por Adriano Costa e Leonardo Vinhas
A Editora Intrínseca tomou para si a tarefa de republicar no país os livros do escritor britânico Neil Gaiman. Primeiro foi “O Oceano no Fim do Caminho” (“The Ocean at the End of the Lane”, 2013), lançado no Brasil no ano de seu lançamento. A ele se seguiram-se o discurso “Faça Boa Arte” (“Make Good Art”, 2013 e lançado no Brasil em 2014), o conto ilustrado “A Verdade é uma Caverna nas Montanhas Negras” (“The Truth is a Cave in the Black Mountains”, 2010, lançado no Brasil em 2015) e o romance “Os Filhos de Anansi” (“Anansi Boys”, 2005, recém-editado no país).
Há uma questão que não pode ser deixada de lado ao se falar da obra de Neil Gaiman: o autor de “Sandman” cravou sua marca entre os admiradores da fantasia, seja ela em HQs ou não, e tornou-se um fenômeno editorial, com uma longevidade que poucos escritores têm. E se há muitos méritos nisso, não se pode negar que também há problemas: Gaiman repete temas, estruturas e às vezes até tramas básicas em seus trabalhos. Claro, há muitos fãs que admiram exatamente isso: saber o que vão encontrar quando se deparam com um trabalho do autor, seja em prosa ou em quadrinhos. Por outro lado, a falta de surpresas começa a desestimular novas leituras, e ameaça colocar tanto o escritor quanto seus leitores em uma zona de conforto. Sabe fãs do AC/DC, que amam o rock de riffs e temas cervejeiros em alto volume da banda dos irmãos Young, e não querem ver nada de diferente ali? E como os australianos acabam dando exatamente isso? Então…
“Os Filhos de Anansi”
Espécie de sequência de “Deuses Americanos” (“American Gods”, 2001), “Os Filhos de Anansi” foi originalmente lançado na Inglaterra em 2005 e ganha nova tradução de Edmundo Barreiros e um capricho na impressão, com direito a extras (uma cena cortada do livro original e dois novos textos exclusivos para essa reedição). Em 328 páginas, o autor nos apresenta Charlie Nancy, um tranquilo cidadão que não é lá muito esperto, mas que até consegue tocar a vida mais ou menos bem. De casamento agendado, Charlie é convencido pela noiva a convidar o pai com o qual não nutre boas relações. Ao ligar para fazer o convite, descobre que o genitor faleceu subitamente cantando em um karaokê e, desse modo, precisa ir aos Estados Unidos para o velório. É a deixa para Neil Gaiman invadir mitos e divindades africanos percorrendo novamente o caminho já proposto no seu melhor trabalho em prosa, “Deuses Americanos”. Gaiman apresenta temáticas que exploraria depois em outras obras (“O Oceano no Fim do Caminho”, 2013) além de exibir um lado pouco explorado em seus trabalhos: o humor. O tom é sempre divertido ao tratar de crenças e relações familiares, afinal ele insere o protagonista em uma aventura que já se inicia revelando que ele, Charlie, é filho de um Deus. A partir daí, a trama avança para outras bombásticas descobertas, tudo conduzido em meio ao inexplicável, pragas, promessas e redenção.
Preços: R$ 39,90 (impresso) e R$ 24,90 (digital)
Nota: 7
Leia um trecho aqui: http://www.intrinseca.com.br/neilgaiman/osfilhosdeanansi
“A Verdade é uma Caverna nas Montanhas Negras”
Este livro é, na verdade, um conto de Gaiman publicado originalmente na coletânea “Stories: All New Tales” (2010) que foi ganhando fama graças a uma sequência de leituras públicas ambiciosamente encenadas. E para se entender do quanto de “ambição” e “fama” estamos falando, basta saber que houve uma apresentação da obra no concorridíssimo Carnegie Hall, em Nova Iorque. A trama é simples: um anão contrata um guia para levá-lo a uma caverna situada em uma ilha cuja localização muda constantemente. Não se pode contar mais sob pena de dar spoliers, mas dá para dizer que é uma boa fábula que trata de temas como ganância, auto-conhecimento, reparação e caráter. Por outro lado, não é muito mais que isso: um conto moral infanto-juvenil, divertido para o público-alvo ou simpático para adultos afeitos à fantasia. As pinturas de Eddie Campbell, originalmente concebidas para serem projetadas durante as leituras públicas, acentuam o caráter fabuloso da obra.
Preços: R$ 34, 90 (impresso, capa dura) e R$ 17 (digital)
Nota: 7
“Faça Boa Arte”
O discurso que Gaiman proferiu na University of the Arts of Philadelphia (EUA) em 2012 viralizou e se tornou famoso a ponto de virar livro. A questão é que o tal texto era breve (menor que uma entrevista aqui do S&Y, por exemplo), e para justificar a existência (e o preço) do produto, ele teria de ser “marketado” adequadamente, numa embalagem que pudesse ter um tantinho mais de páginas. Assim, “Faça Boa Arte” virou uma peça de decoração, um item de mesa de centro ou de estante bacanuda com um projeto gráfico moderninho. Vale a pena? Em termos gráficos, sim – desde que você se importe com este tipo de produto, claro. Já no conteúdo é necessário dizer que o texto perde muito de seu efeito quando desprovido do humor e das nuances da fala de Gaiman, um orador muito acima da média. Assim, trechos que têm mais cara de auto-ajuda que de conselho prático acabam sendo ressaltados. Para ser justo, o discurso em si é bem adequado a um público que está entrando no mercado de trabalho, especialmente no mercado de criação artística. Há observações bem pertinentes sobre os inevitáveis fracassos da carreira, bem como sobre as neuroses do sucesso, mas também há trechos falaciosos, como a insistência na premissa de que, se você ama o que faz, nunca ‘trabalhará” de verdade – algo que pode ser desmentido por qualquer pessoa que já trabalhou com o que ama.
Preços: R$ 24, 90 (impresso, capa dura) e R$ 13,40 (digital)
Nota: 6
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell
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