Textos, fotos e vídeos por Bruno Capelas
“The Legendary Tigerman é uma máquina de rock’n’roll”. A definição dada pelo próprio músico português Paulo Furtado para o seu projeto solo poderia soar como mera bravata. Mas, felizmente para o público presente no Sesc Belenzinho na noite do último sábado (29/08), era apenas a verdade. Encerrando uma turnê de quatro shows pelo estado de São Paulo para divulgar o disco “True”, lançado em 2014, Tigerman usou sua mistura explosiva de blues e rock para incendiar o que tinha tudo para ser mais uma noite morna na capital paulista.
Um veterano dos palcos – e personagem central do rock português há pelo menos duas décadas, seja com o grupo punk Tédio Boys, com a banda Wraygunn ou em carreira solo como Tigerman –, Paulo Furtado teve de, antes de tudo, contornar uma circunstância estranha à natureza do blues. Afinal de contas, nascido nos campos de algodão do Mississippi e crescido em bares e palcos de todo os EUA, o blues hoje se tornou um animal em cativeiro, mais visto em museus, salas de espetáculos e teatros com conforto para todos os presentes. E para alguém que se define uma máquina de rock’n’roll deve ser um bocado desconfortável ver uma plateia sentada de forma quieta. “O rock’n’roll é pra dançar”, dizia a todo momento o músico português, praticante do formato “banda de um homem só”.
A expressão não é à toa: munido de um bumbo e uma caixa em cada um dos pés, a guitarra nos braços, dois microfones (um deles, com efeitos) e um kazoo à disposição da boca, Paulo Furtado começou a apresentação testando a plateia com números de seus primeiros discos (“Walkin’ Downtown”, “Gonna Shoot My Woman”). Reforçava o espetáculo, no entanto, os interessantes vídeos produzidos (por ele mesmo) para acompanhar suas canções – tanto em videoclipes como em curtas-metragens.
Foi só na quinta faixa, “Wild Beast”, porém, que o primeiro fósforo do guitarrista lusitano causaria algum fogo. Auxiliado pela entrada no palco do baterista Paulo Segadães, o Sega, Furtado ficaria à vontade para solar pelo palco e deixar sua interpretação mais solta, desafiando o baterista para um duelo de quase seis minutos – mas indo além do que mostram a maioria dos grupos que apostam na tendência contemporânea de guitarra & bateria. Foi aí que o público se rendeu – mesmo com apenas metade da capacidade do teatro ocupada, a sensação era de que a festa estava cheia quando os espectadores tomaram a frente do palco pouco depois.
Com o público rendido, Tigerman transformou o local em um grande salão de baile, com espaço para se divertir com a interpretação de “These Boots Are Made For Walkin'” e fazer todo mundo dançar com “Dance Craze”, dosando os momentos mais enérgicos com boas baladas – como “My Heart, Safe At Home”. Muito à vontade, o guitarrista português chegou até a perder seu cinto durante a apresentação, e se juntou ao público na beira do palco para uma releitura enérgica de “21st Century Rock’n Roll”, com bons solos de guitarra e o companheiro Sega espancando a bateria. “Mais rock’n’roll que isso não dá para ficar”, avisou o guitarrista ao regressar para o esperado bis.
Em ritmo menos acelerado, mas ainda assim climático, foi a hora de mostrar “Life Ain’t Enough for You”, faixa de abertura de “Femina” (2009), disco que impulsionou Tigerman para o sucesso popular não só em Portugal, mas também na Europa. A balada, escrita para a italiana Asia Argento (filha do cineasta Dario Argento), acabou servindo como boa metáfora para o fim da noite: assim como vida, os 75 minutos do show de Legendary Tigerman em São Paulo não foram suficientes, em um dos shows internacionais do ano na capital paulista. Que o rugido do tigre continue a soar por aqui.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista e assina o blog Pergunte ao Pop.
De Portugal para o Brasil:
– The Legendary Tigerman: “Rock’n’roll também é suor e animalidade” (aqui)
– “True” é um trabalho sólido e expressivo do melhor Legendary Tigerman (aqui)
– Ouça: 15 canções do pop português (de Sergio Godinho a Legendary Tigerman) (aqui)