por Gabriel Albuquerque
Enquanto a parabólica enfiada na lama do mangue beat estimulou a demanda por “brasilidade” e “influências nacionais e regionais”, a banda carioca The Cigarettes seguia outras frequências. Da cidade de Itaperuna, interior do Rio de Janeiro, o guitarrista, vocalista e compositor Marcelo Colares era atravessado pela melancolia e insurgência juvenil das guitarras distorcidas de Dinosaur Jr., Teenage Fanclub, Yo La Tengo, Pavement e outros combos do indie rock dos anos 1990. Montou a banda em 1994 por “necessidade de expressão”, para derramar as suas mágoas. “Foi o meio que encontrei de dialogar com o mundo”, como ele me contou em entrevista para o Jornal do Commercio, de Recife.
Contudo, é importante esclarecer que as músicas da banda não são meras lamentações nem mesmo devem ser incluídas no jogo fácil do “confessional”. “The Waste Land”, seu quarto álbum, lançado em junho deste ano pelo selo independente midsummer madness (disponível físico e digital aqui), carrega o mesmo título do célebre poema de T.S. Eliot. Marcelo diz que a homonímia foi coincidência, nada planejado. Mas enxerga uma ligação entre o disco e poema: “Tem a ver em termo de sentimento de desilusão radical com as coisas. Em níveis objetivos e subjetivos também. O termo ‘terra arrasada’ (waste land) cabe bem para o mundo em que a gente vive hoje. Acho que é mais sobre essa percepção de que o movimento é de derrubada dos valores. Apesar de não restar muita esperança, isso te dá uma certa liberdade para criar”.
A condição é de terra arrasada (objetiva e subjetivamente). Mas desde que vivemos todos na mesma terra e, principalmente, ela não é um objeto dado, mas sim inventada e contra inventada por nós, a melancolia existencialista acaba soando como imobilidade. Mas o que fazer? Que caminho seguir? “I must confess that i have no short time solution/ But I think we should dive into this ocean/ That it’s opening in front of us”, aponta a faixa título. O Cigarettes mergulha. E então fala das busca, das tentativas, das falhas.
Quando tocam “There’s Beauty in This World” (primeiro single do álbum), não estão “dizendo”. Não é afirmação. É um olhar para os lados, incerto e reticente. “There’s beauty in this world despite all the villanies”. Será mesmo? Não há como saber. As músicas do Cigarettes trazem justamente esta dúvida, permeada por certa ânsia ou desespero pela esperança – uma ausência-presente como a Godot de Beckett ou como o Mantra da Esperança. “You gotta keep movin’ on”, seja em busca pela “liberdade para criar”, como Marcelo diz, seja pelo banal (e fundamental) – ainda há “Too much to dream/ Too much to get high”, como já cantavam em “Beauty Of The Day” (do primeiro álbum “Bingo”, de 1997, e presente nos shows atuais).
Esta confusão emerge também nas muitas músicas de amor (ou melhor: músicas que são, entre outras coisas, sobre amor) da banda. É o doce sabor das expectativas em “Mandy v2” (“But if i’m wrong and my dreams come true/ I surrender myself to you”) em desarranjo e conflito com o pessimismo fixo e desilusão de “Crystaline Rebirth” (“My dreams will not come true, my dreams will not come true”).
Em “The Waste Land”, O Cigarettes envolve tudo isso numa atmosfera sonora delicada, sensível e introspectiva. Um ambiente enevoado onde a visão esconde mais do que mostra. Um espaço menor, que faz a música se desdobrar em múltiplas percepções e sentimentos.
– Gabriel Albuquerque (www.facebook.com/gabriel.albuquer.1) é jornalista. Escreve no Jornal de Commercio, de Recife, e colaborador da revista Outros Críticos
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