por Leonardo Vinhas
Tendo à sua disposição banjo, violão, bandolim e percussão acionada pelos pés, com uma mala de viagem à guisa de bumbo, o músico gaúcho Gabriel Balbinot pode fazer um dos shows mais divertidos e empolgantes que você verá. Gabriel, que escolheu para sua vida pública a alcunha de Spangled Shore, faz folk com inspiração nítida e assumida dos britânicos (e alguns estadunidenses também). Quem o vê ao vivo sabe que isso não é impedimento para que sua música tenha uma personalidade que ultrapasse suas influências – até porque o rapaz é bom de refrão, e melhor ainda de melodias.
“Coax the King”, o álbum de estreia do moço, saiu em 2014 exclusivamente em CD (mas pode ser ouvido na íntegra no Soundcloud: https://soundcloud.com/spangled-shore), e é um retrato justo do que ele pode fazer. São 10 faixas que parecem ter sido organizadas como se fosse um vinil: o “lado A”, mais alegre e combativo, na frente, e o “lado B”, mais cadenciado e tendendo ao confessional, na sequência. Tanto em um como em outro, a combinação de influências (Bob Dylan e Billy Bragg logo à frente) funciona justamente por sua simplicidade, que agrada de imediato em suas encarnações mais “pra cima” (“I Hang My Head”, “The Song Can Kill You”, “The Rascal”) quanto nas que convidam ao recolhimento (“The Core”, a bela “All My Friends Were Right” e “The Bottom”, com a produção trazendo uma curiosa influência pós-punk).
Gabriel vem excursionando sem banda para promover o disco, e no Festival Brasileiro de Música de Rua, que aconteceu na Serra Gaúcha no final de abril, fez o que pouquíssimos se atreveriam a fazer: nove apresentações em oito dias, todas em lugares públicos, como praças e pontos de ônibus. Era impressionante ver como congregava mais público a cada show, assim como evoluía em sua performance, saindo de uma quase timidez para uma presença digna de um rock star, no bom sentido.
Mesmo ainda empenhado na divulgação de “Coax the King”, Gabriel já fez a pré-produção de seu sucessor. Afinal, seu foco atual é transformar a música em meio de vida: fez um curso de produção musical na Inglaterra e acredita na viabilidade financeira do Spangled Shore. E embora ele fale disso tudo na entrevista a seguir, a preocupação central da conversa é, como parece ser em tudo que ele faz, o prazer da música.
Vamos falar um pouco da gênese do “Coax the King”: você gravou tudo sozinho?
Gravei partes em estúdio com o Juan (nota: JC Wallace, produtor do disco) e também na casa dele, e outras já em Caxias do Sul, em casa, e mandava o material para ele. No início, pensei que Spangled Shore ia ser uma banda. Eu tinha tocado com várias bandas antes, e todas terminavam porque algum integrante não queria continuar (risos). Eram bandas punk, mas componho folk desde sempre. Só não divulgava. Quando acabei a faculdade e vi que música era mesmo o que eu queria fazer, já estava compondo folk e vi que tinha que seguir por conta própria, para não depender de outros integrantes. Então fui fazer tudo sozinho. Gravei um EP que praticamente não lancei, porque enquanto o finalizava, já comecei a compor as músicas que entraram no álbum, e elas estavam muito melhores que esse material que já tinha sido registrado, e preferi nem trabalhar essas canções.
Isso foi quando?
Comecei a gravar em 2012. Mostrei pro Juan e juntos ajeitamos algumas coisas. Fui gravar violão e vozes no estúdio, só que logo depois fui para Inglaterra e fiquei quase um ano lá estudando produção musical. Nesse período, mudei muita coisa, troquei duas músicas do repertório, e quando voltei pro Brasil, gravei banjos, alguns baixos e os samples de bateria – porque não tem bateria acústica no disco (risos).
Você nunca cogitou gravar em português, imagino. Porque a sonoridade das palavras dialoga com as canções, parece fazer parte delas. Não consigo imaginar seu disco em outro idioma.
Já me perguntaram algumas vezes sobre isso. Eu falo inglês desde muito novo, e sempre ouvi música em inglês. Gosto de como o idioma soa. Se traduzir, acho que vai perder essa sonoridade que é tão característica do folk mesmo.
Desde que o disco saiu, em 2014, você só o promoveu no formato one man band?
