, e a banda não passou pelo crivo do terceiro álbum (sim, esse é o segundo). Ainda ouço o álbum, música boa é eternamente boa. Se você achou que era boa na época e hoje não consegue ouvir, não era boa. Ponto. Aviso: Esse álbum não serve para começar uma discussão “o rock morreu?”. Se o tango continua vivo, o rock, que tem 2050 vertentes (nenhuma delas se chama “tradicional”, tradicional é uma palavra que não casa com rock), vai estar sempre por aí, assim como tudo na vida, só quem o busca o encontra, porque às vezes ele não vai vir bater na nossa porta, e vai ser preciso alguma dedicação e esforço para encontrá-lo. A internet não é capaz de matar nada, você é que deixa morrer. Ainda compro livro, vinil, quadrinhos, revista, CD e DVD. Ana Clara: belo artigo.
Gostei do texto e esse disco do Wallflowers é sim uma grande obra.
Se o rock pedestre é um sub gênero dentro do rock, eu te digo, a salvação do rock dos 2000, os Strokes não tem nenhum disco que chegue perto do sensacional Feeling Strangely Fine do Semisonic. Discaço bom de ouvir do começo ao fim, com 2 hits estoura quarteirão que eram ótimos. Os Strokes não fizeram nada perto da beleza de Secret Smile, música que até hoje toca em FMs e é extremamente popular. Era muito bom nessa época ligar o rádio e ouvir uma canção como Closing Time. Ainda tinha o já citado New Radicals, que lançou outro grande disco na época e acabou. You Get What You Give é tudo, menos uma canção boba. O disco é um festival de boas influencias e ótimas canções.
O Rock Pedestre tinha (tem) valor e obras que não foram só moda ou algo passageiro.
É realmente uma pena faltarem bandas assim.
“Um single da Rihanna, do Drake, da Beyonce, do Mc Bin Laden ou do Emicida ou do Criolo ou dos Racionais ou do Kendrick Lammar ou sei lá o que, bota tudo isso no bolso, cê entende???”
Só se for em termos de popularidade hoje eme dia, aí nem se discute. Tirando os Racionais, o resto aí é bem pior do que qualquer Third Eye Blind da vida!
Se juntar todas essas bandas aí que o Gustavo Oliveira citou não dá 1/2 hit. Ele não pegou o contexto da matéria. Ela fala que antes tinha pop rock bom e que tocava em todos os lugares, a molecada ouvia e queria fazer cover, ia atrás. Hoje não tem nada, tem uns coldplay mas que é cansado. Minha namorada dá aula de música e na escola dela a adolelescentada quer tocar Raimundos e Red Hot. Niguém, além de nerds e indies sabe quem é Mogway. Quer um exemplo, o cobrador da lotação que eu pegava há 15 anos atrás cantava Gorillaz tudo errado. Isso é “pegar”. Hoje acho que a última banda que conseguiu fazer isso foi o Imagine Dragons com “Radioactive” e “Demons”