Texto e fotos por Marcelo Costa
Três semanas atrás afundei minhas emoções nos dois livros de David Nicholls: até então eu havia passado incólume pela badalação que transformou “Um Dia” (2009) em best-seller com direito a adaptação meia boca para o cinema (com direção e roteiro apressados e uma Anne Hathaway excelente com sotaque britânico) e o recém-lançado (e badalado) no Brasil “Nós”. Comecei por “Um Dia” e fiquei felizmente surpreso, ainda que o exercício de clichês na função de estereótipos ultrapasse o limite desejável no meio da leitura – mas não estrague o final, arrasador e bonito. Fui rever o filme, e o odiei com todas as forças: Lone Scherfig mata todos os silêncios e o filme (que tem David Nicholls assinando o roteiro), acelerado, parece um calendário com as folhas desprendendo frente a um vendaval. Se no livro vive-se o presente, o filme soa uma busca desenfreada do inevitável destino futuro. Literatura 7 x 1 Cinema.
“Nós”, no entanto, flagra David Nicholls uma escada rolante à frente. Os clichês estão lá, desde a escolha de um cientista como personagem principal: metódico, carente de emoções, exato e frio, Douglas Petersen é o anti-herói perfeito, porque, afinal, logo na primeira página do livro ouve sua mulher desabafar, às 4 da manhã, que o casamento deles já deu o que tinha que dar, e que ela quer se separar, e o momento cria empatia com o perdedor. “Quando você vai…?”, ele pergunta receoso. “Não sei”, ela responde. Ele tem 54, ela 52. O filho deles, Albert, tem 17, e irá sair de casa em alguns meses para ir à faculdade, o que faz a esposa protelar a decisão sugerindo uma grande viagem em família. E lá vai nosso cientista em viagens de trens por capitais culturais europeias imaginando que o mundo pode desabar sobre sua cabeça a qualquer momento. E lá vamos nós por um road book sentimental e muito proveitoso.
Na edição de agosto da Confraria Scream & Yell comentei que em “Nós”, David Nicholls dá um passo á frente de Nick Hornby, influência que parecia um fantasma em “Um Dia”. Dessa vez, não. Nicholls se sai melhor que seu “rival” ao discutir questões que vão além do adultescer típico dos personagens de Hornby (ainda que “Funny Girl” discuta entretenimento banal de forma delicada e envolvente). Em um texto especial que escrevi para o blog da Intrínseca, que está lançando “Nós” no Brasil, resumo grosseiramente (mas com boas intenções – risos) que toda literatura de David Nicholls diz respeito a… amor. Não apenas o sentimento, mas todas as relações que essas quatro letras envolvem, muitas delas passadas de pais para filhos, símbolos de diferenças entre gerações há séculos. Desejar que uma pessoa viva a vida como “nós” achamos que é o melhor pra ela (e para nós) é, de alguma forma, amor?
Por fim, junto ao texto sobre o livro fiz mais um exercício de trilha sonora inspirado nas páginas que li. Já havia feito o mesmo (e adorado a experiência) quando escrevi sobre “Circo Invisível”, de Jennifer Egan (leia o texto e ouça a playlist aqui), e também sobre “Galveston”, de Nic Pizzolatto (aqui), mas desta vez a coisa toda foi radical, porque há muita citação musical em “Nós”, o que permitiu criar uma das playlists mais malucas e, ao mesmo tempo, divertidas e interessantes que já fiz, afinal ela abre com Carole King e Jackson 5, então Abba passa o bastão para AC/DC e Frank Zappa, e a sequencia segue com coisas tão dispares quanto Tom Waits e Barry Manilow. Na segunda parte, uma sequencia de covers emocionais, que alcançam o ápice com uma grande versão de “Purple Rain” por Etta James. Vale a recomendação então: leia o texto, o livro (sinta a vibe aqui) e ouça a playlist. É nóis.