Na verdade foi assim: fiz uns shows lá na Inglaterra em 2013, e como lá eu não tinha equipamento, era só com banjo, violão e voz. Duas semanas depois de ter voltado para Caxias, ainda em 2013, conheci o Luciano Balen e ele me convidou para tocar no Festival Brasileiro de Música de Rua, organizado por ele. Expliquei que tinha recém voltado, não tinha banda ainda, e ele disse para eu investir nessa proposta de tocar sozinho, e arrisquei o formato one man band, que acabou sendo o que uso até hoje. O festival foi a estreia desse formato, e assim foi ficando, eu não tinha com quem tocar mesmo… Fiz três shows com meu irmão, que também toca banjo, mas como ele não tem muito essa pegada de ter banda, fiquei só eu…
Uma coisa que me chama a atenção: tanto aqui no Brasil como no exterior, quase todo mundo que migra para esse som folk teve um começo do punk. Ou às vezes é o contrário: o cara do punk tem as raízes folk, como o Johnny Two-Bags, do Social Distortion, ou o Greg Graffin, do Bad Religion. Graffin sempre foi um apaixonado por música folk, inspirou-se no gênero para fazer várias melodias da sua banda principal, e seu segundo disco, “Cold as the Clay” (2006), é quase todo de banjo, bandolim, fiddle…
Pega o Bob Dylan, cara! Folk sempre foi uma coisa de protesto, de sem envolver com coisas sociais, e acho que o punk vem daí. Uma grande influência minha foi The Clash, e foi através deles que conheci Billy Bragg, que é o cara que me influenciou a tocar sozinho, sem banda. Aliás, tenho toda a discografia do Billy Bragg, o cara não tem disco ruim! E as músicas dele têm esse cunho social forte, do que rola no quintal dele ou no mundo.
Seu disco, por ora, só pode ser adquirido em formato físico. Online, apenas para streaming. Por que você optou por não disponibilizar o disco para download?
Eu ainda vou disponibilizar, não sei quando. Como arquei com todos os custos, queria primeiramente vender para cobrir o gasto. Atualmente já consegui metade do valor em vendas. Mas acho que a música tem de estar disponível de todas as formas possíveis, inclusive gratuita. Porém, é bom que para uma banda que seus integrantes consigam viver com custos de shows, por exemplo, e de vendas também.
Três artistas que entrevistei recentemente me disseram que acham o CD uma “mídia falida”. Você evidentemente não pensa assim.
Eu acho bacana a ideia de ter o álbum físico: é um cartão de visita e ajuda a cobrir custos. Nos shows, se o pessoal curte mesmo, compra. Acho que essa deveria ser uma atitude do público que gosta de determinado artista. Mas se a pessoa não tem como comprar, que tenha digital, então. Sempre comprei discos, CD e vinil. Vinil tá caro agora, nem sempre cabe no bolso. Eu sempre quis fazer um álbum prensado, sabe? Vinil mesmo. Tem toda uma arte, que é um extra, uma interação do projeto gráfico com a música. Mas o meu álbum em algum momento vai estar disponibilizado online. Mas olha, na verdade ninguém nunca me pediu o disco por download (risos).
Você passou um período em São Paulo. Sinto que a cidade, embora com muitos méritos, é percebida bem equivocadamente como uma “Meca” um tanto quanto ilusória, para quem trabalha com música. Não é a “terra das oportunidades” apregoada. Por outro lado, estou vendo uma organização e um espírito de cooperação aqui em Caxias do Sul bastante notáveis. Você acha que a cidade pode ser mais interessante para sua carreira que a capital paulista?
Caxias sempre foi uma cidade industrial. O lema daqui é trabalho. Mas o que está acontecendo agora aqui em Caxias é uma união que, honestamente, não vi em São Paulo. Lá é muito cada um por si, e quando tem uma agrupação, é mais o caso de uma panela fechada que uma articulação. Não sei, morei lá por quatro anos e não quero falar bobagem, mas é a impressão que tenho. Pega o circuito Augusta: a maior parte do que toca lá é cover. Tem três ou quatro bandas autorais, e nos shows dessas têm pouca gente assistindo…
Você não vive do Spangled Shore, mas imagino que esse formato favoreça esse propósito…
Com certeza! É uma passagem, duas no máximo, um quarto de hotel, pouco equipamento pra levar… Mas eu gostaria de mais pra frente ter uma banda. Na verdade, gostaria de poder oferecer os dois formatos de shows: banda e solo.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
Leia também:
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