por Adriano Mello Costa
“Uma Metamorfose Iraniana”, de Mana Neyestani (Editora Nemo)
Lançada em 2012 na França, “Une Métamorfhose Iraniene” (no original) ganhou edição em 2015 com 208 páginas e tradução de Fernando Scheibe. O enredo é regado à incompreensão, autoritarismo e permeado com os absurdos que governos totalitários são tão craques em fazer. Mana Neyestani era um ilustrador e cartunista levemente reconhecido no Irã quando, após o fechamento autoritário de vários jornais, foi comandar o suplemento infantil de uma publicação com ligações com o poder. Por lá ficou dois anos até que, em uma das sátiras que fazia no suplemento que editava, usou um personagem em um quadro que ele conversava com uma barata. A piada, inocente na cabeça do desenhista, tomou grandes proporções. Tudo por conta de um termo azeri usado nesse quadro, que desencadeou um levante na região do país habitada por iranianos de origem turca. Não demorou muito e o governo partiu para cima do desenhista e o prendeu junto com o editor, forçando nos interrogatórios ligações com os EUA, as “verdadeiras razões” por trás da brincadeira e coisas do tipo. Esse fato aconteceu em 2006 e o Irã comandado por Mahmoud Ahmadinejad triturou a capacidade de trabalho do autor, transformou-o em bode expiatório de uma crise onde o fez partir (fugido) para fora do país em uma pequena odisseia, onde viveu no exílio por três anos até ser acolhido pela França. Em “Uma Metamorfose Iraniana”, Mana usa a famosa obra de Franz Kafka como figura comparativa para contar a própria história com arte em preto e branco, destaque para as sombras e expressões visuais que flertam com o cartum. O autor adiciona humor como instrumento apesar do tema pesado que explora. Esse equilíbrio faz do álbum uma leitura ao mesmo tempo interessante e dinâmica, sendo mais um acerto da editora Nemo em 2015.
Nota: 7,5
“Shazam! & A Sociedade dos Monstros”, Jeff Smith (Panini Books)
Jeff Smith é um senhor artista. Criador da série “Bone”, o quadrinhista fez um grande trabalho unindo um lado infantil com diversas vertentes adultas em uma aventura excepcional. Quando a DC Comics o contratou para recriar um dos personagens mais antigos da editora, Jeff Smith transportou muito de sua obra mais conhecida para Shazam (ou Capitão Marvel, se preferir). Ícone criado no final dos anos 30 por Bill Parker e C. C. Beck, Shazam começou a sair primeiramente pela extinta Fawcett Comics, até que a National, uma das percursoras da DC, o assumiu. Mesmo sendo peça fundamental dentro do vasto universo mágico da editora, o personagem foi muito mal explorado na maior parte dos últimos 30 anos, e até parecia que existia uma má vontade em relação a sua utilização. Com Jeff Smith om carta branca no comando do roteiro e da arte, as coisas mudam de figura. Primeiro, Jeff redefiniu que o Shazam que aparece todo poderoso quando o jovem Billy Batson grita seu nome são duas personas diferentes. Além disso, infantilizou tudo ao redor para que as coisas ficassem mais engraçadas e ritmadas, mantendo um lado forte adulto – como gosta de fazer. No caso do arco que a Panini Books encaderna e publicou aqui em 2015, por exemplo, esse lado está representado pela mídia e pela prepotência governamental encabeçada pelo Dr. Silvana. “Shazam! & A Sociedade dos Monstros” tem edição caprichada (mas bem que poderia ter alguns extras) com 208 páginas e reúne as edições lançadas nos EUA entre abril e julho de 2007. Serve não somente como diversão, mas também para ratificar ainda mais a maestria de Jeff Smith, principalmente quando auxiliado pelas estupendas cores de Steve Hamaker. Plenamente recomendável.
Nota: 8
The Sandman – Overture”, Neil Gaiman (Panini Books)
“The Sandman – Overture” teve o número inicial publicado nos EUA em dezembro de 2013 e a edição seguinte saiu em maio de 2014. Aqui, a Panini Books lançou em 2015 um cuidadoso encadernado incluindo essas duas edições, com direito a alguns extras no final. Mas do que se trata essa nova aventura de Sandman? O personagem que deu fama a Neil Gaiman volta às bancas com roteiro dele, arte J. H. Williams III e cores de Dave Stewart em uma história situada anteriormente aos fatos da estreia de “Sandman”, em 1988. “Overture” mostra as razões que levaram o Mestre do Sonhar a ficar vulnerável a ponto de ser capturado no início da consagrada série. “Sandman – Prelúdio 1” tem 56 páginas e apresenta o começo dessa trama (mais duas edições virão pela frente para abarcar os números originais de 3 a 6), aproveitando para inserir no meio das páginas velhos conhecidos (como o Coríntio e os Perpétuos) e fazendo leves links com outras histórias. O que à primeira vista aparenta ser mais um caça-níquel em cima da fama de Sandman cai por terra já nas primeiras páginas. Mesmo distante de ter o brilho do que foi feito antes, “Sandman – Prelúdio 1” demonstra a mesma pegada, o mesmo magnetismo e a mesma magia. No final do primeiro capítulo temos uma página quádrupla que é deleite puro, tanto pelas diversas facetas representadas de Morpheus, quanto pela arte caprichada e detalhista. Neil Gaiman atira um pouco mais de fantasia para o seu público, e se consegue agradar belamente fãs, fica um pouco difícil de conquistar novos leitores de imediato. Entretanto, isso não é nada que importe muito para quem de novo tem na mão o arroubamento provocado por Sandman e seu universo fantástico.
Nota: 8
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop