por Gabriel Innocentini
Existe uma beleza imediata na aparente banalidade dos versos e melodias que o músico canadense Tobias Jesso Jr apresenta em “Goon” (2015), seu primeiro álbum, lançado oficialmente em março. Banalidade não é bem a palavra: melhor seria dizer simplicidade. O ouvinte pode buscar na memória as baladas ao piano de John Lennon, Paul McCartney, Randy Newman, Jackson Browne, Emitt Rhodes, Harry Nillson etc. Seja lá de quem Tobias Jesso está roubando, ele está fazendo isso com maestria.
As letras são quase simplórias, basta uma rápida conferida nos títulos das quatro primeiras canções: “Can’t Stop Thinking About You”, “How Could You Babe”, “Without You”, “Can We Still Be Friends”. A aposta na fragilidade e a confiança em melodias que parecem emprestadas de algum lugar conhecido e ao mesmo tempo obscuro dos 60s e 70s (preste atenção na introdução de “How Could You Babe”: onde mesmo já ouvimos essa sequência de notas?) tornam “Goon” um disco irresistível em seu apelo confessional.
Jesso Jr começou a compor depois que sua namorada o trocou por outro. Fica ainda pior: ele abandonou a guitarra após se desiludir como compositor em Los Angeles, foi atropelado por um Cadillac e teve a bicicleta roubada no mesmo acidente. Calma, tem mais: descobriu no dia seguinte que a mãe tinha câncer, voltou pra casa onde nasceu, sentou no piano abandonado da irmã e deu o melhor que pôde com o pouco que sabia.
Sua tosquice, perdão, simplicidade no instrumento joga a favor: pouquíssima variação temática (digamos que seu espectro sentimental vai de A a B, sempre com gosto de lágrima; a rigor, Jesso Jr nem precisava escrever outras letras, seria suficiente apenas mudar a entonação das mesmas palavras repetidas em todas as músicas) e harmônica (sacadas singelas como as pausas dilacerantes em “Hollywood”) formam a base das 12 canções de “Goon”.
Comparadas às versões lançadas no Youtube, as do álbum são mais cheias: bateria dispensável no mais das vezes (apenas reforçando a acentuação já presente no piano, exceção feita ao crescendo em “For You”) + apoio da orquestração. Perdemos aquele arzinho lo-fi, aquela sensação de intimidade caseira.
Ouça “Just a Dream” postada em 2013: o som do piano distorcido, a voz por um fio, a batida quase monótona marcando o tempo – apenas um cara de peito aberto escorado em poucos acordes, uma interpretação que parece vir direto de um K7 deteriorado, o equivalente sonoro e emocional de um VHS que sofreu a ação cruel do tempo. E os versos: “I can’t explain the world to you / I can’t explain the things that people choose to do”. Já a canção apresentada em “Goon” vem mais redondinha, a voz bem colocada, umas cordas dando um colorido e temos uma música sem nenhuma aresta.
Produção excessiva (créditos, ou deméritos, ao quarteto fantástico composto por Ariel Rechtsaid, John Collins, Patrick Carney e Chet “JR” White)? A arte de Tobias Jesso Jr, que se descreve como um perdedor e um romântico incurável, é bem simples e direta: um piano e um coração. E uma falta, que só a música pode simular preencher.
– Gabriel Innocentini (@eduardomarciano) é jornalista e dissecou a discografia completa de Bob Dylan no Scream & Yell. Confira aqui.