por Marcelo Costa
No podcast da Confraria Scream & Yell número 24, após uma longa e árdua discussão, os integrantes da mesa chegaram à conclusão (chegaram? será?) de que “Frances Ha” (2012), filme indie badalado do diretor Noah Baumbach, não era uma crítica velada à geração que o personagem principal do filme (interpretado muito bem por Greta Gerwig) representava, mas um retrato geracional, porque a crítica, na verdade, estava nos olhos de quem via. Na dúvida de sim ou não, Baumbach retoma o tema em “Mistress America” para deixar tudo mais claro.
“Mistress America” começa focando em Tracy (a ágil Lola Lyrke, com um q da Ellen Page de “Juno”), uma garota do interior que acabou de se mudar para a imensa Nova York a fim de estudar. Na Big Apple, Tracy sonha em entrar para um respeitado grupo literário na faculdade, mas sente dificuldades em fazer novas amizades ao mesmo tempo em que perde o garoto que está de paquera para uma colega. Em seu desespero adolescente (simbolizado em jantar sozinha num fast-food para apaziguar as mágoas), ela busca saída, e liga para sua futura meia-irmã.
A tal garota (não tão garota assim) atende pelo nome de Brooke Cardines, é uma cidadã de Nova York e é 12 anos mais velha que ela (Tracy tem 18, Brooke então tem 30). Ambas são filhas de pais separados e a mãe de Tracy conheceu o pai de Brooke em um site de relacionamento (“Eles se conheceram no período gratuito do site. Ninguém pagou nada”, brinca Tracy), e eles decidiram se casar. Tracy e Brooke serão irmãs e além de dividir a mesa no Dia de Ação de Graças, vão ler poemas e sonetas na cerimonia de casamento dos pais.
Para a surpresa de Tracy, Brooke é uma garota descolada, com amigos bacanas e ideias legais. E aqui entra o mea culpa delicado de Noah Baumbach. Brooke poderia se chamar Frances Ha (e “Mistress America” seria um “Frances Ha 2” – na verdade é), e não é só o fato de Greta Gerwig (esposa de Baumbach) dar vida aos dois personagens que os aproximam: Frances e Greta são a mesma garota perdida no processo de adultescencia, com muita energia e desejo de construir algo, mas sem saber muito bem o que (e nem ser graduada para isso).
Em “Mistress America”, o desejo de Brooke é abrir um restaurante (que deverá se chamar Mommy, com a ideia de que a pessoa vá jantar num local de ambiente familiar e atencioso), e para isso ela conta com a ajuda do namorado grego, que irá cobrir a parte dela na sociedade (“Quando começarmos a lucrar, eu pago”, ela explica), e investidores, que tenta convencer em reuniões. “Sou autodidata. Sabe o que significa essa palavra?”, Brooke pergunta para Tracy, que após passar uma noite com ela, inspira-se (em Brooke) para escrever um novo conto.
De forma delicada, o personagem de Tracy, parece sugerir Noah Baumbach, são todas aquelas pessoas que acusaram Frances Ha de soar vazia e hipster, porque ela faz com Brooke o que boa parte dos espectadores fez com Frances. No conto que escreve, Tracy cria um personagem tragicômico que não percebe que seus sonhos são irrealizáveis. Sem perceber, ela desconstrói a futura irmã, que, perdida em um mundo onde todos precisam ter um dom, desabafa: “Bom era o período feudal, em que se nascesse rei, seria rei, nascesse camponês, seria camponês”.
O roteiro (co-escrito por Noah e Greta) busca retratar essa geração perdida, e ainda que soe levemente crítico (ok sonhar, mas é preciso de foco, parece defender o casal), ele não objetiva estereotipar de forma negativa seus retratados, muito pelo contrário, busca mostrar que há certa inocência infantil nos passos de Brooke, que tem boas intenções nas coisas que faz, apesar dos desencontros constantes em que se mete e do desejo de fazer algo, ainda que ela não saiba o que (o que para alguns soa terrivelmente “wannabe”).
Com personagens secundários interessantes, ainda que a segunda parte da trama seja inferior à primeira, boa trilha sonora comandada pelo casal Luna (Dean Wareham, que novamente faz uma ponta, e Britta Phillips) e uma citação divertida de Nirvana (“Eu era cool na faculdade. Fui a um show do Nirvana antes de ‘Nevermind’, diz um personagem), “Mistress America” tem tudo para conquistar o público que amou “Frances Ha” tanto quanto aqueles que acharam o filme “hipster” demais. Não seja cruel: até no peito “deles” bate um coração.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
Leia também:
“Enquanto Somos Jovens”: embate de gerações num filme que deseja mais que entrega (aqui)
2 thoughts on “Cinema: “Mistress America”, de Noah Baumbach”