Entrevista: Marta Ren

por Pedro Salgado, de Lisboa

Marta Ren iniciou a sua carreira em 1996 no grupo de ska e reggae Sloppy Joe, onde viria a obter sucesso radiofônico com a canção “Six Little Monsters”. Quando a banda encerrou as atividades, Marta continuou a exercitar a sua excelente capacidade de performer nos Bombazines e Funkalicious iniciando uma aproximação com a soul music que caracteriza o seu trabalho mais recente. Ao longo da nossa conversa, mantida num restaurante nas imediações do Teatro Tivoli, a cantora portuense falou com simpatia e entusiasmo sobre “Stop, Look, Listen”, o álbum de estreia em nome próprio. “Decidi fazer esse trabalho porque a minha paixão é a grande árvore da música negra e também pela crença de que poderia fazer um bom disco de soul e funk clássico”, explica.

Os singles “Summer’s Gone” e “2 Kinds Of Men” (que têm rodado na Radio 1, da RAI, na Itália, na Radio 3, da Espanha, e no Craig Charles Funk and Soul Show, na BBC 6, da Inglaterra), são representativos da expressividade vocal de Marta, capaz de sugerir um leque vasto de emoções que resultam numa soul grandiosa em parceria com o andamento vibrante da banda The Groovelvets. A honestidade que coloca nas suas interpretações é justificada pela dedicação total à sua arte: “Se eu não cantar ou não puder escutar música durante um dia fico irritada. É impossível dissociar a minha pessoa da música, seja ela qual for”, conta.

Sobre a nova cena musical brasileira, a cantora do Porto manifesta algum desconhecimento, mas indica Céu como um dos nomes do seu agrado. E enquanto assume uma preferência clara por Lenine, Zeca Baleiro, Pedro Luís e a Parede ou o Monobloco, Marta destaca a bela versão de Bebel Gilberto de “Samba da Benção” e diz que “a música brasileira em geral é uma fonte de inspiração”. Relativamente à possibilidade de atuar no Brasil, a resposta é inequívoca: “Adoraria! O Brasil é enorme e não me importava de lá passar uma temporada, me apresentando no país inteiro. Eu tenho uma paixão muito grande pelo Brasil e acho que a minha mãe iria desmaiar se eu cantasse no Programa do Jô ou no Altas Horas (risos)”. De Lisboa para o Brasil, Marta Ren conversou com o Scream & Yell. Confira:

Até que ponto nomes como Aretha Franklin e Otis Redding influenciaram o seu trabalho?
É engraçado você falar nesses dois nomes, porque foram os primeiros nomes da soul clássica que escutei na minha vida. O meu pai era músico amador e a minha mãe sempre me incentivou a prosseguir uma carreira artística. Ele tinha um pouco de medo do que poderia acontecer se eu seguisse essa via e não me encorajou muito nos primeiros tempos. De qualquer modo, o meu pai passou-me imensa música e lembro-me de ele ter em casa um disco da Aretha Franklin e outro do Otis Redding e a minha paixão começou com esse dois nomes. Relativamente ao “Stop, Look, Listen”, a minha intenção inicial era de fazer um disco de soul e funk clássicos sem grandes surpresas, mas, no final, como não somos americanos e vivemos num contexto diferente, criamos quase sem querer um estilo próprio. É óbvio que transporto essas e outras influências como Marva Whitney, Lyn Collins ou James Brown, mas a alquimia musical proporcionou esse resultado único.

Em “Stop, Look, Listen” existe uma simbiose perfeita entre a intensidade vocal da Marta e a dinâmica instrumental do The Groovelvets. Como se desenvolveu a vossa parceria no álbum?
A nossa parceria surgiu antes do disco. Eu sempre precisei de uma banda de suporte e os primeiros temas que desenvolvi com o The Groovelvets foram o “Summer´s Gone” e o “2 Kinds Of Men”, que são da autoria do produtor New Max, mas têm as minhas letras e melodias. Para além dessas canções fizemos também “Smiling Faces”, onde o New Max tinha os acordes tocados em guitarra acústica e eu já tinha escrito a letra e trabalhado a melodia. Nesse momento, senti que tinha material para fazer um disco e sabia qual era o tipo de sonoridade que pretendia. Escolhi cada elemento do The Groovelvets com base nas necessidades que eu precisava para cada instrumento. Já nos conhecíamos, porque somos todos do Porto, fazemos música há muito tempo e o mundo é pequeno tal como a nossa cidade.

A sua interpretação de “I´m Not Your Regular Woman” é bastante emotiva. Posso concluir que se trata do seu lema pessoal?
Ás vezes (risos). Existem dias em que me sinto tal como a personagem dessa letra, uma mulher que trabalha muito e pretende ser valorizada, mas isso não acontece na maior parte do tempo (risos). Sinto-me feliz, embora sinta que há muita injustiça e que dou mais do que recebo, no entanto tudo isso faz parte da vida.

O clipe de “2 Kinds Of Men” foi gravado em Londres. Pode descrever como foi essa experiência?
Esse clipe tem uma história muito engraçada. O Marco Oliveira (realizador) e eu pretendíamos gravar no Porto, mas fui convidada para cantar no The 100 Club, na Oxford Street, ao lado de grandes músicos da soul e do funk clássicos, e decidimos que era uma boa ideia fazer a filmagem em Londres. A outra situação que tivemos de resolver foi encontrar o ator que contracenaria comigo e pensamos no ex-modelo português Joaquim Gaspar, porque ele tem um ar estranho e é mais velho do que o padrão de beleza e juventude associados a essa profissão. Através de uma amiga ligada à área da moda, soubemos que ele estava vivendo em Londres e então aproveitamos o fato de eu cantar nessa sala mítica (onde os Rolling Stones, Sex Pistols e B.B. King já tocaram), para realizar esse encontro. O público inglês adorou a minha performance e o lado mais especial desse show foi ver o técnico de som do The 100 Club, que estava nas fotos da parede junto a essas referências, fazer a minha passagem de som: aí eu fiquei nervosa pensando em todos esses grandes nomes com quem ele trabalhou. O stress passou porque ele elogiou-me e disse que nunca tinha visto uma cantora tão prática e madura. Foi um sonho tornado realidade.

O destaque internacional que o seu disco tem recebido é encarado por si como uma plataforma para uma carreira fora de Portugal?
Sim, e não só o destaque. A distribuição do meu disco em Portugal é feita pela Sony Music e internacionalmente pelo Record Kicks (um selo italiano que edita no mundo inteiro). O álbum já vai par aa segunda edição no Japão e também está disponível na Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Espanha e Austrália. Quando entrei para o Record Kicks já existia esse objetivo da internacionalização da minha música, porque eles fazem tours europeias com as suas bandas e projetam-nas mundialmente. Tudo começou assim e o fato de eu cantar em inglês e estar interessada em dar esse passo ajudou a implementar o processo. Como você sabe, comecei a minha carreira em 1996 com o Sloppy Joe, fiz alguns shows no exterior e dei o meu contributo a Portugal. Embora nem sempre me tenham dado valor ou acreditado em mim, quando atuo no estrangeiro sou muito patriota e a primeira coisa que faço é mostrar o lado bom do meu país. Mas sim, quero outros voos e pretendo que as pessoas compreendam melhor aquilo que eu digo nas letras e desejo conhecer outros palcos.

Quais são os seus planos futuros?
Os meus planos futuros foram sempre os mesmos e assim continuarão a ser. No momento, gostaria que o álbum chegasse ao maior número de pessoas possíveis e pretendo fazer uma turnê gigante de promoção do disco. A tour europeia está sendo preparada e vai acontecer, mas adoraria atuar noutros pontos do globo como o Japão, Austrália ou Brasil. Depois da tour, pensarei noutro trabalho e já estou a escrever novas canções. Para mim, a função de um músico é exatamente essa, fazer discos, tocar e retomar tudo novamente.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui

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